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15 de Março de 2016 às 07:26

Em ataque à legislação trabalhista, CNI defende prevalência de negociação coletiva

“Sempre quando você tem uma crise econômica, o setor empresarial pressiona por mudança nas regras do trabalho, propondo uma flexibilização", afirma pesquisador da Unicamp


Crédito: INSTITUTO DEMOCRACIA / DIVULGAÇÃO
Krein: propostas querem brecha para avançar ainda mais a flexibilização, que já é uma realidade

por Helder Lima, da RBA

São Paulo – Uma carta da Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgada na quarta-feira (9) e um debate realizado na manhã seguinte (10), com transmissão pela internet, voltaram a defender uma reforma trabalhista no país, que seja favorável ao aumento de competitividade das empresas. Sob a premissa de que a legislação trabalhista apresenta uma excessiva rigidez para a contratação de mão de obra e também “sinais de idade”, afinal a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) está prestes a completar 73 anos, a CNI saiu em defesa de três pontos para que o país possa se modernizar: a valorização da negociação coletiva, de tal modo que o acordo entre empresas e empregados possa prevalecer sobre a legislação; a redução do intervalo intrajornada (leia-se horário de almoço); e formas alternativas de ponto eletrônico, para que as pessoas viabilizem o trabalho em casa, também conhecido por home office.

Entre os representantes dos trabalhadores, a carta não foi bem recebida. “A proposta da CNI não se limita a esses três pontos. O que eles estão fazendo é usar esses exemplos, que têm aparência de absurdos, para justificar que a negociação (com os trabalhadores) seja ampla, geral e irrestrita. Eles querem uma coisa maior do que esses três pontos”, afirma o analista político Antonio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

“Sempre quando você tem uma crise econômica, e com isso cai a rentabilidade das empresas, o setor empresarial pressiona por uma mudança nas regras do trabalho, propondo uma flexibilização. Aproveitam o contexto de dificuldades para apresentar uma tese que já é recorrente nos setores empresariais”, avalia o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) José Dari Krein.

A carta da CNI, ao sabor de uma reportagem, traz ainda exemplos dos “prejuízos” que a falta de flexibilidade causa às empresas, seja impedindo que pessoas possam trabalhar em casa para organizarem a vida da forma como desejam, ou, reduzir o horário de almoço para sair mais cedo e fugir do pico do trânsito. Todo o raciocínio da carta se dá no sentido de defender a flexibilização das relações de trabalho, o que em última instância vai recair no combatido projeto de terceirização, o PLS 30/2015, que deve ser apreciado pelo Senado no próximo mês.

“As três propostas, no fundo, abrem uma brecha para avançar ainda mais a flexibilização, que já é uma realidade. Há uma pressão nos últimos anos no sentido de avançar com a flexibilização”, diz o professor Krein, defendendo que as relações de trabalho não se ressentem dessa possibilidade como querem os representantes dos empresários. “A terceirização, que é uma das maiores pressões no sentido da flexibilidade, não acrescenta nenhum direito adicional para quem é terceirizado, porque todo o terceirizado é regido pelas mesmas leis, como direito a salário mínimo, jornada de 44 horas semanais, seguro-maternidade, mas o que se quer fazer é permitir que as empresas tenham liberdade de terceirizar todos”, afirmou.

Além disso, Krein vê no excesso de desregulamentação pretendido pelos empresários uma ameaça aos direitos trabalhistas. Ele lembra o caso dos bancários, que conquistaram jornada de seis horas e, com a terceirização isso pode cair por terra. “E a empresa principal tem o controle da jornada de trabalho sobre a terceirizada, que não apita nada. Quem manda é a empresa principal. O que no fundo se busca é ampliar ainda mais a flexibilização e aí quando falam em garantia jurídica, é exatamente garantia para a flexibilização acontecer de forma indiscriminada, que não possa ser questionada pelo Estado. Aí é o mundo da precarização, e do cão. Toda legislação é uma forma de proteção, é isso o que tem de ser considerado”, defende.

