Por Vitor Nuzzi, da RBA
São Paulo – No início do julgamento de um dos acusados de ser mandante da chacina de Unaí (MG), um condenado como executor, Erinaldo de Vasconcelos Silva, apontou o fazendeiro Norberto Mânica como a pessoa que o contratou. Para o ex-delegado regional do Trabalho de Minas Gerais Carlos Calazans, o depoimento do assassino "mostra o Brasil profundo que a gente ainda tem na sociedade brasileira". A expectativa é de que as primeiras sentenças saiam amanhã (29) à noite. Nesta primeira sessão, também está sendo julgado José Alberto de Castro, apontado como intermediário.
"Acho que a fala de Erinaldo, pela frieza, pelos detalhes, é definitiva", avalia Calazans, que era titular da Delegacia (atual Superintendência) Regional do Trabalho na época do crime. "E mostra todas as contradições que a gente ainda tem na sociedade brasileira. Um homem do interior do país (referindo-se a Erinaldo) que decide ter uma vida de crimes e é contratado pelos poderosos, que o abandonam e oferecem que ele assuma o crime como latrocínio. Ele fica preso e o lado rico da sociedade, que o contratou, não vai para a cadeia. É o lado profundo da sociedade, que teima em não mudar e desafio o Estado brasileiro."
O valor combinado para que o pistoleiro assumisse o crime, que seria de R$ 300 mil, não foi pago. Pelo assassinato, o pagamento teria sido de R$ 40 mil.
Erinaldo foi um dos julgados e condenados em agosto de 2013, com sentença de 76 anos de reclusão, por homicídio triplamente qualificado, formação de quadrilha e receptação. Além dele, Rogério Alan Rocha Rios foi sentenciado a 94 anos de prisão e William Gomes de Miranda, a 56 anos. Os três estavam presos na época do julgamento. Já os acusados de contratar e intermediar o crime permaneceram em liberdade.
Quase 20 testemunhas já foram ouvidas. A expectativa para a tarde de hoje é em relação ao depoimento do empresário Hugo Alves Pimenta, que fez acordo de delação e será julgado em 10 de novembro. Ele também é acusado de intermediar a contratação dos pistoleiros. O júri ouviu também os depoimentos do delegado da Polícia Federal Antônio Celso dos Santos, que comandou as investigações na época, e o policial federal Cláudio Paradas.
Calazans acredita em condenação dos acusados de serem os mandantes da chacina, em 28 de janeiro de 2004, quando quatro servidores do Ministério do Trabalho (três fiscais e um motorista) foram executados. "Eu acredito. O fato de fazerem um julgamento já é uma sinalização que a gente pode descortinar novos tempos."
Ele confirma que o objetivo dos mandantes era inicialmente matar um dos fiscais, Nelson José da Silva, mas a ordem teria sido de executar todos os que estavam com ele. Além de Nelson, foram mortos a tiros os fiscais Erastótenes de Almeida Gonçalves, o Tote, e João Batista Soares e o motorista Ailton Pereira de Oliveira.
Responsável pela Delegacia Regional, Calazans avalia ter cometido um erro naquele período. "A gente não podia deixar um fiscal lotado muito tempo em um (mesmo) local do interior. Você tem sempre de estar fazendo rodízio", afirma. "Nelson era um sujeito honesto, que não aceitava coisas erradas", diz, contestando críticas de que o fiscal seria uma pessoa "arrogante" ou "intolerante". "Apenas cumpria a obrigação do Estado. E pagou um preço caríssimo por ter feito isso."
Depois do assassinato, Calazans, que deixou a DRT em 2006, passou a ir ao local do crime sistematicamente todos os dias 28. "Não deixei o crime esfriar. Os fiscais morreram sob meu comando. Eu me sinto responsável."
Como todos que acompanham o julgamento, que começou ontem, ele aguarda com expectativa pela sessão do júri de Antério Mânica, irmão de Norberto e prefeito de Unaí por dois mandatos. Está marcada para a próxima quarta-feira (4). Depois, no dia 10, será a vez do último réu, o próprio Hugo Alves Pimenta. Todas as sessões estão sendo realizadas na 9ª Vara Federal de Belo Horizonte.