Por José Eymard Loguercio
Outro dia, no meio de uma reunião para discutir o direito de greve, me veio à memória a lei de greve do regime militar.
No momento, como estou envolvido nas discussões sobre o PL 4330, aquele da terceirização sem-fim, querendo lembrar-me da lei de então, só me ocorria o número 4330...4330...4330
Na hora pensei: estou com sério problema de memória e com fixação neste número! Não é possível!
Fui conferir.
E não é que, de fato, a Lei de greve no regime militar, de 01 de junho de 1964, assinada pelo Presidente H.Castello Branco, recebeu o número 4330?
A lei de então, dizendo regulamentar o direito de greve, na verdade criou o que os sindicalistas chamavam de AI-5 sindical. Restringia de tal modo o exercício do direito, com entraves burocráticos, que, na prática, uma greve jamais seria considerada legal. Com a ilegalidade decretada (de ofício com a instauração de dissídios de greve sem provocação de qualquer parte), abria-se a porta para a criminalização.
O artigo 29, da então lei de greve, caracterizava como crime contra a organização do trabalho “promover, participar ou insuflar a greve ou lock-out com desrespeito a essa lei”. Era o que bastava para incluir dirigentes sindicais e os enquadrá-los em prática de crime com reclusão de 6 meses a 1 ano e multa.
A participação em greve considerada ilegal dava ensejo à justa causa (1), especialmente no caso dos servidores públicos, proibidos de realizá-las.
4330 de tão triste memória dos trabalhadores brasileiros durante toda a ditadura militar.
Lembro-me que às vésperas da nova Constituição, portanto ali por volta de 1985/86...começa a surgir, junto com o novo sindicalismo, uma nova geração de Juízes do Trabalho a considerar inconstitucional a Lei 4330 de 64.
Não estou dizendo da evidente ausência de recepção da Lei 4430/64 com a Constituição de 1988. Não!
Refiro-me às decisões da 4ª. Região e depois da 2ª e 15ª Região declarando inconstitucional a Lei 4330 à luz da EC/69. (2)
(1) O que acabou sendo restringido por decisão do STF que adotou o entendimento de que a simples participação em greve não dava ensejo a dispensa por justa causa.
(2) A previsão constitucional na Constituição de 1946 (vigente quando da edição da Lei 4330/64) reconhecia o direito de greve “cujo exercício da lei regulará”. A Constituição de 64 e a EC/69 não mais fizeram referência à lei, apenas dizendo tratar-se a greve de um direito. Exceção da greve no serviço público e atividades essenciais definidas em lei.
· Constituição de 1946: Art. 158 - É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará.
· EC/69: Art. 165. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos têrmos da lei, visem à melhoria de sua condição social: XX - greve, salvo o disposto no artigo 162.
Essa posição do Judiciário, à época, indicava os novos ventos democráticos que sopravam sobre país, em especial o reconhecimento da importância da organização sindical livre e do exercício do direito de greve.
Lembrei-me disso como um paralelo doce e amargo com o atual momento. O PL 4330 trata de outra coisa. No entanto, irresistível é fazer esse paralelo com a lei de greve do regime militar.
O PL 4330, que no discurso pretende “regulamentar a terceirização”, na prática a eleva, sem fronteiras, para todos os cantos da empresa. Ao fazê-lo quebra com os paradigmas da Constituição de 1988 na proteção da relação de emprego e da organização sindical. É tão ou mais grave do que a Lei 4330 de 64.
Aquela (lei de greve do regime militar) precisou de 20 anos para que o Judiciário deixasse de aplicá-la, sob os auspícios dos novos ventos democráticos. Este (PL 4330) já obteve, antecipadamente, de juristas, juízes, integrantes do Ministério Público, intelectuais, dirigentes sindicais e de 19 Ministros do Tribunal Superior do Trabalho a chancela de inconstitucionalidade. Além disso, lembrando os piores momentos da história brasileira, remete para uma fragmentação sindical e precarização do direito do trabalho.
Ou seja, o PL 4330, embora dispondo de outra matéria, é amargo déjà vu de outro 4330 de triste recordação!!
José Eymard Loguercio. Advogado.