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19 de Março de 2016 às 10:14

'Virei de novo o Lulinha paz e amor. Vou ao governo para ajudar a presidenta Dilma'

Na Avenida Paulista, ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fechou manifestação, que levou 500 mil pessoas, segundo os organizadores. E pediu convivência "civilizada" entre pensamento diferentes


Crédito: MARCIA MINILLO/RBA
Lula: "Não vou lá (governo) para brigar, mas para ajudar a presidenta Dilma a fazer o que tem de ser feito neste país"

por Vitor Nuzzi, com Redação RBA

São Paulo – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo voltando a criticar a oposição, por não aceitar o resultado eleitoral de 2014, adotou tom mais conciliador no aguardado discurso ao encerramento de manifestação nesta sexta-feira (18), na Avenida Paulista, em São Paulo, que segundo a Frente Brasil Popular reuniu 500 mil pessoas. E anunciou a "volta" do "Lulinha paz e amor", como ficou conhecido na campanha que o levou à Presidência da República, em 2002. "Não vou lá (governo) para brigar, mas para ajudar a presidenta Dilma a fazer o que tem de ser feito neste país", disse Lula, referindo-se à nomeação para a Casa Civil. "Estarei servindo o povo brasileiro."

Mas a batalha judicial em torno de sua ida ao governo continua. Em decisão divulgada no final da noite, o juiz Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar em mandados de segurança impetrados por dois dos partidos de oposição, o PPS e PSDB, suspendendo a nomeação.

Atos de apoio contra o impeachment e pelo cumprimento do mandato de Dilma Rousseff foram realizados em 45 cidades, incluindo todas as capitais, reunindo 1,35 milhão de pessoas, segundo a CUT (leia matéria no site da RBA). De acordo com a Polícia Militar, na Avenida Paulista, havia 80 mil pessoas e, de acordo com o Instituto Datafolha, 95 mil. Em São Paulo, apesar do receio de confronto, houve apenas um incidente mais sério, ao lado da sede da Federação das Indústrias do Estado (Fiesp), onde a segurança foi reforçada – a entidade patronal tem servido de ponto central de manifestantes favoráveis à derrubada do governo.

Para Lula, o tempo que resta até o final do governo Dilma é “suficiente para virar a história do país”. Além de pedir respeito à democracia e às eleições, fez referências, sem citações, à oposição e ao candidato derrotado do PSDB à Presidência, senador Aécio Neves (PSDB-MG). "Tem gente que parece não saber que a democracia é a única possibilidade de fazer com que o povo participe das decisões do governo. Eles se dizem social-democratas. Eles não aceitaram o resultado e continuam atrapalhando a presidenta Dilma", afirmou.

A presença de Lula foi discutida durante todo o dia. Pouco antes do início da manifestação, às 16h, os organizadores confirmaram que o ex-presidente, já chamado de "ministro", iria comparecer. Ele chegou às 19h, por uma rua ao lado do Museu de Arte de São Paulo (Masp), onde ficou o maior carro de som do evento, que fechava a Paulista nos dois sentidos. Outros carros se posicionaram na avenida, um deles mais perto da Fiesp.

Reagindo aos constantes gritos de "Não vai ter golpe", Lula disse que não se pode tentar antecipar o processo eleitoral. "Quero dizer para aqueles que não gostam de nós que democracia é acatar o resultado da maioria." Segundo ele, alguns falam em democracia "da boca para fora". "Perdi eleição em 1989, 1994, 1998. Já tinha perdido em 1982, para o governo de São Paulo. Em nenhum momento vocês viram eu ia para a rua protestar contra quem ganhou."

Logo que iniciou seu pronunciamento, o ex-presidente disse estar emocionado com a manifestação. "Pensei que nada mais pudesse me emocionar, fazer com que eu tivesse emoção. "O que vocês estão fazendo hoje na Avenida Paulista espero que seja uma lição para aqueles que não acreditam na capacidade do povo brasileiro, para aqueles que nos tratam como cidadãos de segunda classe, que falam em democracia, mas não acreditam na democracia. Precisa entender que democracia é convivência com adversidade. Não quero que quem votou no Aécio goste de mim. Eu quero que a gente aprenda a conviver de forma civilizada com as nossas diferenças", disse Lula, em discurso de aproximadamente 20 minutos.

