CUT Nacional
Érica Aragão
A feminista e filósofa francesa do século XX, Simone Beauvoir dizia: “Basta uma crise para que os direitos das mulheres sejam questionados”. E as crises políticas, econômicas, sanitárias ou até religiosas mostram que ela tinha razão.
Apesar de serem maioria na sociedade, as mulheres trabalhadoras são as mais impactadas negativamente nesta crise sanitária provocada pela pandemia do novo coronavírus. Muitas foram demitidas, tiveram seus salários reduzidos ou precisaram pedir demissão para cuidar dos filhos ou de parentes com comorbidades desde o início da pandemia, em março. É que elas estudam mais, porém são as cuidadoras das famílias nessas horas.
Pesquisa feita pela Famivita, empresa que desenvolve produtos relacionados à fertilidade, mostra que as mais prejudicadas são as mulheres que têm filhos pequenos.
Segundo o estudo, 35% das brasileiras perderam empregos durante a pandemia, incluindo as trabalhadoras informais. Entre as mães com filhos pequenos, o percentual sobe para 39% - outros 52% perderam renda.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, sete milhões de mulheres abandonaram o mercado de trabalho na última quinzena de março, quando começou a quarentena. São dois milhões a mais do que o número de homens na mesma situação. Enquanto as mulheres estão numa taxa de desemprego de 14% os homens estão em 12%.
A advogada trabalhista, Michele Morais, autônoma e mãe do Pedro de 3 anos e 6 meses, que aderiu ao isolamento social no dia 17 de março e com as escolas fechadas já não tinha com quem deixar o filho, é um exemplo de mãe que perdeu o emprego por causa da emergência sanitária e suas consequências para as mulheres.
O escritório em que trabalhava era bem alinhado com a do governo do Estado e foi mudando a data da volta ao trabalho presencial periodicamente, o que começou a provocar uma agonia porque ela não encontrava uma saída em relação aos cuidados do Pedro. Michele foi dispensada por mensagem de WhatsApp no dia 30 de abril.
“Eu conheço os donos do escritório há muitos anos e mesmo assim eles não tiveram a coragem de me ligar, numa chamada de vídeo, pelo menos, para informar a minha dispensa. O que recebi deles foi uma mensagem no WhatsApp avisando sobre o meu desligamento. Não sei se teve a ver com a questão de eu ser mãe, mas minha grande preocupação foi essa, porque eu recebia as mensagens do escritório sobre as possíveis datas de retorno e nenhuma da escola e eu ficava ansiosa”, contou Michele.
Outro problema que ela está enfrentando é a recolocação e com quem deixar o filho. “Eu não sei o que seria se eu conseguisse um emprego porque eu não tenho com quem deixar o Pedro. As escolas estão fechadas, meu marido trabalhando e ainda tem a questão da pandemia”.
“Antes de começar a trabalhar nesse escritório eu fui fazer uma entrevista em uma empresa que estava fazendo a seleção e a mulher perguntou se eu queria ter outros filhos e se eu tinha quem fosse buscar ele na escola caso ele ficasse doente. Eu sai de lá liguei para meu marido e falei que lá era um lugar que não servia pra mim. Duvido que estas perguntas seriam feitas se o candidato fosse homem”, questionou Michele.
Crise prejudica mais mulheres
A socióloga da subseção do Dieese da CUT Nacional, Adriana Marcolino, diz que a crise no mercado de trabalho já vinha afetando mais as mulheres e piorou com a pandemia. O problema da recolocação profissional, como o que a advogada Michele enfrenta, fica ainda mais difícil porque as mulheres é que executam o trabalho de cuidados e estão sobrecarregadas. Muitas vezes são obrigadas a largar os postos de trabalho para poder cuidar das crianças, noutras são demitidas por esta mesma razão.
“As mulheres já estavam enfrentando esta crise no mercado de trabalho antes mesmo da pandemia e neste novo momento, com isolamento social e o fechamento das escolas, o cenário se aprofunda. Isso porque a questão dos cuidados são ainda mais necessários e são elas, ainda, as responsáveis, em grande maioria, por esta função”, explica
A informalidade e o trabalho precário são outros fatores que prejudicam a mulher no mercado de trabalho, segundo a economista, doutora em desenvolvimento econômico, pesquisadora e assessora sindical na área de trabalho e gênero, Marilane Teixeira.
De acordo com a professora, os setores de comércio e o de serviço tiveram que interromper imediatamente o trabalho na pandemia. Esses setores, diz, absorve a maioria da mão de obra ffeminina.
Marilane também destaca a questão das trabalhadoras domésticas que concentra 7 milhões de mulheres que foram imediatamente impactadas, especialmente as informais, dispensadas pelas patroas sem qualquer renda.
“O empregador simplesmente dispensou as mulheres que são autônomas ou sem registro em carteira porque não teve que pagar verbas rescisórias e elas não têm nem direito ao seguro desemprego. Elas se viram de um dia para o outro sem trabalho e sem renda e quando é mãe isso se agrava ainda mais”, destacou Marilane.
Geradoras de riquezas e penalizadas pelo Estado
Para a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista, as mulheres perdem os empregos porque os patrões e o capital acham que elas são prejuízos, sendo que na verdade elas são as grandes responsáveis pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de todos países do mundo. Segundo ela, as mulheres conseguem fazer o trabalho produtivo como também conseguem fazer o trabalho reprodutivo e ainda são penalizadas pelo Estado.
“O trabalho de reprodução humana e de manutenção da vida é responsável por 10% do PIB, ou seja, o que seria de responsabilidade do Estado é na verdade realizado pelas mulheres de forma gratuita gerando riqueza social. Ao fazer isso, as mulheres são penalizadas pelo capital e pela sociedade, a medida em que são as primeiras a perder o emprego e estão nos trabalhos mais mal remunerados e precários “, afirma Juneia.
“As mulheres deveriam ter o Estado como seu aliado na manutenção da vida e não como o seu algoz”, ressalta.
Faltam políticas públicas
O FMI ainda em maio destacou a importância das autoridades adotarem medidas para limitar os efeitos adversos da pandemia para as mulheres. A entidade elogiou a Coalizão Latino-americana para Empoderar as Mulheres, criada em abril a pedido da vice-presidência da Colômbia e Costa Rica e da Cepal.
Também celebrou as medidas adotadas na Áustria, Itália, Portugal e Eslovênia para conceder licença remunerada, embora parcial, aos pais com filhos menores de uma certa idade e também destacou uma iniciativa da França de dar permissão aos pais afetados pelo fechamento das escolas.
Para Adriana Marcolino, que também é mãe de duas crianças pequenas, faltam políticas públicas no Brasil para proteger este segmento da população, mas isso não se vê e é ai que elas são as mais prejudicadas. Ela conta ainda que a única política inserida, o auxilio emergencial, foi mal executada e não chegou para muitas mulheres que precisam muito de renda para poder sobreviver.
“O auxilio emergencial para as mães solteiras, por exemplo, a gente tem escutado e lido nos jornais diversos relatos que elas perderam empregos e renda e não conseguiram acessar o único benefício que apoia a mulher. O país precisa urgentemente de políticas especificas para mulheres e que realmente funcione”, ressalta.
*Matéria editada por Marize Muniz