Por Jacy Afonso
A moeda tem dois lados; e o Banco Central precisa de uma análise para além da questão econômico-financeira sobre a produção e circulação de dinheiro.
O Banco Central – BC, é a única autoridade que pode autorizar que se imprima uma nota de dinheiro ou cunhar uma moeda; ele determina a oferta dessas notas e moedas na economia.
No Brasil, o primeiro passo desse processo é que a Casa da Moeda Brasileira - CMB, empresa do ministério da Fazenda, produza as notas e moedas, transferidas posteriormente ao BC, que paga por elas creditando o seu valor para a CMB. Contabilmente, o BC registra no seu balanço o valor pago à Casa da Moeda, abatendo do montante colocado em circulação para calcular a senhoriagem.
A origem do termo senhoriagem remonta à Idade Média; correspondia à taxa paga ao soberano ou ao senhor feudal pelo direito de transformar metal precioso (ouro e prata) em moeda. Atualmente, a senhoriagem é definida como o lucro do governo derivado da emissão de moeda e é uma fonte importante de financiamento do Governo. É mencionada, inclusive, como um dos mais fortes e importantes argumentos para o Governo não abrir mão do monopólio de emissão monetária.
O Banco Central, em 2014, investiu em produção e emissão de moeda R$ 487 milhões, tendo uma receita de R$ 13.175 bilhões. Portanto, o lucro de senhoriagem foi de 12,688 bilhões.
Enquanto responsável pelo provimento das cédulas e moedas de todos os valores requisitados pelo mercado, o BC é que demanda a produção. Segundo Aluízio Júnior, presidente do Sindicato Nacional dos Moedeiros, categoria profissional única no país, no ano passado houve uma drástica redução na solicitação do Banco Central. De um pedido inicial de 3,5 bilhões de cédulas e de 1,7 bilhões de moedas, o BC adquiriu somente 654 milhões das primeiras e 228 milhões das segundas. Neste ano, a previsão é fabricar 1,2 bilhão de cédulas e somente 945 milhões de moedas. A preocupação com as consequências da suspensão da produção de cédulas e moedas mobiliza o Sindicato que, em parceria com a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, está organizando um seminário, que possivelmente ocorra em outubro, para debater o assunto e propor ações para a superação das dificuldades.
Na maioria dos estados a queda na circulação foi proporcional à redução da produção. Comerciantes e consumidores estão às voltas com o problema do troco. Os primeiros encontram dificuldades para restituí-lo. Então, ou desconsideram a fração ou imputam a perda ao cliente oferecendo como troco balas e chicletes. Em Brasília, por exemplo, padarias e farmácias oferecem brindes àqueles que levarem moedas aos seus caixas.
As casas lotéricas, que funcionam como correspondentes bancários da Caixa, pedem aos clientes compreensão sobre a falta de troco e apelam para que façam pagamentos com cartão. A situação compromete também os pagamentos de benefícios sociais, como o Bolsa Família.
Com relação à durabilidade das notas, sabe-se que as cédulas de R$ 2,00, 5,00, 10,00 e 20,00 têm vida útil em tono de 14 meses; isso porque as cédulas de menor valor de face são as que mais circulam e por isso as mais desgastadas e contaminadas. Estão em circulação 525 milhões de notas de R$ 2,00. Já as cédulas de R$ 50,00 e 100,00 podem durar em média 3 anos.
A assessoria do Banco Central afirma que "a substituição ocorre de maneira contínua, de forma a manter um suprimento adequado de meio circulante no país". Diz também que é importante manter o padrão das notas em circulação porque o bom estado do dinheiro contribui para a imagem do país. Porém, a própria autoridade monetária informa que foram recolhidos apenas 50% do estoque das cédulas de R$ 2,00 - o menor índice entre todas as notas.
Segundo a Casa da Moeda, inicialmente, a previsão do BC para 2014 era de 3,5 bilhões de cédulas e 1,7 bilhão de moedas. Mas, por conta do contingenciamento de recursos, reduziu drasticamente o valor disponível a ser gasto com a fabricação de dinheiro, trazendo sérias consequências à CMB, que amparada em acordo assinado com o Banco Central, investiu em equipamentos e material de produção, contratou funcionários, se preparou para produzir a moeda em circulação no Brasil.
Sem o cumprimento do acordo, a CMB está com seu capital financeiro e humano subutilizado, gerando sérias preocupações aos trabalhadores, inclusive com o futuro da própria Casa da Moeda, uma instituição sólida, que há mais de 300 anos é a empresa pública responsável pela produção do meio circulante brasileiro.
Essa situação também traz prejuízos à saúde humana. A postergação da produção de novas cédulas aumenta exponencialmente a contaminação do dinheiro. Conforme pesquisa da Mastercard, uma única nota contém aproximadamente 26 mil bactérias. A maioria das pessoas não lava as mãos após manusear dinheiro, mesmo sabendo as cédulas trazem consigo microrganismos como fungos, bactérias e leveduras que provocam doenças. E assim, a suposta economia que se daria com a redução da produção de dinheiro não se justifica visto que o sistema de saúde será mais exigido.
É preciso, ainda, considerar que a baixa produção da moeda, provoca a exigência de circulação de valores por meio eletrônico - cartão de débito ou crédito. Hoje, um aposentado que recebe salário mínimo é praticamente obrigado a possuir um cartão. E paga pela sua emissão e uso, evidentemente.
O meio eletrônico exige também que os pequenos comerciantes tenham a logística para receber por meio dos cartões. E mais uma vez são os de menor poder aquisitivo é que pagam a conta. As taxas variam conforme o tipo de venda. Para débito e crédito, o percentual gira em torno de 3,10%; para crédito parcelado o valor pago pelo usuário da máquina está em média, 4,5%.
Seja por cortes no orçamento, seja para dificultar o giro de dinheiro e controlar a inflação, a baixa emissão e, em consequência, a pouca circulação de moeda no país traz as mais diversas dificuldades para muitos e diferentes grupos populacionais. A moeda tem dois lados; e o Banco Central precisa de uma análise para além da questão econômico-financeira sobre a produção e circulação de dinheiro e considerar as muitas consequências que as decisões monetárias podem provocar.