por Eduardo Maretti, da RBA
São Paulo – Entre as diversas hipóteses aventadas para a sucessão do ministro Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal (STF), apenas uma satisfaz o regimento da Corte: "Se o sucessor do Teori herdasse os processos dele, inclusive o da Operação Lava Jato, o regimento estaria sendo cumprido integralmente na sua letra", diz o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção do Rio de Janeiro. Zavascki morreu na quinta-feira (19) em acidente aéreo na região de Paraty (RJ). Ele era relator da Lava Jato e estava prestes a homologar 77 delações premiadas de executivos da empreiteira Odebrecht que chegaram em dezembro ao STF.
Outras teses são aceitáveis, na opinião de Damous, mas duas delas são juridicamente descartáveis: a primeira é a presidente do STF, Cármen Lúcia, nomear um relator e a segunda, "dar um jeitinho" no regimento, como sugeriram as jornalistas Miriam Leitão e Eliane Cantanhêde. Segundo esta última, "a escolha do novo relator da Lava Jato, a maior investigação de corrupção de todos os tempos, tem de seguir o regimento, mas deve também recorrer às brechas para evitar uma pessoa errada, na hora errada, no lugar errado – o oposto de Teori".
Para Damous, que reassumiu no fim de dezembro a cadeira na Câmara dos Deputados, agora definitivamente, com a posse do titular Fabiano Horta (PT-RJ) como prefeito de Maricá, entre os nomes até o momento citados como cotados para a vaga de Zavascki, Sérgio Moro "é a pior das hipóteses".
Sobre as teorias da conspiração em torno da morte do ministro do Supremo, Damous diz que, no atual quadro, nada deve ser descartado. "Como o Brasil vive um período de anarquia, tudo é possível. É possível que tenha sido acidente, é possível que tenha sido um atentado. Tudo hoje é cercado de quebra de ritos e de regras."
Alguns opinam que o relator da Lava Jato no Supremo deve ser aquele nomeado por Temer, outros que pode ser até indicado por Cármen Lúcia (presidenta do STF). O que é aceitável?
O critério básico é que o novo ministro herda os processos do seu antecessor. Imaginemos que ele tenha se aposentado. Nomeado alguém para a vaga que abriu por conta da aposentadoria, ele herda todos os processos. E assim também em caso de morte. Esse é o critério básico. O regimento prevê outras hipóteses. No caso de urgência: o presidente demora a nomear e há processos que demandam urgência. O processo pode ser redistribuído. Para quem? O Teori Zavascki era da Segunda Turma. Em tese deveria ser para um dos ministros dessa Turma, ou para o plenário, porque há figuras envolvidas na Lava Jato cuja competência para processar e julgar é do plenário.
Há diversas hipóteses. O que não pode é desrespeitar o regimento, como duas jornalistas sutilmente propuseram: a Miriam Leitão e Eliane Cantanhêde sugeriram dar um jeitinho no regimento para nomear imediatamente um novo ministro. A própria presidente Cármen Lúcia, em tese, poderia homologar as delações – como presidente ela está de plantão, o Supremo está em recesso.
O que Cármen Lúcia pode fazer?
Ela não pode nomear ninguém. Se tiver que distribuir, é por livre distribuição. Para onde? Para a Segunda Turma ou para o plenário? Isso é uma questão a ser vista. Ela homologar as delações não é recomendável, embora, em tese, ela pudesse fazê-lo assumindo o processo no plantão alegando urgência. Mas não conhece o processo, não leu. Vai se basear em quê? Em opinião de assessor?
Segundo algumas interpretações, no artigo 68, o regimento prevê que o presidente do Supremo pode indicar um relator substituto em caráter excepcional...
Isso não se aplica a esse caso, não há por quê, ela teria que redistribuir, não indicar novo relator.
Já foram mencionados vários nomes para substituir Teori Zavascki: Alexandre de Moraes, Ives Granda Filho (presidente do Tribunal Superior do Trabalho), a advogada-geral da União, Grace Maria Fernandes Mendonça, Sérgio Moro, entre outros. Existe um perfil ideal sobre quem deva ou não ser nomeado?
Em relação aos nomes que você citou, eu considero, sinceramente, os perfis todos horrorosos. Ives Gandra é um magistrado da Justiça do Trabalho de extrema-direita, comanda no TST a pauta regressiva de retirada de direitos. Alexandre de Moraes é um nazifascista, trapalhão, incompetente, despreparado para ser ministro da Justiça e obviamente despreparado para ser ministro do Supremo Tribunal Federal. E a advogada-geral da União, simplesmente por servir a esse governo, no meu ponto de vista, já estaria fora. Sérgio Moro é a pior das hipóteses. Mas, também, os governos do PT nomearam mal. Nomearam mal e pagam um preço muito caro por isso. E, agora, espera-se que Michel Temer não faça melhor. Provavelmente vai indicar alguém do seu círculo de amizades, ou de negócios.
