Por Helder Lima, da RBA
São Paulo – A ocupação da Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde completa 38 dias nesta sexta-feira (22), sem que a mobilização de militantes da luta antimanicomial, usuários e funcionários do sistema público de saúde dê sinais de enfraquecimento.
Os ocupantes querem a exoneração do psiquiatra Valencius Wurch Duarte Filho do cargo de coordenação da área. Ele foi indicado pelo ministro da Saúde, Marcelo Castro, em dezembro, mas traz em seu currículo a direção da Casa de Saúde Dr. Eiras de Paracambi, na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, onde se legitimava a prática de tortura, eletroconvulsoterapia, isolamento e contenção medicamentosa, que deixa a pessoa sem consciência.
Todas essas práticas são condenadas pela reforma antimanicomial no país, regulamentada a partir de 2001. A instituição dirigida por Valencius foi fechada por ordem judicial em 2012, e entrou para a história como mais um hospital psiquiátrico onde os direitos humanos eram reiteradamente desconsiderados.
“A ocupação continua firme, com apoio de pessoas do Brasil inteiro, com entidades auxiliando financeiramente, dando suporte”, afirma a psicóloga e diretora do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal, Ingrid Quintão. “Nós esperamos que a mobilização não diminua até que o ministro faça a mudança de nome”, diz.
Ao longo desses 38 dias, foram mais de 300 pessoas que passaram pela ocupação. “Eu posso te dizer que são mais de 50 pessoas (que se mantém lá) e no dia 14 nós inclusive ocupamos mais de uma sala, por conta do número de pessoas; a ideia é conseguir alcançar o objetivo”, diz Ingrid. “É bom dizer que a ocupação tem uma característica reivindicatória e tem acontecido da melhor forma possível, de forma respeitosa, mas que o nome ocupação (Fora Valencius – contra o retorno da lógica manicomial) já diz, é um lugar do povo. É um lugar em que o povo se manifesta, dizendo que não quer que essa pessoa ocupe a cadeira, e que o nome dele carrega uma história que o Brasil não precisa retomar”.
No último dia 14, os articuladores da ocupação foram recebidos pela assessoria da Presidência da República. A reunião foi realizada enquanto um ato em Brasília reunia cerca de mil pessoas de todo o país, ativistas em prol da reforma antimanicomial, que abandona o modelo da internação e isolamento, para que o doente mental possas viver em casas terapêuticas e de forma integrada à sociedade. “Entregamos uma carta com todo esse histórico e chamando a presidenta Dilma Rousseff a tomar posição em relação a isso, porque nem em outros governos de direita tivemos uma indicação para essa cadeira de um perfil tão contraditório”, afirma Ingrid.
Segundo a diretora do conselho, a assessoria da Presidência ficou de dar um retorno e fazer outra agenda. “Nós estamos fazendo pressão para conseguir uma agenda nos próximos dias e temos uma sinalização de que o titular da Casa Civil, o ministro Jaques Wagner, vai nos receber na próxima semana, apesar de a data ainda não estar marcada. O que tem acontecido é que normalmente a audiência é marcada de um dia para o outro. Todas essas agendas conquistadas foram a toque de caixa”, afirma.
O ministro da Saúde, Marcelo Castro, recebeu os representantes da ocupação por três vezes, a primeira delas no dia anterior à ocupação. Mas ele sempre se manteve irredutível em relação ao nome de Valencius. “Ele pede um voto de confiança dos movimentos sociais para que o Valencius mostre que também pensa e reflete a respeito da reforma psiquiátrica. Mas ele (Valencius) não conseguiu até hoje nem sequer fazer um documento, inclusive desconhece todas as portarias em relação à reforma psiquiátrica, e em relação aos serviços substitutivos. O argumento do ministro é que é uma indicação pessoal, que foi aluno dele, e que ele tem confiança nessa pessoa. E nas reuniões nós dissemos para o ministro que se é uma indicação pessoal fica ainda mais fácil ele exonerar, o Valencius vai entender”, diz.
Para Ingrid, os argumentos de Castro são “muito rasos, e não apresentam o que a gente precisa, que é um posicionamento firme de que a reforma vai continuar e que os leitos nos manicômios que ainda, infelizmente, existem no Brasil continuarão a ser reduzidos”.
Indagada quanto aos retrocessos concretos que Valencius pode operar na coordenação de saúde mental, Ingrid diz que “existem outros interesses, e não poderia ser diferente, com as indústrias farmacêuticas, os laboratórios, e nós não podemos acreditar que essa linha vai ajudar o país”. Ela também destaca que o coordenador propõe uma revogação das portarias da reforma, “conquistadas a duras penas”. Como exemplo, Ingrid lembra a portaria da rede substitutiva aos manicômios, de 2011. “Ele tem todo o poder de não potencializar os serviços, de facilitar a abertura de manicômios particulares, pois é o mentor, quem pensa a política de saúde mental no país”.