CUT Nacional
André Accarini
Às vésperas do recesso do Supremo Tribunal Federal (STF), uma decisão liminar (provisória) do ministro Gilmar Mendes tira de milhões de brasileiros a esperança de receber seus direitos em processos trabalhistas que correm na Justiça, inclusive aqueles que estão em fase já de cálculo para pagamento. A liminar de Gilmar Mendes, que atende pedido de instituições financeiras, empresários e agronegócio, determina a suspensão de todos os processos que envolvam o debate da correção monetária, que aumentaria os valores das ações.
A CUT e demais centrais sindicais encaminharam ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli, um requerimento para que a liminar seja revista pela Corte, em caráter de urgência e antes do recesso. A última sessão do plenário do STF está marcada para a próxima quarta-feira.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já havia formado maioria em uma votação sobre a adoção do Índice de Preços ao Consumidor Amplo – Especial (IPCA-e), mais vantajoso aos trabalhadores do que a Taxa Referencial (TR), cuja porcentagem atual é ‘zero’. A TR havia sido adotada como padrão pela reforma Trabalhista de Michel Temer (MDB-SP), em vigor desde 2017.
No entanto, tribunais adotavam nas sentenças a correção pelo IPCA-e, de acordo com entendimento do próprio STF, de 2015, justamente por dar aos trabalhadores uma atualização monetária dos processos, próxima da inflação, ou seja, com reposição de perdas.
Para a CUT e demais centrais, a decisão de Gilmar Mendes vem na esteira do desrespeito recorrente e sistemático aos direitos dos trabalhadores, “que pagam pelo preço da acumulação financeira e estão cada vez mais pobres, precarizados e sem mecanismos de proteção de direitos”.
Na avaliação do secretário de Assuntos Jurídicos da CUT, Valeir Ertle, o que Gilmar fez com a liminar foi atender aos interesses do sistema financeiro, com prejuízo dos trabalhadores que aguardam na Justiça para receber verbas rescisórias, com, pelo menos, a correção pela inflação.
E isso, em um tempo em que brasileiros sofrem, no dia-a-dia, as consequências econômicas da pandemia do novo coronavírus. São trabalhadores que precisam, inclusive, desse dinheiro para sobreviver nesses tempos, disse o secretário.
Valeir considera um absurdo a decisão monocrática de Gilmar Mendes. “Nesse período de pandemia, existem milhares de processo que visam buscar tão somente a rescisão de contrato de trabalhado que não foi paga. Poder sacar fundo de garantia, essas coisas. Trabalhadores foram demitidos, não receberam e dependem desse dinheiro para sobreviver”.
Ele calcula em cerca de três milhões o total de processos na Justiça do Trabalho, que estão em fase de recebimento e que serão imediatamente prejudicados pela decisão do ministro do STF.
“Essa decisão contraria inclusive uma decisão do próprio STF. Como que todos os segmentos do direito cobram multas e juros absurdos e em processos trabalhistas e querem prejudicar os trabalhadores? Só pode ser para penalizar ainda mais a classe trabalhadora e proteger os empresários que são maus pagadores”, critica Valeir.
De acordo com o advogado José Eymard Loguércio, da LBS advogados, que presta assessoria jurídica para a CUT, há três caminhos para que a liminar possa ser derrubada, pelo próprio Mendes, pelo colegiado do Supremo ou por decisão do presidente da Casa, Dias Toffoli.
“O ministro Gilmar Mendes pode reconsiderar a decisão levando em consideração os efeitos dessa decisão em todos os processos trabalhistas. A segunda possiblidade é que a liminar seja examinada pelo colegiado do Supremo, ainda na última sessão, e com base nas decisões anteriores sobre a utilização do IPCA. A terceira opção é que, se não tiver tempo de incluir na última sessão, que o presidente do STF, Dias Toffoli, possa ser instado a rever e suspender a liminar até que o colegiado se reúna novamente em agosto”, explica Eymard
A Anamatra também anunciou que vai entrar com um recurso contra a liminar. O recurso chamado de ‘embargos de declaração’ visa pedir explicações de Gilmar Mendes sobre os fundamentos da decisão.
STF e TST – a discussão nas instâncias superiores
Por decisão do STF, desde 2015, o índice usado para correção de débitos trabalhistas é o IPCA-E, calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e usado como parâmetro para medir a inflação.
O Tribunal Superior do Trabalho passou então a adotar o índice como padrão para correção monetária dos processos trabalhistas. Em 2017, a reforma Trabalhista instituiu novamente a TR como padrão, mas tribunais continuaram aplicado o IPCA, por ser mais vantajoso ao trabalhador, com base na decisão do próprio STF.
O mesmo Gilmar Mendes, em decisão monocrática, havia decidido pela adoção do IPCA, mas determinou que o TST discutisse a questão e realizasse um novo julgamento que deveria decidir se a aplicação da TR, como manda a reforma Trabalhista é constitucional ou não.
A decisão deveria sair nesta segunda-feira (29), e já havia a indicação de que se confirmasse o índice mais vantajoso. Porém, a liminar de Mendes, do último sábado, suspendeu o julgamento do TST e, por consequência, todos os processos trabalhistas que aguardam conclusão ficam igualmente paralisados.
O STF havia marcado o julgamento de duas Ações Diretas de Constitucionalidade (ADCs 58 e 59) para maio deste ano. Ambas versam sobre a constitucionalidade da TR como índice de correção das dívidas trabalhistas.