CUT Nacional
Érica Aragão
A empreendedora Débora Mara Comar, que perdeu 70% da renda e a radialista Alexandra Antonini, que ficou desempregada, são apenas duas das milhões de brasileiras que tiveram de cortar itens da alimentação da família para se adaptar à queda brutal de rendimentos durante a pandemia do novo coronavírus.
O impacto negativo na alimentação das famílias brasileiras foi confirmado por uma pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O estudo aponta que um em cada cinco brasileiros relata não ter conseguido comprar alimentos durante a quarentena.
A queda na renda é explicada pelo agravamento da crise econômica e pelo isolamento social, iniciado em março, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o mundo vivia uma pandemia e recomendou o confinamento como a única maneira de evitar a contaminação.
Até julho, segundo a PNAD Covid-19 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 17,7 milhões de pessoas ocupadas trabalharam menos do que o habitual, os mais prejudicados foram os trabalhadores sem vínculo formal de trabalho como Débora, que tem uma empresa familiar de lavagem de sofá a domicílio.
Com menos recursos, ela, seu marido e sua filha de 13 anos, além de precisarem negociar mês a mês o preço do aluguel, tiveram que mudar os hábitos alimentares. Hoje, eles só tomam leite aos sábados, para não ficar 100% sem os nutrientes do alimento.
“Caiu muito a procura pelo meu trabalho e durante o pico da pandemia vários condomínios, onde estão 80% do nosso público, proibiram a nossa entrada com medo da contaminação. Com a renda menor e os preços dos alimentos ficando cada vez mais caro eu tive que começar a consumir mais sopa, frango, legumes e processados no lugar da carne. Até a linguiça que estou comprando está sendo contada. Leite então, só as fins de semana. Nos outros dias estamos tomando chá”, contou Débora.
Já a radialista Alexandra Antonini, que ficou desempregada, outra consequência da crise sanitária, trocou a carne por ovo. Segundo ela, outras coisas também foram banidas da sua lista de compras porque ela, o marido e a filha de 10 anos estão sobrevivendo com uma única fonte de renda, que também ficou menor na pandemia. Seu companheiro teve uma redução salarial de 30%, ou consequência do agravamento da crise econômica provocado pela emergência sanitária, que empobreceu pelo menos 7,2 milhões de trabalhadores.
A pesquisa da Unicef mostra que Norte e Nordeste são as regiões mais afetadas pelo impacto financeiro da pandemia na alimentação. E que a dieta do brasileiro também piorou. De acordo com a pesquisa, 23% das famílias passaram a comer mais alimentos industrializados e enlatados.
A trabalhadora doméstica em Sergipe, Maria Dominga Araújo Santos, disse que só está conseguindo sobreviver porque está tendo ajuda da Casa das Domésticas, que sempre a ajudou a arrumar emprego e agora ajuda doando cestas básicas.
Ela conta que antes da pandemia estava trabalhando fixo numa casa de família, mas foi dispensada no começo do isolamento. Maria disse que o serviço doméstico ainda está em baixa, apesar da flexibilização da quarentena em todo o Brasil, e que está se mantendo com o auxílio emergencial de R$ 600, mas não dá para se alimentar direito.
“Com este dinheiro eu só estou conseguindo pagar energia, água, o aluguel e meus colírios específicos para meu glaucoma e que são muito caros. As cestas que recebo têm os alimentos básicos, mas não tem carne. Ai a gente se vira com ovos, salsicha e frango, quando dá para comprar com o que sobra do auxílio”, explicou Maria.
Contas fixas altas e o valor menor do Auxílio Emergencial
Muitas famílias estão sobrevivendo com o auxílio emergencial de R$ 600 aprovado pelo Congresso Nacional , mas mesmo assim não estão conseguindo se alimentar direito, como é o caso da trabalhadora doméstica em Sergipe.
Além disso, muitos serviços que deveriam ter um controle melhor de preços, como água e Luz, consomem o valor do auxílio e diminuem consideravelmente os recursos para os alimentos, afirma a economista e supervisora de Produção Técnica do Dieese, Patrícia Lino Costa.
“Os governos poderiam ajudar a controlar mais os preços destas contas fixas para ajudar as famílias a comerem melhor, mas não é isso que fazem. Pelo contrário. A conta da crise sempre vai para o bolso do trabalhador”, ressaltou.
Patrícia destacou que o governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) nunca quis dar os R$ 600 de auxílio emergencial e que a proposta inicial do govenro era de R$ 200. E este valor que a oposição conseguiu conquistar com muita luta está ameaçado.
“Com R$ 200 tudo ia ser muito pior e se baixar para R$ 300 como querem Bolsonaro e Guedes a pobreza e a miséria vão aumentar de um jeito assustador”, disse Patrícia.
Inflação nos alimentos ajudou a piorar situação da pandemia
O custo com a alimentação subiu três vezes mais que a inflação no período de um ano, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A economista afirmou que, além do impacto na renda, com desemprego e contratos de trabalho alterados durante a pandemia, as famílias também sentiram na pele o aumento dos preços de vários alimentos.
“Os preços das carnes bovinas que já vinham aumentando muito, pioraram muito na pandemia. A população não está conseguindo mais ter acesso a carne de primeira e muitas vezes nem a de segunda e acabam substituindo por outra coisa mais barata. E ai se alimentam mal, num momento que era para estarem cuidando mais da saúde”, destaca.
Segundo Patrícia, o feijão subiu 16%, o arroz 6% e café 12%. A farinha de trigo também aumentou em 22%.
E com isso, tem um monte de coisas que Alexandra não compra mais.
“O queijo subiu de R$ 20 o quilo para R$ 47, a carne moída de 2ª não tem por menos de 29,90. Até o ovo que era 30 por 10 reais está 17,90 e o gás, que durava meses e agora está durando 1, custa em média R$ 90. Está complicado, porque além de não estar trabalhando tudo aumentou muito”, afirmou a radialista.