por Sarah Fernandes, da RBA
São Paulo – A média de idade não ultrapassa os 20 anos, mas a consciência política parece de quem já viveu muito. A cara do movimento secundarista, que desde terça-feira (3) ocupa a Assembleia Legislativa de São Paulo, é também a cara da diversidade: são meninos e meninas vindos das escolas públicas, com amplo interesse por história e arte e muito conectados às redes sociais. Sentados nos bancos do plenário, entre cobertores, livros e bandeiras, estão jovens negros, transexuais e moradores das periferias de São Paulo prometendo resistir até conseguirem 32 assinaturas de deputados para aprovar a criação de uma CPI que investigue desvios na merenda. Eles já contam com 25, e sinalização de outras três.
"A militância não se faz com medo, mas com noção de consequência. É preciso olhar para o amanhã e dizer 'vou até o final'. Os jovens podem ter pouca voz, mas se nos unirmos conseguiremos alcançar nosso objetivo", disse Edson, de 18 anos, que há apenas cinco meses atua no movimento estudantil. Desde então, reviu a opção por carreira na área de exatas na para tentar o vestibular de História em uma universidade pública. "Um amigo me escreveu: 'Vamos fazer uma coisa revolucionária. Se quiser participar, me chama inbox.' Eu juntei moedas, sai atrasado e perdi o ônibus, mas com muito esforço cheguei aqui e estamos fazendo essa coisa maravilhosa."
O clima na ocupação é alegre e muito organizado. Com ironia refinada, os jovens tomam o microfone e simulam debates polêmicos, questionando a situação política vivida atualmente no Brasil e em São Paulo. Às 16h45 desta quinta-feira (5), os estudantes receberam um ofício da Justiça paulista informando que eles têm 24 horas para desocupar o local de forma voluntária, sob pena de multa de R$ 30 mil por dia por ocupante. Caso não cumpram, haverá audiência de conciliação. Se não houver acordo, será expedido um mandado de reintegração de posse.
A defesa dos secundaristas tentará reverter a decisão sobre a multa. "A gente entende que nossa luta é de resistência. Viemos aqui para conseguir as assinaturas necessárias para a abertura da CPI. Estamos com muito apoio da sociedade. Não vamos desistir", afirmou o presidente da União Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes), Emerson Santos, que assumiu a presidência da entidade há apenas seis dias.
A estratégia tem sido ligar para os parlamentares e convidá-los a conhecer a ocupação e a pauta dos estudantes. No começo da noite, o deputado Feliciano Filho (PSC) esteve no local e conversou longamente com os estudantes. Ele se comprometeu a levar a reivindicação dos jovens para ser votada em seu partido, com a possibilidade de somar pelo menos mais três votos a favor da comissão. Entre os parlamentares que já se comprometeram com a criação da CPI estão todos das bancadas do PT, Psol, PCdoB e PDT, além de membros do PPS e do PV.
"O momento político atual não é fácil. Existe um discurso de combate à corrupção mas quando você fala em ações práticas para resolver o problema, como a CPI, e vê que os deputados se negam a assinar, você pergunta: cadê a coerência?", questionou Bianca, de 22 anos, seis deles dedicados também a militância social, motivada pelas aulas de formação humana e social que recebia em uma organização não-governamental da qual fazia parte. "Pensar em ocupar a Assembleia Legislativa parecia impossível, mas nada é impossível para quem quer mudar a sociedade. Foi isso que me apaixonou no movimento social: não existem barreiras. Lutando, você pode conseguir o que quiser."
No ano passado os secundaristas de São Paulo também conseguiram o que parecia impossível: impuseram um derrota histórica ao governador Geraldo Alckmin (PSDB), que após a ocupação de 213 de escolas foi obrigado a voltar atrás no seu projeto de reorganização escolar, uma medida que iria fechar pelo menos 94 escolas e transferir compulsoriamente 311 mil estudantes da rede.
"Nós vamos estar nos livros de história no futuro. É a primeira vez que a Assembleia foi ocupada", vibra a estudante de Direito Maria Beatriz, que veio de Sorocaba apoiar a ocupação. "Podíamos estar em casa com a família, mas estamos aqui, dormindo no chão e tomando esporro de policial porque acreditamos em um bem maior. Quando você vê a luta sendo travada não há como ficar de fora."
Pelo menos 40 secundaristas estão isolados no plenário da Casa, que teve a energia elétrica das tomadas cortada.Outros estudantes estão acampados do lado externo para apoiar a ocupação. Uma barreira de tapumes e muitos policiais impedem a entrada de quem tenta se aproximar. Quem sai não volta. e nem a imprensa pode permanecer no local.
A RBA teve acesso à ocupação por convite dos próprios estudantes, que avaliam que o veículo é correto na cobertura das lutas sociais. Apesar disso, durante a entrada, um policial militar expulsou a repórter aos gritos, com bastante truculência. A entrada só foi autorizada quando os estudantes ameaçaram retirar do local uma repórter da Rede Globo se a RBA não pudesse entrar. O pedido, então, foi atendido pela assessoria do presidente da casa, Fernando Capez (PSDB), citado como um dos principais envolvidos no escândalo da merenda.
"Ocupei a Assembleia de uniforme, porque vim direto da escola e quando as fotos começaram a circular na imprensa pensei: 'pronto! Todo mundo da escola vai cair em cima de mim', porque nem todo mundo apoia os movimentos sociais. Mas não. Comecei a receber muitas mensagens de apoio", conta a estudante Nicole, do segundo ano do ensino médio de uma escola estadual no centro de São Paulo. "Sempre me interessei muito por política. No futuro penso em me candidatar a algum cargo. Também tenho o sonho de ser professora de História. Sei que o que estou construindo aqui é uma bagagem que vou levar para os meus alunos."
Na ocupação há representantes de pelo menos cinco movimentos estudantis, entre eles a Upes, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), a União Estadual dos Estudantes (UEE), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e o Diretório Central dos Estudantes da Fatec. Apesar de alguns dos manifestantes já estarem no ensino superior, a maioria é de secundaristas, de escolas públicas.
"A galera da escola pública é mais engajada porque precisa mais. Nem todos os alunos gostam de política, mas quando veem que não tem merenda na escola se engajam", avalia Bianca. Edson concordou. Para ele, nem sempre os conhecimentos específicos que as escolas particulares ensinam tão bem significam conhecimento de vida. "Eu venho de uma família de classe média, mas quando cheguei no movimento social encontrei uma coisa incrível chamada diversidade. Olhei para o lado e havia brancos, negros, pobres e ricos, todos de mãos dadas, como estamos aqui."
Escândalo da merenda
De acordo com o MP, a Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf) – que mantinha contratos com diversas prefeituras e com o governo estadual – liderava um esquema de pagamento de propina. A empresa também é investigada por fraudar a "chamada pública" que pressupõe a aquisição de produtos de pequenos produtores agrícolas. A cooperativa, por sua vez, adquiria mercadorias também de grandes produtores e na central de abastecimento do estado, segundo o Ministério Público.
O esquema de fraude nas licitações da merenda no governo Geraldo Alckmin (PSDB) pode ter desviado pelo menos R$ 7 milhões em contratos com o poder público e R$ 2 milhões em comissões em propinas, que eram entregues a lobistas e servidores públicos quase sempre em dinheiro, de acordo com levantamento prévio do Ministério Público, divulgado em 31 de março.