Escrito por: Luiz Carvalho, de Brasília - CUT
Na véspera da mobilização programada pela CUT e por movimentos contrários ao golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado convocou uma audiência pública para discutir dois projetos que estão na mesma agenda de prioridades dos parlamentares defensores do impeachment.
Para representantes dos trabalhadores, da sociedade civil e congressistas, que participaram do encontro na manhã desta terça-feira, o impeachment, a flexibilização do conceito de trabalho escravo (PL 432/13) – com a retirada do trabalho degradante e da jornada exaustiva para definir o que é exploração – e a terceirização sem limites (PLC 30/2015) são itens do mesmo pacote que ataca a democracia e os direitos humanos.
Veja aqui o video da Campanha da OIT contra o Trabalho Infantil onde atores brasileiros participam
A audiência teve como um dos convidados o ator e embaixador da OIT (Organização Internacional do Trabalho) na luta contra o trabalho escravo, Wagner Moura, e surtiu efeito imediato: autor do PL 432, o senador Romero Jucá (PMDB-RO) decidiu retirar da pauta o texto que poderia ser votado ainda hoje.
O parlamentar se comprometeu a retomar a discussão na CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) somente no ínício do período legislativo em 2016 e, ainda assim, como cobraram os movimentos, com a realização de uma audiência pública no Senado.
Retrocesso na referência
Também integrante do MHuD (Movimento Humanos Direitos), que conta com outros artistas como Camila Pitanga, Otto e Dira Paes, Wagner Moura ironizou Temer ao falar sobre a pressa em votar ataques aos direitos trabalhistas.
“Há cinco anos eu entregava ao então presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), que quer ser presidente da República, mas não será, um abaixo-assinado para confiscar terras onde a fiscalização encontrasse trabalhadores em situação análoga à escravidão. Curioso estar aqui hoje para impedir que outro projeto contrário a isso seja votado a toque de caixa”, disse.
Ele também comparou o engajamento dos parlamentares pela redução da maioridade penal com a omissão diante do ataque aos direitos trabalhistas. “Um Legislativo que se empenhou tanto para aprovar a redução da maioridade penal não se mobiliza da mesma forma para barrar essa proposta que beneficia os verdadeiros bandidos”, disse.
O ator lembrou que o Código Civil que trata do trabalho análogo à escravidão é o mais moderno do mundo e apontou que, uma das razões do corpo mole está no lucro que o trabalho degradante rende aos exploradores. “O trabalho escravo rende US$ 150 bilhões de dólares no mundo para uma economia informal e nefasta. E, por isso, há forças que trabalham para a manutenção desse modelo”, criticou.
Da mesma forma que Wagner Moura, o conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão Leonardo Sakamoto disse que a ONU (Organização das Nações Unidas) reconhece na legislação brasileira uma referência a ser seguida e apontou porque o empenho das organizações sindicais no combate a esse modelo de exploração deve ser ampliado.
“Quando se escraviza um trabalhador, não se rouba só a liberdade, mas também o transforma em um instrumento descartável que pode ser jogado fora quando não for mais útil.”
Parte de um grande pacote
Ao citar a necessidade de retomar a discussão do PL 432 em outras comissões, o Secretário Especial de Direitos Humanos, Rogério Sottili, apontou que a sociedade precisa se mobilizar para participar de forma mais efetiva das discussões no Congresso, sob pena de danos irreversíveis à democracia.
“O Brasil, que tem um histórico de genocídio indígena e regime de exceção, não para de avançar na promoção do respeito aos direitos humanos. Mas vive o momento mais delicado de sua história, com grandes valores e importantes direitos sendo questionados e vítimas de um profundo retrocesso. Por isso, a sociedade precisa debater essas questões. Porque não existe democracia sem direitos humanos e não existem direitos humanos sem democracia”, falou.
Pouco antes da divulgação da admissibilidade da investigação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) chegar ao plenário e arrancar aplausos de quem acompanhava a audiência, o deputado Jean Willys (PSOL-RJ) tratou do caráter social do trabalho escravo.
Ele lembrou que a desigualdade é o ponto essencial que define a supremacia do explorador sobre o explorado e classificou o projeto no mesmo patamar do PL 5069/15, de Cunha, que criminaliza e dificulta o atendimento à mulher vítima de estupro e que deseja interromper a gravidez, assim como a discussão sobre o Estatuto da Família.
“Trata-se de uma revanche à Constituição de 1988, promulgada para termos um país e um povo melhor”, falou.
Para a secretária de Relações do Trabalho da CUT, Maria das Graças Costa, o Congresso mais conservador desde 1964, liderado por Cunha, tenta arrancar nessa legislatura o que os trabalhadores levaram anos para conquistar.
Entre as armadilhas ela lembrou das propostas de emenda à Constituição que reduziriam a idade mínima para o trabalho de 16 para 14 anos, falou sobre PL 18/2015, em que o negociado sobrepõe o legislado, e da aprovação pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado da elevação de duas para quatro o número de horas extras. A cereja do bolo desse bloco, complementou, seria o impeachment da presidenta Dilma.
“Vamos continuar resistindo e não permitiremos que tirem o que temos de mais sagrado: a democracia.”
Terceirização sem limites
A economista Marilane Teixeira lembrou que todas as ações giram em torno da ampliação do lucro em detrimento de obrigações trabalhistas. No caso da PLC 30, da terceirização sem limites, por exemplo, o objetivo das empresas é apostar na subcontratação para rebaixar salários, direitos e fraudar, inclusive, o enquadramento fiscal.
Ela defendeu a necessidade de voltar à ofensiva nesse debate em que a sociedade compreendeu os prejuízos do projeto, que está ligado a uma estratégia mais ampla.
“Não há dissociação entre nossa luta e o combate ao golpe, porque se a situação está difícil agora, estaria muito pior sob outro governo. Porque sabemos muito bem que a agenda da terceirização é prioritária para o empresariado e, se reverterem o quadro político, a terceirização entrará em pauta num contexto completamente desfavorável”, explicou.
Alguns sinais desse retrocesso já são claros em todos os ambientes onde possa haver algum sinal de defesa dos direitos trabalhistas, conforme definiram o representante da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho), Guilherme Feliciano, e o presidente da Associação Latino-Americana dos Juízes do Trabalho, Hugo Cavalcanti Filho.
Ambos criticaram o relator-geral do Orçamento da União para 2016, deputado Ricardo Barros (PP-PR), que definiu o corte de 50% para despesas correntes e 90% para investimentos.
Feliciano classificou a medida como chantagem porque, segundo ele, os cortes teriam o objetivo de fazer com que os juristas “refletissem sobre a forma como tratam os empresários.”
Uma pressão que também ocorre no Legislativo, onde parlamentares como o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) chegou a propor a extinção da justiça trabalhista por conta de uma suposta inércia.
“Como se não fosse o descumprimento das leis pelos empresários e a sonegação de direitos os responsáveis pelo excesso de demandas. O que se tentou em governos anteriores, via reforma, agora se tanta via parlamento, que é sufocar a Justiça do trabalho”, definiu Cavalcanti Filho.
Mas se a lista de obstáculos não é pequena, a esperança para a luta permanece a cada passo à frente contra o ataque a direitos. Como observou Wagner Moura, neste dia em que a polícia federal colocou Cunha na mira.
“Hoje é um dia bom para estar em Brasília. Estou me sentindo pé-quente.”