"Talvez vocês não tenham dimensão do bem que fizeram para a democracia brasileira", prosseguiu o ex-presidente. "Um país que tem um povo desta qualidade não tem direito de não acreditar no futuro. Vocês foram e são a melhor coisa que este país produziu. Nossa gente, nosso jeito, que confirma a diversidade." Ele lamentou que haja setores que preguem a violência "contra nós" e pediu tranquilidade na saída do evento. "Não aceitem provocação ao voltar pra casa. Quem quiser ficar com raiva que morda o próprio dedo porque não vamos aceitar provocação."

Apoios

Antes de Lula, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, disse acreditar que não havia um cidadão na Avenida Paulista que não quisesse levar as investigações em curso pela Polícia Federal até as últimas consequências. "Isso significa responsabilizar todos aqueles que cometeram delitos, garantindo amplo direito de defesa. O que se vê hoje é um julgamento sumário", acrescentou.

“Este não é um ato em defesa de um partido, de um homem, de um governo ou de uma mulher. É em defesa da República Federativa do Brasil. Da democracia. É um ato de democratas fundamentalistas que acreditam na democracia até as últimas consequências”, disse Haddad.

O presidente nacional do PT, Rui Falcão, disse que a manifestação representava "a verdadeira posse do ex-presidente como ministro". Pouco antes, o dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Gilmar Mauro já havia pedido a Lula mais atenção do governo às questões sociais. "Quando tiver a caneta, assine olhando para este povo. O resto é com a gente", afirmou.

Três nomes foram repetidos durante todo o ato da Frente Brasil Popular, que durou quatro horas (das 16h às 20h): os do juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, e da Rede Globo, para a qual alguns dos discursos pediam vaias. O presidente da CUT, Vagner Freitas, iniciou sua fala dizendo que Moro "grampeou a sociedade brasileira", em referência aos áudios de conversa entre Lula e Dilma vazados pelo juiz paranaense.

“Aqui não tem ninguém com raiva que quer fazer do ódio sua palavra. Aqui tem toda a sociedade brasileira. Moro não grampeou o Lula e a Dilma, grampeou a democracia, o Estado de direito, o Brasil. Precisa ser punido”, protestou o dirigente cutista, que também ressaltou a importância dos atos realizados nesta sexta. "O povo sustenta a democracia."

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), também foi citado várias vezes e vaiado. "Que moral ele tem para impedir o mandato constitucional da presidenta Dilma?", disse, por exemplo, o presidente da CTB, Adilson Araújo.

Segundo o ex-ministro Luiz Dulci, diretor do Instituto Lula, o ato foi uma demonstração de consciência democrática. "Há uma consciência democrática nacional. Uma demonstração de cidadania em defesa da democracia”, afirmou. “Foi duríssimo conquistar a democracia.”

O coordenador estadual da Central de Movimentos Populares, Raimundo Bonfim, disse acreditar que a mobilização de hoje "com intelectuais, artistas e juristas consiga barrar esta campanha explícita da Rede Globo para derrubar a presidenta Dilma, criminalizar o presidente Lula e qualquer pensamento de esquerda". "Eles não vão rasgar a Constituição”, acrescentou.

Já para a presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha, a Bebel, os dias que estão por vir não serão fáceis. "O ministro Lula assumirá e ajudará a fortalecer o governo da presidenta Dilma", comentou, destacando ainda a presença de público na manifestação da Paulista. "Não tivemos a Rede Globo e nem ninguém para convocar."

A presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Juvandia Moreira, defendeu reformas política e do Judiciário, além de democratização dos meios de comunicação. E reforçou o posicionamento contra qualquer tipo de golpe. "Vamos para as ruas, para as redes sociais, denunciar ao mundo inteiro."

Para iniciar sua fala, o presidente da União da Juventude Socialista (UJS), Renan Macaxeira, pediu uma vaia para a Rede Globo. Porém, ao se referir à emissora disse que não falava dos profissionais de imprensa, repórteres e cinegrafistas, mas de pessoas como Ali Kamel, William Bonner e William Waack, entre outros. “Estamos assistindo a uma tentativa de pôr fim ao Estado democrático de direito e também ao ciclo de mudanças e transformações que assistimos nesses últimos 14 anos.”

