Escrito por: Luiz Carvalho e Isaías Dalle - CUT
Quando se aproximou da grade que separava o governo deposto do povo, a presidenta eleita Dilma Rousseff viu braços abertos e gritos de “força” e “estamos com você” de quem trazia no rosto suado a indignação diante do golpe.
Após ser recebida dentro do Palácio do Planalto pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por lideranças dos movimentos sindical e sociais, a presidenta fez um breve discurso ao lado de ministros e parlamentares para mais de 15 mil pessoas, num palco improvisado ao nível da rua, a poucos metros da multidão. Em lugar de descer a rampa, saiu pela porta lateral que utilizou diariamente durante seus dois mandatos e, dispensando o tradicional parlatório, foi ao microfone.
Diante das pessoas que foram apoiá-la, Dilma lembrou que enfrentar golpes e a injustiça faz parte de sua história. “Ao longo da minha vida, eu, da mesma forma que todas as mulheres, sempre enfrentei desafios. Enfrentei o desafio da tortura e do combate à ditadura. Enfrentei a dor invisível da doença. Mas o que mais dói é essa situação que vivo agora, a inominável dor da injustiça e da traição”, falou. Dilma classificou este 12 de maio como o dia mais triste de sua vida.
A presidenta eleita ressaltou, porém, que não abandonará a defesa do mandato dado por mais de 54 milhões de brasileiros e brasileiras. “Nesse momento em que as forças da injustiça e da traição estão soltas por aí, estou pronta para resistir”, garantiu
O alvo é o povo
Dilma relembrou que o suposto crime pelo qual foi afastada, as chamadas ‘pedalas fiscais’, eram ações rotineiras em governos que a antecederam e isso não gerou afastamento de outros presidentes.
Também destacou mais uma vez que o golpe é o resultado da recusa do PT em defender o ex-presidente da Câmara dos Deputados e réu na Operação Lava Jato, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no Conselho de Ética da Casa.
A presidenta eleita alertou ainda os brasileiros de que o impeachment nada mais é do que uma forma de combater as políticas que elevaram a renda dos mais pobres e da classe média, colocaram jovens nas faculdades por meio de cotas, defenderam o pré-sal e fizeram virar realidade o sonho da casa própria via Minha Casa Minha Vida.
Conquistas que agora estão em risco sob a gestão do vice Michel Temer. ”Quando falam em focar, reduzir, na verdade, querem dizer que vão diminuir até acabar com elas (políticas públicas).”
Dilma ressaltou também que os 180 dias em que ficará afastada até o impeachment ser julgado definitivamente pelo Senado servirão para defender um modelo de governo baseado na democracia.
“Agradeço a todas as pessoas que foram às ruas dar um não imenso ao golpe, que estão do lado certo da história. Somos aqueles que sabem como é a luta cotidiana e não desistem nunca.”
CUT pelos trabalhadores
Presente ao ato, o presidente Nacional da CUT, Vagner Freitas, disse que esse é o momento mais perigoso para a classe trabalhadora desde a ditadura e que o cenário exigirá dos movimentos sindical e sociais a manutenção da unidade e da capacidade de se manterem nas ruas.
“Além do afastamento da presidenta legitimamente eleita, teremos agora o início de um governo que tem em seu DNA a retirada de direitos dos trabalhadores. Nossas conquistas nunca estiveram tão em risco como agora, por isso, nos próximos 180 dias, vamos fazer greves, manifestações e denunciar o golpe dentro e fora do Brasil. Para voltarmos à normalidade democrática e termos novamente um governo escolhido nas urnas por 54 milhões de eleitores”, apontou.
Novo front
Como Vagner, outras lideranças também apontaram que a organização para enfrentar o governo Temer e defender direitos começa imediatamente. Ao lado de outros indígenas tradicionalmente trajados, a representante da Articulação de Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara, declarou que cobrará a manutenção de compromissos firmados no governo Dilma.
“Esse novo governo foi construído com base em muitas negociatas com ruralistas, em função de territórios, inclusive, indígenas. E já anunciou no programa deles uma série de desrespeitos. Vamos continuar mobilizados para exigir que assuma todos os atos publicados pela presidenta Dilma em relação às demarcações e homologações de terra e ao conselho nacional que trata das nossas questões”, disse.
No meio do povo, com um boné vermelho e uma rosa no peito, Marlene Soccas comentou como era rever o golpe. Ex-militante da Ação Popular, da mesma forma que Dilma, ela também foi presa em 1970 e passou dois anos e dois meses na cadeia.
Período em que sofreu com choques e pau de arara. Anistiada, ela acredita que o impeachment é parte de um processo mais amplo que envolve outros governos na América do Sul.
“A mão do imperialismo norte-americano, que em 1964 deu um golpe militar no Brasil e trucidou muitas pessoas que se posicionaram contra, mudou de tática a partir do Paraguai, onde derrubou o presidente Fernando Lugo, em Honduras, contra o Manuel Zelaya e, agora, contra a Dilma. Assessorando , financiando e ensinando como manipular a informação no Brasil”, definiu.
Como apontou Gilney Viana, responsável pelo projeto Projeto de Direito à Memória e à Verdade da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que busca levar criminosos da ditadura às barras dos tribunais, o primeiro passo dos reacionários é sempre travestir o discurso de legalidade.
“Os golpes precisam de discurso que os mascarem. Antes falavam que era defesa da democracia, em 1964, agora, que é contra a corrupção. Isso é para esconder os verdadeiros interesses que estão por baixo disso.”
O caminho para retomar a democracia, defende, ele é preparar uma nova linguagem capaz de dialogar com a população de maneira mais direta.
“Sabemos que isso não será revertido de uma hora para outra, porque a aliança golpista é muito ampla e forte, mas precisamos retomar nossa capacidade de mobilização de massas e de responder às demandas sociais. Sem isso, não avançaremos”, falou.
Deixar o governo é uma dor para Aparecida Gonçalves, que por 13 anos foi Secretária Nacional de Enfrentamento da Violência Contra a Mulher. "Eu estou me sentindo traída, não pessoalmente, mas pelo projeto que estávamos construindo, as políticas que estávamos consolidando", diz Cida, que é professora de História. Ela pretende voltar a dar aulas. "Sala de aula sempre há. Mas o que mais me inquieta é como fazer algo para não perdermos as relações e as políticas que foram construídas. Estou mais angustiada com isso do que com problemas relativos a meu futuro pessoal", comentou.
Cida acredita na volta de Dilma ao exercício pleno da Presidência. "Fora do palácio, ela terá mais condições de se defender. O que está faltando é a maioria da população entender de fato o que está acontecendo, e para isso vamos ter de fazer um bom debate com a sociedade".