O pesquisador diz que a legislação não deve apenas garantir uma economia com empresas competitivas. “Você tem de construir uma nação, um país. Esse processo de terceirização tem avançado e deixado os trabalhadores em uma situação de maior insegurança e precariedade, apesar dos avanços do mercado de trabalho até 2014 (com aumento dos postos formais e de renda). Agora não, agora você tem uma reversão, o desemprego, a queda dos salários”, diz, destacando que os trabalhadores estão em situação mais vulnerável.

Prejuízos da terceirização

De fato, em situação de terceirização, os trabalhadores perdem direitos. Uma funcionária terceirizada da Vivo, que prefere não se identificar, falou à reportagem da RBA sobre algumas das desvantagens da adoção desse sistema. A Vivo é uma das quatro maiores empresas de telecomunicações no país, com concentração de cerca de 20% do mercado nacional e lucro anual perto de R$ 5 bilhões.

A funcionária destaca que não há estabilidade para o trabalhador porque a Vivo tem contratos que duram de três a cinco anos. “Quando a Vivo não renova, todo mundo pode perder o emprego”, afirmou. Mas ela também diz que em geral o pessoal de área técnica é mantido pela nova contratada, enquanto o pessoal administrativo é dispensado. “É um pouco mais de 50% dos funcionários que ficam para a nova contratação”, afirma. Nesse processo, é feita uma triagem dos funcionários e verificado o histórico de cada um.

Outro problema é que a contratante não dá suporte técnico de qualidade para a contratada, além de contratar por preços muito baixos. “O material de trabalho é muito ruim e o processo provoca várias repetições, porque o serviço não foi bem feito.” Ela também diz que os gestores, funcionários diretos da empresa, atuam apenas cobrando resultados: “Eles só servem para cobrar e às vezes nem conhecem a parte técnica do serviço”, afirma, criticando o tipo de gestão “voltada a resultados, em que eles ganham muito dinheiro sem fazer nada”.

Outro aspecto apontado pela funcionária é que a rotatividade na terceirizada é grande e mesmo os trabalhadores que têm maior tempo de atuação no setor não conseguem entrar para a empresa contratante. “Um técnico nunca vai ser funcionário da Vivo, apesar de ser o cara que entende do serviço”. Ela lembra também que enquanto o vale-refeição de um funcionário da Vivo é de R$ 35, o do terceirizado é de R$ 20. Além disso, o convênio médico do terceirizado também é mais simples, com cobertura menor.

Frentes empresariais

Segundo o analista do Diap, o setor empresarial vem atuando em três frentes para promover mudanças na legislação trabalhista. Uma dessas frentes é o Tribunal Superior do Trabalho (TST), cujo novo presidente, o ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, é favorável às teses empresariais. “Querem arrancar isso do TST, cujo presidente tem uma visão próxima daquilo que o mercado defende, para que o TST, via decisões internas, formule súmulas vinculantes”, afirma Queiroz.

“Estão também se valendo de seus aliados no governo, como o Ministério da Agricultura, com Kátia Abreu, e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, com Armando Monteiro, para que sempre que cobrado pelo desempenho de seu setor aleguem dificuldades com algumas orientações normativas do Ministério do Trabalho, portarias, que estabelecem limites com base na segurança e medicina do trabalho”, diz o representante do Diap. Também no Executivo, os empresários exercem pressão diretamente sobre o Ministério do Trabalho e Previdência Social, por mudanças em orientações normativas e portarias.

Outra frente ainda, segundo o Diap, está no Congresso Nacional, onde diferentes projetos de lei buscam flexibilizar a CLT “de modo específico, ou genérico, digamos assim”, comenta. “A proposta que eles apresentam agora, com esses três pontos, é apenas ilustrando o tipo de absurdo entre aspas que existe na legislação; se houver um regramento específico nesses pontos, que se faça algo próximo daquilo que foi feito em relação ao PPE (Plano de Proteção ao Emprego, com redução de jornada e salário), a partir de uma ação tripartite entre governo, empresas e trabalhadores”, defende. “O setor empresarial quer liberdade de negociação e de preferência de forma direta com o empregado, sem a entidade sindical.”


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