CUT Nacional
André Accarini
Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pode mudar o valor inicial de aposentadoria de cerca de dois milhões de mulheres que contribuem em fundos de previdência privada. No último dia 17 de agosto, o STF declarou inconstitucionais as cláusulas desses planos que estabelecem valores menores para as mulheres sob o argumento de que elas contribuem por menos tempo.
O Artigo 5° da Constituição Federal estabelece o princípio de isonomia, ou seja, igualdade de todos, perante a lei, portanto, sem distinção de qualquer natureza, inclusive gênero, como é o caso do processo em questão.
O caso é de uma reclamação de uma trabalhadora da Caixa Econômica Federal questionando uma cláusula prevista no plano REG de previdência privada da Fundação Nacional dos Economiários Federais (Funcef).
O regulamento do plano estabelece valor inferior de benefício de complementação da aposentadoria para mulheres que se aposentaram, antes da Reforma da Previdência (EC 98) , por causa do tempo de contribuição menor.
A advogada especialista em Previdência, Dra. Camila Louise Galdino Cândido, do escritório LBS Advogados, diz que o entendimento do STF foi de que “a Funcef, ao regulamentar o plano de aposentadoria complementar, agiu com discriminação, ao prever benefícios em percentual menor para mulheres, mesmo que com tempo de serviço proporcionalmente equivalente ao dos homens, considerando as projeções e regras matemáticas”.
Mesmo com o relator do processo, ministro Gilmar Mendes, tendo decidido a favor da constitucionalidade da cláusula, a maioria dos ministros apontou para a paridade como direito fundamental, em especial na igualdade entre homens e mulheres.
Gilmar Mendes, em seu voto, entendeu que a cláusula prevista no regulamento “não violaria o princípio da isonomia”, portanto, não seria motivo de intepretação de que as necessidades das mulheres são menores do que as dos homens.
Ao longo do julgamento, que começou em abril deste ano, o ministro Alexandre de Morais havia pedido vistas e o processo estava suspenso.
Porém, na retomada do julgamento, a maioria dos ministros seguiu o entendimento do ministro Luiz Edson Fachin. Ele declarou, em seu voto, que “é inconstitucional, por violação ao princípio da isonomia [art. 5º da Constituição], a cláusula de contrato de previdência complementar que, ao prever regras distintas entre homens e mulheres para cálculo e concessão de complementação de aposentadoria, estabelece valor inferior do benefício para as mulheres, tendo em conta o seu menor tempo de contribuição.”
Ainda de acordo com Fachin, em seu voto, há diversos fatores na sociedade e no mercado de trabalho que “buscam minorar os impactos enfrentados em razão da desigualdade de gênero”.
Alguns desses fatores são os requisitos diferenciados para a aposentadoria de homens e mulheres em razão da desigualdade de gênero, para assegurar aposentadoria igual para todos.
A advogada Camila Cândido explica que o tempo de contribuição diferenciado entre homens e mulheres tem esse objetivo – o de reduzir a desigualdade entre os gêneros. O artigo 202 da Constituição fixou que, em média, um ano de trabalho da mulher equivale a cerca de um ano e dois meses de trabalho do homem (1,18 ano).
Por isso, as mulheres contribuem por menos tempo, para poderem ter o mesmo valor de benefício dos homens, diz.
Jurisprudência
A advogada ainda afirma que a decisão do STF gera um ‘precedente’, que tem que ser respeitado pelos demais planos e demais tribunais.
“Fica um recado claro para os Fundos de Previdência Complementar que por acaso tenham adotado regras semelhantes. Em todo o Brasil já existem inúmeros processos em andamento e certamente as mulheres que não buscaram ainda o seu direito farão isso e com maior garantia”, diz a advogada.
Os dados de 2017 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que havia cerca de 4,2 milhões de contribuintes para previdência privada ou complementar no Brasil. Desse total, cerca de 2,2 milhões eram homens (52,8% do total) e dois milhões eram mulheres (47,2% do total).
O acordão sobre o processo em questão ainda será publicado, ou seja, ainda não houve o trânsito em julgado.
Entenda o processo
A advogada Dra Glaucia Alves Costa, também do escritório LBS Advogados, explica que o caso trata de uma mulher que pediu a alteração do percentual de 70% de seu benefício suplementar, pago pela Funcef, para o mesmo percentual fixado para os homens, que é de 80%.
A Funcef recorreu da decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que invalidou a cláusula contratual.
No regulamento do plano REG, da Funcef, de agosto de 1977, não havia previsão para a aposentadoria proporcional para as mulheres, seguindo a regra do INSS, que também não previa esse benefício em seu regime geral.
A complementação de aposentadoria por tempo de serviço para as mulheres correspondia ao valor que, quando adicionado ao benefício do INSS, fosse o equivalente a 100% do salário de contribuição quando ela completasse 30 anos de serviço.
Mas, para os homens, o INSS já previa a aposentadoria proporcional com benefícios proporcionais nos seguintes percentuais:
Tempo de Serviço |
Percentual |
30 anos |
80% |
31 anos |
83% |
32 anos |
86% |
33 anos |
89% |
34 anos |
92% |
35 anos |
100% |
Com a Constituição Federal de 1988, veio o princípio da isonomia e, por meio da Lei 8.213/91, a regulamentação da aposentadoria proporcional para as mulheres na Previdência Social (INSS) com a seguinte regra:
Tempo de Serviço |
Percentual |
25 anos |
70% |
26 anos |
76% |
27 anos |
82% |
28 anos |
88% |
29 anos |
94% |
30 anos |
100% |
A percentagem para a aposentadoria proporcional para as mulheres era menor que dos homens. A Funcef seguiu as mesmas proporções estabelecidas pelo INSS, cujos percentuais são inferiores aos que o fundo estabeleceu para os homens.