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São Paulo – “Ele colocou para cuidar da cultura quem não gosta da cultura, para cuidar de educação quem não gosta de educação, para cuidar da saúde quem não gosta de saúde, do meio ambiente quem não gosta do meio ambiente. É um maluco.” A fala é do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o governo de Jair Bolsonaro. Na noite ontem (3), Lula participou do debate virtual “A Cultura Resiste” – com o ator José de Abreu, a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) e o poeta Sérgio Vaz. E disse ser ainda incompreensível que o povo brasileiro tenha votado em Jair Bolsonaro.
“Temos um problema sério no Brasil. Todo mundo sabia quem era o Bolsonaro. Todo mundo sabia que ele não gostava de educação, de cultura, que ele não entendia de economia, que não gostava de negro, de índio, de mulher, que era homofóbico. Tudo o que não presta, ele era favorável. E as pessoas sabiam. É um país extraordinário”, disse Lula.
O ex-presidente afirmou, em tom de brincadeira, que, como Bolsonaro tem um ministro astronauta (Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), pediria ao chefe da pasta, ministro Marcos Pontes, para dar um recado ao “guru intelectual” do presidente da República, o “filósofo” Olavo de Carvalho, para avisá-lo de que a terra é redonda.
“Ninguém que fala mal do Bolsonaro quer tirar o (Paulo) Guedes. Pode tirar o Bolsonaro, mas tem que colocar alguém que está fazendo o que estão fazendo na economia”, disse.
O pensamento do sistema financeiro, caso o atual governo não se sustente, “é colocar alguém que pense de forma inteligente como fazer o mercado ganhar dinheiro e o pobre ficar mais pobre”, disse Lula.
Os debatedores discutiram os rumos da cultura na atual conjuntura. “Eu pensei que a Regina (Duarte) gostasse da cultura. Por que essa gente odeia tanto a cultura?”, questionou. “Será que é porque a cultura contribui com a formação política das pessoas, (para) melhorar a consciência das pessoas?”, questionou, dirigindo-se a Sergio Vaz.
Fundador da Cooperativa Cultural da Periferia (Cooperifa), em 2000, o poeta respondeu que o motivo é que “a cultura traz cidadania”. “O Estado não nos reconhece, somos tratados como imigrantes ilegais.
Fazendo o papel de entrevistador, Lula quis saber o que os debatedores diriam sobre o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, que classificou o movimento negro como “escória maldita”, de acordo com áudio de abril e revelado nesta terça-feira (2).
Deputados pediram ao Ministério Público Federal (MPF) a abertura de um inquérito para investigar a declaração. Talíria Petrone (Psol-RJ), Áurea Carolina (PSOL-MG), Bira do Pindaré (PSB-MA), Damião Feliciano (PDT-PB), David Miranda (PSOL-RJ) e Orlando Silva (PCdoB-SP), além da própria Benedita, assinam o documento. O Coletivo de Culturas Populares, do Distrito Federal, pediu a exoneração de Camargo.
Para Benedita, anunciada como pré-candidata do PT à prefeitura do Rio, o presidente da Fundação Palmares “é um capitão do mato, o negro que obedecia a Casa Grande para açoitar negro”. Dizendo-se “indignado com esse ser humano”, Abreu ironizou: “Propus que ele fosse tatuado com uma suástica no rosto e ele quer me processar”. Segundo ele, Camargo representa a política de “terra arrasada” do governo Bolsonaro. “Só assim o fascismo prospera.”
Um dos temas do debate foi o projeto de lei que destina R$ 3 bilhões ao setor cultural durante pandemia da covid-19, o PL 1.075/2020, a “Lei Aldir Blanc”, da deputada Benedita e outros, aprovado pela Câmara dos Deputados dia 26 de maio, com substitutivo da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). “A preocupação é que a verba da cultura fosse permanente”, disse Benedita. “Esperamos que o Senado vote e o presidente sancione”, acrescentou.
Eles citaram a situação do cantor e compositor Nelson Sargento e do compositor Aldir Blanc, importantes personagens da cultura brasileira que simbolizam a situação dos artistas brasileiros.
Símbolo da Mangueira, Sargento chegou a colocar à venda seu acervo de ternos e discos de vinil para conseguir se sustentar em meio à pandemia. “Aldir Blanc também estava tendo uma vida difícil”, lembrou Abreu. O compositor morreu de covid-19 no dia 4 de maio. Ele não tinha plano de saúde e passava por dificuldades.
O ator da Rede Globo falou da dificuldade da cultura no país, após a pandemia. “Teatro e shows vão ser os últimos a reabrir (as atividades). Fazer teatro com dois metros entre uma cadeira e outra… A arte do show e do teatro é coletiva, precisa de ajuntamento das pessoas, e não vai ter. Esperamos que os senadores aprovem a ‘Lei Aldir Blanc’ como está, para não ter que voltar à Câmara. Vamos esperar que (Bolsonaro) não vete e pague depois de sancionar”, disse.