por Helder Lima, da RBA
São Paulo – O ministro interino das Relações Exteriores, José Serra, ataca veladamente o Mercosul. Serra alega que o país deve poder celebrar acordos comerciais com os mais diferentes países. O que está em jogo é uma resolução do Mercosul, a Decisão 32, de 2000, que define que os acordos comerciais não podem ser feitos sem aprovação do bloco. Ontem (24) o próprio presidente interino Michel Temer saiu em defesa da ideia, em entrevista à rádio Estadão, pregando a necessidade de flexibilizar a decisão para que o país faça acordos tarifários livres com os parceiros que quiser.
O argumento não convence os críticos do governo provisório. Não convence nem mesmo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), uma das madrinhas do afastamento de Dilma Rousseff. Na prática, se negociar tarifas a seu bel-prazer o governo interino vai jogar contra a indústria, contra os empregos e agravar a recessão, segundo afirmam fontes ouvidas pela RBA.
Um deles é o economista Kjeld Jakobsen, que foi secretário de Relações Internacionais da CUT, da prefeitura de São Paulo e integra a diretoria da Fundação Perseu Abramo. Para ele, o "governo golpista" demonstra não entender nada de economia, de políticas sociais, de direitos humanos e tampouco de comércio. "Isso por várias razões. Primeiro porque o Mercosul não impede que você negocie com outros países. O que ele pode impedir é que você faça acordos de livre comércio com taxas inferiores à Tarifa Externa Comum (TEC) que existe no Mercosul", afirma Kjeld Jakobsen. “Se fizer isso, você traz para dentro do bloco o que a gente chama de desvio de comércio, porque os outros vão exportar para o Brasil, com tarifa menor do que a TEC, e o Brasil vai com tarifa zero para os outros quatro países do Mercosul”, explica.
Nas notícias que circularam ontem (25) sobre a questão despontam a possibilidade de o país fazer acordos com Canadá, Japão, Coreia e o bloco formado por pequenos países europeus, como Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein. Mas isso não diz tudo, na opinião do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. “Quando você faz um acordo de livre comércio com um país, e você leva a zero a tarifa, os outros países também perdem. O que ele (Serra) está pretendendo fazer é começar com esse tipo de país para depois fazer com os grandes, porque com esses (os pequenos) não tem nenhum impacto. Vai ver o tamanho do comércio do Brasil com esses países. É absolutamente insignificante. Ele quer abrir um precedente para fazer com outros países”, alerta Guimarães.
“Essas pessoas são antipátria, são antinacionais, contra o trabalho, contra o povo, contra os trabalhadores. Certamente é uma medida que agravaria a recessão. É tudo o que os outros países querem, que é exportar para cá”, diz o embaixador. “A falta de conhecimento, a falta de sentimento de nação é muito grande e a ignorância também. Você acha que ele quer ter livre comércio com a Suíça? O que eles querem é um esquema de livre comércio com os Estados Unidos. E com a Europa. É uma questão ideológica – eles querem a Alca (Área de Livre Comércio das Américas, proposta pelos Estados Unidos em 1994, mas que não prosperou) e claro que os Estados Unidos também querem isso, porque vão exportar muito para o Brasil. Os Estados Unidos hoje em dia já têm um superávit com o Brasil muito grande”, afirma Pinheiro Guimarães.
“Se revogar isso (a decisão 32/00) significa o fim do Mercosul, o que seria um prejuízo muito grande porque um dos destinos mais importantes das exportações brasileiras é exatamente o Mercosul, principalmente no que diz respeito a bens industrializados, que é um setor em que o Brasil vem perdendo competitividade, por várias razões”, diz o diretor Jacobsen. “A existência do Mercosul não impediu que a China se tornasse o principal parceiro comercial do Brasil, que está em primeiro lugar nas nossas relações comerciais. Essa relação cresceu mais de 1.000% de 2002 para os dias atuais. E mesmo aqui na América do Sul, o segundo maior crescimento de comércio do Brasil foi com a Argentina por causa do Mercosul. Esse crescimento é superior a 800%, de 2002 para os dias atuais”, afirma o economista.
"Os caras não estão nem aí, porque eles vão fazer negócios. Eles fazem negócios. Você pode buscar no WikiLeaks as declarações do Serra no passado sobre a Chevron – ele garantiu que ia mudar a legislação. E ninguém disse nada, coisa documentada, Para eles não tem negócio de pátria. São contra a nossa soberania, contra o nosso desenvolvimento e a favor de seu enriquecimento pessoal", sustenta o embaixador. E lembra: "Basta ver as pessoas que participaram do governo Fernando Henrique como elas estão 'pobres'. Veja a fortuna dos economistas que participaram do governo Fernando Henrique. Estão todos milionários", afirma Guimarães.