A greve dos bancários completou, nesta terça-feira, 22 dias sem grandes perspectivas de um acordo salarial à vista após nove rodadas de negociações. A duração da paralisação já supera a do ano passado, quando os bancários também cruzaram os braços para pressionar os patrões a pagarem o reajuste que eles defendiam. Na ocasião, a pressão deu certo. Os bancários conseguiram um reajuste de 10%, com ganho real de 0,11%. A dinâmica tem sido a mesma desde 2004. Perto da data base, os bancários param e conseguem um aumento pelo menos igual a inflação do período.
Neste ano, porém, o cenário está mais complicado com o agravamento da crise econômica. Os bancos parecem mais duros nas negociações prevendo que a tendência no próximo ano é de que os lucros devam encolher como consequência da recessão. “Apesar do sindicato (dos bancários) ser forte, existe toda essa argumentação dos bancos de que passamos por um um momento em que é preciso evitar aumento de despesas”, afirma Luis Santacreu, da Austing Rating. O analista explica, no entanto, que apesar da conjuntura econômica mais complicada, os bancos ainda estão registrando lucro. “Diferentemente de setores como o da construção civil, o setor bancário não está em crise de quebra de bancos ou com prejuízos para justificar essa não renovação da inflação”.
Juntos, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú- Unibanco e Santander lucraram 13,46 bilhões de reais no segundo trimestre de 2016 – nos três meses anteriores, o lucro havia sido de 12,877 bilhões, segundo a Economática. Apesar da recuperação frente aos trimestres anteriores, o lucro ficou abaixo dos 17,3 bilhões do mesmo período de 2015.
Para a Roberto von der Osten, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), as justificativas dadas pelos bancos para não aceitar as propostas da categoria não correspondem à realidade do setor. “Estamos negociando com um dos setores que mais teve lucro na sociedade, não somos trabalhadores de montadoras ou da construção civil que estão sofrendo com a crise”, afirma.
Há 13 anos a categoria não aceita nenhuma negociação de reajuste salarial abaixo da inflação e, segundo Osten, não pretende começar a fazer parte da estatística da maioria dos setores que vem perdendo a queda de braço nas negociações. Segundo levantamento da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), mais da metade das negociações coletivas com vigência em agosto terminaram em ajustes abaixo do Índice Nacional de Preços ao Consumidor(INPC) do período.
“O que nos deixa preocupados é que, como agora há um Governo de viés neoliberal, eles podem tentar usar a redução dos salários como mecanismo para baixar a inflação”, explica Osten, que ressalta que essa greve não é política e afirma que a categoria realiza paralisações anualmente.
Os bancários pedem atualmente um reajuste de 5% mais a inflação no período, que até agosto foi de 9,62%, além do equivalente a um salário mínimo de benefícios como vale-refeição, vale-alimentação e auxílio-creche. A Federação Nacional dos Bancos (Fenaban), no entanto, continua mantendo a proposta inicial em que oferece reajuste salarial de 7% mais um abono de 3.300 reais a ser pago dez dias após a assinatura do acordo. Segundo a federação, a proposta resulta numa remuneração superior à inflação prevista para os próximos meses, mas a categoria discorda.
“Estão oferecendo um reajuste que vai reduzir o nosso salário, que não cobra nem a inflação. Não faz sentido essa proposta, porque quando o abono termina o aumento terá sido de 7% apenas. Ou seja, no próximo ano, teríamos que negociar a inflação mais esse aumento que estamos perdendo agora”, afirma Osten, presidente da Contraf-CUT.
Em todo o Brasil, 36 sedes administrativas e mais de 13 mil agências fecharam as portas nesta terça-feira, o que representa mais da metade do total delas em todo o país.Nesta tarde, a Fenaban voltou à mesa de negociação com os bancários, mas as partes não chegaram a um acordo. Uma nova reunião foi marcada para esta quarta-feira.
Efeitos dos bancos minimizados pela tecnologia
Embora os transtornos causados pela paralisação sejam relevantes, o efeito da greve dos bancários no dia-a-dia dos clientes parece ser menor já que a maioria das transações pode ser feitas por Internet e os clientes estão cada vez mais acostumados a usar as plataformas digitais. Hoje menos de 7% das transações são realizadas nas agências, segundo o sindicato dos bancários. O internet banking e o mobile banking respondem, atualmente, por mais da metade das transações, atingindo 54%, de acordo pesquisa da Febraban.
"As pessoas que acabam sentindo mais são as que não utilizam tanto a Internet e pessoas mais idosas. Mas a paralisação das agências representa muito para os bancos já que não conseguem vender produtos como seguros e novas linhas de crédito. E afeta muito as pessoas que não conseguem resolver algum problema no canal online", explica Osten.
O motoboy Euflásio Ferreira, de 55 anos, por exemplo, teve problemas para depositar e pagar alguns boletos e teve que rodar a capital paulista para encontrar alguma agência do Itaú em que o caixa estivesse funcionando. "Já está passando da hora dessa greve acabar, é muito transtorno", afirmou nesta segunda-feira.
Os serviços de financiamentos oferecidos pelas instituições bancárias também estão sendo afetados. Há problemas também em instituições públicas. Pessoas que não possuem conta na Caixa, por exemplo, enfrentam mais dificuldade para receber benefícios como FGTS e seguro-desemprego. Outro problema relatado por clientes é a retirada de ordens de pagamento.
A digitalização bancária, apesar de ser atrativa para o cliente - por ser menos burocrática- e para os bancos - por diminuir gastos com infraestrutura de locais físicos -, não tem agradado a todos os funcionários dos bancos nos últimos tempos. Um reflexo dos clientes terem ido menos às instituições financeiras é a diminuição do número de agências no Brasil. Só no ano passado, mais de 400 agências fecharam. O reajuste de gastos nos bancos também aumentou com a crise. De acordo com a Pesquisa de Emprego Bancário (PEB), divulgada nesta segunda-feira, de janeiro a agosto de 2016, foram fechados 9.104 postos de trabalho nos bancos brasileiros, sendo a maioria em São Paulo e no Rio de Janeiro, o que preocupa a categoria. A maioria dos desligados foram trabalhadores mais velhos e com mais tempo no emprego.
Há alguns anos, algumas contas ganharam também status de digitais, o que significa que os clientes têm acesso aos gerentes por telefone ou internet em um período maior que o horário comercial dos bancos. O que, para algumas entidades dos bancários, causou uma pressão maior aos funcionários, que estariam mais sobrecarregados.
Na atual pauta de reivindicação dos bancários, além do reajuste, os trabalhadores pedem o fim das demissões, a ampliação das contratações, o combate às terceirizações e à precarização das condições de trabalho. Eles também reivindicam mais segurança nas agências bancárias, participação nos lucro, o fim das metas abusivas e assédio moral.
Fonte: El País