Gilmar Mauro, do MST, disse estar preocupado com a situação brasileira, principalmente política. "Há grupos incitando a violência, o ódio e a guerra. A guerra não interessa aos trabalhadores, que serão os mais prejudicados sempre. Por essa razão, vamos esticar a luta até o limite do limite, mas não fugiremos da guerra.”

Mauro lembrou da importância de Lula, mas que Dilma "continua com a caneta". “Que Dilma assine projetos que interessem à classe trabalhadora. Nós defenderemos nas ruas. A presença do Lula é importante, mas a pauta econômica e social deve ser implementada imediatamente. Disse e volto a dizer que nosso movimento não formou covardes. Se derem o golpe, não terão um minuto de sossego. Moro e a Rede Globo precisam ser responsabilizados se houver conflitos nas ruas. Vamos fazer o possível dentro do espírito democrático para exigir mudanças. Pela razão, e não pela violência. Estaremos nas ruas para garantir o diálogo político neste país.”

 

Perto da Fiesp, conflito com manifestantes pró-impeachment

O receio de confrontos entre grupos pró e contra o impeachment não chegou a se confirmar, mas houve um pequeno conflito, que durou 15 minutos (das 17h15 às 17h30), ao lado da sede da Fiesp, onde até de a manhã de sexta alguns manifestantes antigoverno ainda se concentravam, até serem retirados pela polícia. Mesmo assim, um grupo de 15 pessoas a favor do impeachment apareceu no local, com uma faixa “resistência na ocupação da Paulista”. Houve bate-papo e início de briga com militantes contrários ao impedimento de Dilma. A Polícia Militar jogou gás de pimenta, provocando correria. Minutos depois, alguns integrantes do grupo foram escoltado por policiais até a estação Trianon-Masp do Metrô, que permaneceu fechada.

Depois de afirmar que não participaria do ato, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) recuou diante dos últimos acontecimentos, segundo o coordenador nacional, Guilherme Boulos: "A participação da população nesta manifestação é importante porque nós vivemos uma escalada, uma ofensiva aos direitos democráticos neste país. Nos últimos dias, pessoas raivosas, odiosas, intolerantes tomaram as ruas atacando pessoas que estivessem de vermelho, ou que não concordassem com suas posições. Também nos últimos dias o Judiciário atravessou uma fronteira extremamente perigosa, por meio do Sérgio Moro, atacando efetivamente garantias constitucionais "Nós não estamos em defesa de governo algum, até porque temos duras críticas às políticas de Dilma, mas estamos em defesa das garantias democráticas contra esta escalada e esta ofensiva reacionária que foi o clima construído artificialmente por setores midiáticos", argumentou.

No final da tarde, o cantor e compositor Chico César fez um pequeno show animando a multidão, com canções como Mama África, de sua autoria, e Pra não Dizer que não Falei das Flores (Caminhando), do também paraibano Geraldo Vandré, música que tornou-se símbolo da luta contra a ditadura civil-militar e de qualquer outra forma de opressão.

Rossetto

Em entrevista à reporter Marilu Cabañas, da Rádio Brasil Atual, o ministro do Trabalho e Previdência Social, Miguel Rossetto, destacou a importância do ato desta sexta-feira: "É um ato forte, mais de 100 mil pessoas chegando, muita gente que simboliza a resistência democrática do povo brasileiro, que lutou pela liberdade e com 54 milhões de votos elegeu um projeto político para o país com a continuidade de Dilma Rousseff". "No Brasil inteiro são milhares de pessoas que vão para as ruas defender a democracia, que acreditam em um país mais justo e mais igualitário. É uma grande festa democrática. Não vai ter golpe, vai ter mais democracia."

"O Brasil é um país quem vem mudando: temos um povo com mais casa, uma juventude com mais escola, e trabalhadores com renda maior, com um salário mínimo que cresce. Queremos avançar cada vez mais em conquistas sociais, temos que andar para frente", disse o ministro. "É uma resposta para aqueles que querem combater a corrupção: aqui eles vão encontrar os que mais querem combate a corrupção e defender a democracia."

Na saída, caminhando em direção à Avenida 9 de Julho, o diretor teatral José Celso Martinez Corrêa apostava na permanência de Dilma no governo. "Ela vai até o fim", afirmou, acrescentando que para isso é preciso "despertar a energia" popular. Algo que o ex-presidente pode conseguir: "Quando o Lula fala, todos os sinos tocam".






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