"As entidades de previdência complementar do Brasil passaram a ser foco das discussões do momento. O senso comum, alimentado por setores da imprensa que não se preocupam em apurar a verdade dos fatos, enxerga o resultado atual dos fundos de pensão como se estivesse próximo a uma bancarrota do sistema. É importante ressaltar que por trás de cada número há um histórico que não pode ser desconsiderado, por mais distorcida que seja a visão do analista.
Primeiro, é preciso considerar que os déficits ou superávits têm correlação direta com a estrutura de sustentabilidade do plano que se está analisando. Isso quer dizer que, mesmo contando com uma boa gestão de investimentos, o resultado atuarial pode estar negativo em função de outros fatores como, por exemplo, um crescimento excessivo de seu passivo atuarial (as obrigações do plano) ao longo dos últimos anos. O contrário também é verdadeiro: um plano pode estar superavitário, não por boa gestão de investimentos, mas por uma previsão de pagamentos dos benefícios muito inferior à que os participantes teriam direito, ou, ainda, por mera conjuntura de mercado.
E, para discutir a conjuntura é preciso retornar ao momento da tomada de decisão, revisitar o ambiente que motivou as propostas de investimentos aprovadas, as premissas de análise de risco e retorno consideradas e os demais cuidados técnicos que foram adotados.
Pelo ambiente macroeconômico, o Brasil à época da maioria das decisões hoje questionadas, de 2008 a 2012, de acordo com os estudos de cenários da maioria das empresas de renome nacional, ou internacional, era visto como porto seguro para investimentos, principalmente nos setores de infraestrutura, nos setores relacionados à expansão do consumo e nos segmentos em que o país apresentava vantagem competitiva. Pode-se também observar nesses documentos que, praticamente todos, indicavam uma abrupta redução das taxas de juros na economia brasileira, como de fato ocorreu, com a NTN-B (Notas do Tesouro Nacional série B) a patamares de 3% ao ano. Na economia externa, a China, com arrojados índices de crescimento, era apontada como o destino certo para todas as exportações. E, por fim, a política de conteúdo nacional, abria excelentes perspectivas de negócios, favorecendo uma progressiva saída dos investimentos em títulos públicos para alocações naqueles vinculados à produção.
Olhando para o momento das aplicações, alguns fundos de pensão, investidores quase absolutos em ativos de retorno de longo prazo, decidiram por apostar no crescimento e no desenvolvimento do país. Setores em que o empresariado brasileiro tem resistência em investir, pela necessidade de altos e rápidos retornos, foram os prioritários na estruturação de novos negócios, por meio das chamadas Carteiras de Investimentos Estruturados, via Fundo de Participações (FIP), Fundo Mutuo de Investimentos em Empresas Emergentes (FMIEE) e Fundo de Investimentos Imobiliário (FII).
O que nenhum cenarista, por mais cuidadoso que fosse, poderia prever é que o país entraria em uma crise política sem precedente, após as eleições de 2014, com reflexos perversos na economia. As empresas de construção civil pesada, licitadas para as obras de recuperação de estradas, portos, aeroportos, usinas de energia elétrica, de moradias populares, enfim, todo tipo de grandes obras em andamento no país, encontram-se em estado pré-falimentar, em virtude da desaceleração da economia mundial, com reflexos no mercado doméstico e do acirramento das ações político-partidárias, responsáveis por grande parcela da desorganização geral da nossa economia. O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi impedido de liberar os financiamentos comprometidos nos projetos. E a Petrobras foi e continua sendo submetida ao maior ataque de sua história. Por consequência, os investidores, no caso, os fundos de pensão, que apostaram no desenvolvimento e no crescimento foram impactados diretamente.
Não se quer com isso dizer que inexistam nos fundos de pensão distorções ou atitudes incompatíveis com a ética e com os bons princípios de gestão. Ao se comprovar quaisquer desvios de conduta, respeitando-se o direito constitucional da ampla defesa, que sejam os responsáveis julgados e penalizados conforme previsto em lei. Porém, tratar os déficits dos planos sob a pura ótica de "rombos", ou "desvios", ou qualquer conceito que fuja da visão técnica é, no mínimo, leviandade.
Lamentavelmente, não existe disposição ou compromisso com o debate amplo e qualificado sobre as causas que afetaram diretamente o resultado dos planos. Esses temas, por mais complexos que sejam, são tratados de forma simples e trivial, pelos que se arvoram a alimentar as fragilidades dos investimentos. O pior é que, da forma como se tem feito, o desvirtuamento da realidade cria uma verdadeira sensação de pânico, de insegurança e de desconfiança nos participantes, já tão atacados pelas campanhas de informações negativas que alimentam os meios de comunicação.
A tentativa de desqualificar os dirigentes, ou os mecanismos de governança dos fundos de pensão abrem espaços para outros oportunismos, como o que agora acontece no Congresso Nacional, com a tramitação do PLP 268/2016. Este projeto é um retrocesso à Lei Complementar 108/2001, do governo de FHC, patrocinado pelos porta-vozes do mercado financeiro, sob o falso argumento de elevar o padrão de governança, pretende impor às fundações a inclusão de representantes do mercado financeiro, tratados na matéria com a insígnia de "profissionais independentes". O que chama atenção é que estas pessoas não têm qualquer compromisso com os planos, ou vínculo com a fundação ou com a empresa patrocinadora do plano. Pretende-se, assim, transferir aos ditos "conselheiros independentes", a vaga dos participantes eleitos, reduzindo-se, na prática, a representatividade dos principais interessados.
De fato, o que se pretende com a aprovação nova Lei é facilitar a transferência ao mercado, por intermédio de seus prepostos, da administração dos mais de R$ 684,9 bilhões, números de 2015, equivalentes a quase 12% do Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB). Essa montanha de dinheiro pertence aos trabalhadores.
Há que se ponderar que a Previdência Complementar, importante conquista dos trabalhadores, ultrapassa a finalidade de manutenção do poder de compra para o período pós-laboral e passa a representar um mecanismo efetivo de suporte para estabilidade econômica do país, com a promoção do desenvolvimento. Os interesses políticos antagônicos, sejam eles partidários, sindicais, ou advindos da visão de mundo de cada cidadão, não devem servir de alavanca para abalar os alicerces dos compromissos da relação legal.
Vê-se que há um longo caminho a ser percorrido para a retomada de crescimento dos fundos de pensão, com permanentes aperfeiçoamentos da governança. As condições, no entanto, exigem o aprofundamento na democratização e transparência, com o reforço da atuação dos participantes em todos os níveis da gestão, com maior protagonismo na fiscalização e controle dos seus recursos.
A defesa do sistema de previdência complementar fechado vai muito além dos discursos fáceis da criminalização dos déficits, como se a lógica para este segmento fosse diferente dos demais investidores. Basta analisar os fundos de investimentos que os bancos oferecem à sociedade, aplicar sobre o resultado deles uma taxa de desconto de 6% ou 5,5% (que são as praticadas pela maioria dos fundos de pensão) e comparar os desempenhos nos últimos cinco anos. Talvez assim o debate ficasse mais justo.
Melhorias nos procedimentos de gestão serão sempre necessárias, posto que o mercado é complexo e dinâmico. Porém, não há como negar os avanços na governança e nos controles experimentados pelos fundos de pensão na última década. E não dá para considerar que todos os déficits dos planos sejam frutos de má gestão e desvio de finalidade, sem ponderar as crises e revezes do mercado."
Antônio Bráulio de Carvalho é presidente da Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão (Anapar)