por Marcio Pochmann, para a RBA
A provação pelo governo Temer da PEC 55 que congela em termos reais os gastos federais não financeiros aprisiona os próximos 20 anos à semi-estagnação dos rendimentos do conjunto dos brasileiros. No país da financeirização da riqueza, a referida PEC não limita do crescimento real somente os gastos financeiros que seguem livres para continuar crescendo.
Como o Brasil se encontra há muito tempo entre os países das mais altas taxas de juros do mundo, os rentistas que vivem sem a necessidade do trabalho árduo, mas da fácil apropriação das transferências dos recursos públicos, ganham o passaporte para o futuro. Atualmente, mais de um terço do Produto Interno Bruto (PIB) nacional encontra-se absorvido pela economia da financeirização da riqueza, o que retira dinamismo da economia real para crescer e, portanto, gerar empregos e renda nacional.
O green card ofertado pelo governo Temer aos ricos tem sido elogiado pelos de sempre, pois defendem que a atual situação fiscal deriva da gastança dos governos. No ano de 2015, por exemplo, o déficit nas contas públicas equivaleu a 10% do PIB, embora 90% deste valor tenham sido produzidos pela conta de juros paga pelo governo.
Neste sentido, o desarranjo nas contas governamentais assenta-se na financeirização da riqueza. Ela tem sido sustentada por escandalosos juros definidos pelo Banco Central e que aplicados sobre o estoque da dívida pública implica soma absurda transferida anualmente do orçamento para os já ricos. São os impostos, taxas e contribuições pagas proporcionalmente mais à renda dos pobres que alimentam a conta da transferência orçamentária dos governos aos privilegiados.
Pela PEC 55, os ricos continuarão ficando cada vez mais ricos, apropriando-se, sem trabalho árduo, do dinheiro fácil proveniente do orçamento público favorecido pelos juros estratosféricos. Mas a população que não é rica perde com o congelamento real dos gastos federais não financeiros, pois deixa de ter o que hoje já é difícil em termos de serviços e bens públicos. O amanhã, neste sentido, poderá ser ainda pior.
A educação e saúde, por exemplo, perderão recursos reais quando considerado o total de recursos gastos anualmente por habitante. Isso tenderá a ocorrer em termos reais somente se a população estiver estagnada.
Mas como para cada ano há mais vivos do que mortos entre os brasileiros, os recursos públicos divididos pelo conjunto da população tenderão a ser cada vez menores. O que significa destoar do que a Constituição Federal de 1988 estabelecia, ou seja, a busca pelo bem estar social da população.
Em vez do corte nos gastos federais não financeiros per capita, o governo Temer poderia impulsionar, por exemplo, um conjunto de medidas para retirar a economia brasileira da recessão que se encaminha para o seu terceiro aniversário em 2017. Ademais, o corte na desoneração, subsídios e incentivos fiscais implicariam uma nova injeção de recursos aos cofres públicos, tornando desnecessária a PEC 55.
Tudo isso que representaria o caminho para o crescimento econômico e a retomada do bem estar da sociedade não encontra guarida entro os donos do dinheiro no país. Por isso, o governo que exerce a função simultânea de porta voz e garçom dos interesses dos ricos, dificilmente mexerá uma palha neste sentido.
Poderão ser mais dois anos de sofrimento profundo, sem necessidade alguma, salvo agradar os que já têm muito e não abrem mão de nada. A não ser é claro, que a população organizada tome em suas mãos os destinos do país, passando a escrever história diferente. As eleições diretas em 2017 seriam um bom começo.
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.