Jornal GGN - Um manifesto assinado por intelectuais e divulgado em encontro organizado pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP classifica o impedimento de Dilma Rousseff como "extraordinário retrocesso" que traria "sérios riscos à constitucionalidade democrática".
"A democracia tem funcionado de maneira plena: prevalece a total liberdade de expressão e de reunião, sem nenhuma censura, todas as instituições de controle do governo e do Estado atuam sem qualquer ingerência do Executivo. É isso que está em jogo na aventura do impeachment. Caso vitoriosa, abriria um período de vale tudo, em que já não estaria assegurado o fundamento do jogo democrático: respeito às regras de alternância no poder por meio de eleições livres e diretas."
O documento é assinado por Antonio Candido, Alfredo Bosi, Evaristo de Moraes Filho e Marco Luchesi, membros da Academia Brasileira de Letras; André Singer, o físico Rogério Cézar de Cerqueira Leite, Ecléa Bosi, Maria Herminia Tavares de Almeida, Silvia Caiuby, Emilia Viotti da Costa, historiadora de Yale; Fabio Konder Comparato, Guilherme de Almeida, presidente Associação Nacional de Pós Graduação em Direitos Humanos; Maria Arminda do Nascimento Arruda, Silvia Dalmo Dallari, Sueli Dallari, Fernando Morais, Marcio Pochman, Emir Sader , Walnice Galvão, José Luiz del Roio, membro do Forum XXI e ex-senador da Italia,,Luiz Felipe de Alencastro; Margarida Genevois e Marco Antônio Rodrigues Barbosa, ex-presidentes da Comissão Justiça e Paz de São Paulo; os cientistas políticos Cláudio Couto e Fernando Abrucio, Regina Morel; o biofísico Carlos Morel, Luiz Curi, Isabel Lustosa, José Sérgio Leite Lopes,Maria Victoria Benevides, da Faculdade de Educação da USP; Pedro Dallari, Marilena Chauí, Roberto Amaral (PSB) e P.S. Pinheiro.
Confira a íntegra abaixo:
A sociedade brasileira precisa reinventar a esperança
A proposta de impeachment implica sérios riscos à constitucionalidade democrática consolidada nos últimos 30 anos no Brasil. Representaria uma violação do princípio do Estado de Direito e da democracia representativa, declarado logo no art.1o. da Constituição Federal.
Na verdade, procura-se um pretexto para interromper o mandato da Presidente da República, sem qualquer base jurídica para tanto. O instrumento do impeachment não pode ser usado para se estabelecer um “pseudoparlamentarismo”. Goste-se ou não, o regime vigente, aprovado pela maioria do povo brasileiro, é o presidencialista. São as regras do presidencialismo que precisam vigorar por completo.
Impeachment foi feito para punir governantes que efetivamente cometeram crimes. A presidente Dilma Rousseff não cometeu qualquer crime. Impeachment é instrumento grave para proteger a democracia, não pode ser usado para ameaçá-la.
A democracia tem funcionado de maneira plena: prevalece a total liberdade de expressão e de reunião, sem nenhuma censura, todas as instituições de controle do governo e do Estado atuam sem qualquer ingerência do Executivo.
É isso que está em jogo na aventura do impeachment. Caso vitoriosa, abriria um período de vale tudo, em que já não estaria assegurado o fundamento do jogo democrático: respeito às regras de alternância no poder por meio de eleições livres e diretas.
Seria extraordinário retrocesso dentro do processo de consolidação da democracia representativa, que é certamente a principal conquista política que a sociedade brasileira construiu nos últimos trinta anos.
Os parlamentares brasileiros devem abandonar essa pretensão de remover a presidente sem que exista nenhuma prova direta, frontal de crime. O que vemos hoje é uma busca sôfrega de um fato ou de uma interpretação jurídica para justificar o impeachment. Esta busca incessante significa que não há nada claro. Como não se encontram fatos, busca-se agora interpretações jurídicas bizarras, nunca antes feitas neste país. Ora, não se faz impeachment com interpretações jurídicas inusitadas.
O processo de impeachment sem embasamento legal rigoroso de um governo eleito democraticamente causaria um dano irreparável à nossa reputação internacional e contribuiria para reforçar as forças mais conservadoras do campo internacional.
Não se trata de barrar um processo de impeachment, mas de aprofundar a consolidação democrática. Essa somente virá com a radicalização da democracia, a diminuição da violência, a derrota do racismo e dos preconceitos, na construção de uma sociedade onde todos tenham direito de se beneficiar com as riquezas produzidas no pais. A sociedade brasileira precisa reinventar a esperança.