Por Hylda Cavalcanti, da RBA
Brasília – Em mais um ato insólito envolvendo manifestantes e parlamentares no Congresso, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi surpreendido por notas falsas de dólares atiradas contra ele no salão verde da Casa. Cunha estava se preparando para dar uma entrevista quando um manifestante, identificado depois pela polícia legislativa como Thiago Ferreira, militante do movimento Levante Popular da Juventude (LPJ), derramou os dólares sobre a cabeça do parlamentar gritando “receba sua encomenda da Suíça”. Ele e Carla Bueno, também do Levante, foram detidos.
O presidente da Casa não se manifestou a respeito e disse que não iria se constranger por conta do episódio, que tinha certeza ter sido "encomendado" por parlamentares que se opõem a ele.
Depois de atirar os dólares falsos, o manifestante foi detido pela polícia legislativa. "Se os deputados não têm coragem de enfrentar o Cunha, nós temos! Fora Cunha!", gritavam os participantes do protesto, que se repetiu em dez outras cidades, segundo o movimento. "Em Brasília, devolvemos simbolicamente os US$ 5 milhões de dólares que, segundo o Ministério Público da Suíça, o deputado Eduardo Cunha guardava em contas secretas neste país", diz o coletivo em sua rede social.
"É inadmissível a sua permanência na Câmara seja na condição de presidente, seja na condição de deputado, mesmo após virem a público provas materiais da existência de patrimônio incompatível com seus rendimentos, de ter quebrado o decoro parlamentar e de estar sendo investigado pelo Ministério Público Federal."
Segundo os ativistas, Cunha é hoje a "personificação do conservadorismo e do fundamentalismo existente na sociedade brasileira" e representa "clara ameaça às conquistas democráticas". O movimento programa outra manifestação para o próximo dia 13.
No final da tarde, o presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, deputado José Carlos Araújo (PSD-BA), adiou a definição do nome do relator do processo contra Eduardo Cunha para amanhã (5). E frustrou boa parte dos colegas, que já se posicionam no plenário para fazer reclamações sobre o atraso. Araújo, que nos últimos dias vinha destacando que fará um esforço para evitar a postergação dos trabalhos, apresentou como desculpa o fato de não ter conseguido conversar a tempo com todas as pessoas de que precisava, mas não conseguiu convencer a Casa.
O deputado disse que a nomeação de um dos três sorteados para a relatoria é o processo mais difícil que já pegou na vida, pelo fato de o investigado ser o presidente da Câmara. Será o relator ou Fausto Pinato (PRB-SP), ou Vinícius Gurgel (PR-AP), ou Zé Geraldo (PT-PA) – os dois primeiros novatos na Câmara.
Nos corredores da Câmara, ao longo do dia, vinha sendo dada como certa a escolha de Fausto Pinato dentre o trio. Pinato é ligado ao deputado Celso Russomano (PRB-SP) e votou em Cunha para a presidência da Casa, mas já conta com a simpatia dos parlamentares que apresentaram a representação. O entendimento desse grupo sobre ele é de que, em função da candidatura de Russomanno à prefeitura de São Paulo, é pouco provável que o deputado queira desgastar a legenda à qual pertence com uma postura que venha a proteger Cunha.
Vinícius Gurgel, que também votou em Cunha em fevereiro, é o segundo nome levado em conta, mas é considerado inexperiente para receber a missão. Ele e Pinato já teriam sido procurados por pessoas ligadas a Cunha para conversar sobre a forma como serão conduzidos os trabalhos.
Zé Geraldo seria surpresa. Por ser do PT, muitos integrantes do Conselho de Ética avaliam que sua indicação teria efeito de provocação e até poderá vir a ser contestada posteriormente pelo próprio Cunha.
O presidente do Conselho disse que não há, para ele, favoritos. Ressaltou que o atraso se dá porque quer conversar com várias pessoas ligadas a estes deputados, inclusive ex-assessores e técnicos com quem trabalharam anteriormente. Araújo, ao ser questionado, acentuou que não esteve com Eduardo Cunha nos últimos dias e sua decisão de adiar o anúncio do relator não passou por qualquer crivo do presidente da Câmara. Mas o adiamento já estica as estimativas de prazos para o andamento do processo de investigação no órgão.
No começo da tarde, a deputada Clarissa Garotinho (PR-RJ) fez apelo aos parlamentares e disse ser preciso agir para evitar que o Conselho de Ética se transforme em “conselho da vergonha”. O vice-líder do governo, Silvio Costa (PSC-PE), chamou o adiamento de “gravíssimo”.