E Antonio Cláudio Mariz de Oliveira?
Esse talvez seja o único perfil aceitável. Embora amigo (de Temer), teve a decência de não aceitar a indicação para o Ministério da Justiça e é um grande advogado.
Existe um perfil que você considere adequado? O que seria um perfil adequado?
Para ser ministro do Supremo, alguém com perfil de um jurista progressista, antenado com as exigências da contemporaneidade progressista. Que não seja racista, que não seja homofóbico, que tenha uma pauta de não regressão em relação a direitos, que não seja punitivista, não entenda que os problemas do Brasil sejam resolvidos pelo Direito Penal. Ou seja, estou com um perfil utópico neste momento.
Sabemos que o Supremo tem caráter político, até mesmo pela nomeação, que é política. No caso atual, que envolve a Lava Jato, até que ponto vai a questão jurídica e a partir de onde começa a questão política?
Primeiramente, tem que cumprir o que diz o regimento. É inaceitável dar jeitinho no regimento. Essa é primeira questão. É uma corte política, não uma corte partidária. E dizer que é uma corte política não significa que seja uma corte que dribla o Direito para prestigiar a política. Seu Michel Temer tem a chance de indicar alguém com isenção, ou alguém que vai beneficiar a ele e sua trupe, que são ou virão a ser investigados na Operação Lava Jato.
Exatamente o que tem de ser feito para se cumprir o regimento hoje?
Se o sucessor do Teori Zavascki herdasse os processos dele, inclusive o da Lava Jato, o regimento estaria sendo cumprido integralmente na sua letra. Essa é a regra geral. Pode-se alegar urgência, já que o próprio Temer disse que não vai nomear ninguém até que o relator seja designado. É possível que se estabeleça o critério de ser alguém da Segunda Turma, a do Teori, por livre distribuição. Ou ser livre distribuição para o Plenário. Isso estaria de certa fora dentro do regimento. E Cármen Lúcia indicar, do meu ponto de vista, é absolutamente descartável juridicamente. Ela não pode indicar.
A Cármen Lúcia homologar as delações com base no critério de urgência, que normalmente também é política, normalmente a urgência é ditada pela Rede Globo, está dentro de uma possibilidade regimental, embora eu ache que não seja recomendável. Ela não conhece o processo. Vai homologar tudo? A lei estabelece critérios para homologação de delação. Ela está por dentro, ela leu o processo? Uma hipótese, mas precisaria estudar o regimento, é de distribuir para o Celso de Mello, que é revisor, com base no fato de que ele conhece o processo. Ele é da Segunda Turma e é revisor do processo.
A morte de Teori está sendo objeto de teorias da conspiração. Existem motivos para isso?
Como o Brasil vive um período de anarquia, tudo é possível. É possível que tenha sido acidente, é possível que tenha sido um atentado. Tudo hoje é cercado de quebra de ritos e de regras. A própria perícia do avião. Vinte e quatro horas depois é que chega uma equipe para tirar o avião do fundo do mar? Parece que existia uma mulher que não se sabe exatamente quem era e que estava viva, e pediu socorro, e não foi socorrida... Agora, não vou comprar nenhuma hipótese. Aparentemente foi um acidente. Tinha mau tempo, pode ter sido falha dos operadores, falha do piloto. Infelizmente, quando você está numa situação de anormalidade institucional, de governo ilegítimo, de instituições cada vez mais desacreditadas, tudo passa a ser possível, nada pode ser descartado.
Qual sua opinião sobre Teori como juiz e ministro do Supremo?
Objetivamente, eu achava, quando ele foi nomeado, que pelo menos tinha sido nomeado alguém com perfil técnico, e que não se dobraria a clamores eventuais da chamada opinião pública etc. Nesse aspecto ele foi, para mim, decepcionante.
Apesar de ele ter sofrido ameaças?
É verdade, fizeram até manifestação... Segundo o filho dele, as ameaças eram constantes. Mas, por exemplo, no episódio dos grampos, ele repreendeu o Sérgio Moro. O papel dele não é repreender, o papel dele não é comentar decisão. O papel dele, se a decisão foi criminosa, foi ilícita, era ter mandado abrir processo contra Sérgio Moro, e não fez. Ele não conteve diversos abusos da Operação Lava Jato. Nesse sentido, ele acabou se alinhando com seus colegas que infelizmente estão apequenando o Supremo Tribunal Federal, se curvando ao que quer a Rede Globo, ao que querem determinados setores da sociedade. Então, nesse sentido, pra mim, ele foi decepcionante.