Por Vitor Nuzzi, da RBA
São Paulo – As centrais sindicais voltaram a se unir para tentar evitar estragos ainda maiores à economia e querem envolver não só o Estado e setores produtivos, mas organismos de controle como o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), além do Supremo Tribunal Federal (STF), o Ministério Público (MP) e a Advocacia Geral da União (AGU), em um esforço para permitir que também empresas investigadas por corrupção possam voltar a contratar com o poder público. Um esboço desse plano já começou a ser articulado e será discutido com entidades empresariais em 3 de dezembro, em São Paulo. A agenda inclui uma manifestação no Rio de Janeiro no dia 8 e a entrega de um documento a autoridades em Brasília, no dia seguinte.
Representantes das centrais reconhecidas oficialmente se reuniram hoje (9), na sede do Dieese, em São Paulo, para discutir medidas de reativação da economia. O foco são os setores de petróleo e gás, construção e indústria naval, diretamente afetadas pela paralisação ou redução de obras de infra-estrutura. "É fundamental ter uma solução institucional para que a Petrobras, empreiteiras, o setor da construção e o naval retomem atividade", diz o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio. Outra preocupação, lembra, é evitar que a crise contagie outros setores da economia.
Uma alternativa em debate é fazer com que empresas envolvidas em atos de corrupção na Petrobras paguem indenizações ao Estado e à própria estatal. Isso poderia ser feito com uso de ações em projetos de participação – a empresa repassaria suas ações à União, que as venderia no mercado de capitais, mudando inclusive a composição acionária de vários investimentos. A avaliação é de que isso permitiria às empresas, que participam dos principais projetos de infra-estrutura, voltar a participar de contratos com o Estado, retomando investimentos e oferendo condições para fazer a economia crescer novamente. "Destravar o setor de óleo e gás, considerando tudo o que mobiliza de investimento, seria uma sinalização positiva", observa Clemente, destacando ainda a capacidade tecnológica das empresas. "Tecnologia é um ativo."
Ele cita estimativa de que o Estado – via bancos públicos – investiu mais de R$ 1 trilhão nessas dezenas de empresas, em obras envolvendo Petrobras e os setores naval e de construção. Permitir que essas empresas quebrem estenderia o prejuízo inclusive ao setor financeiro, já que os avalistas desses negócios são bancos privados. "Alguém vai ter de pagar", afirma o diretor técnico do Dieese.
Isso não significa interromper investigações ou evitar punições. A ideia, segundo Clemente, é buscar soluções jurídicas para as empresas, enquanto os responsáveis por atos de corrupção, pessoas físicas, continuam sendo processados.
"Consideramos que, a exemplo de outros países que enfrentaram esse mesmo problema, o Brasil precisa ter mecanismos céleres e eficazes de promover, ao mesmo tempo, a investigação, julgamento e punição dos culpados e criar instrumentos complementares que permitam aos órgãos responsáveis liberar e viabilizar a atividade das empresas nas suas finalidades produtivas", afirmam as centrais, em documento. Participaram da reunião de hoje dirigentes de CSB, CTB, CUT, Força Sindical, Nova Central e UGT.
"Mais que a dificuldade econômica, a dificuldade que estamos vivendo agora é política", diz o secretário-geral da CUT, Sérgio Nobre. "Temos de punir a corrupção, mas temos de liberar as empresas para funcionar. Um ponto comum (entre as centrais) é a retomada do crescimento e da produção. O Brasil tem um mercado interno extraordinário. Agora, precisamos superar os nossos problemas políticos."
O dirigente também defende mudanças na economia, para reativação do consumo. "Nossos salários são baixos. (O trabalhador) Só compra quando tem crédito de longo prazo e com juros menores. Hoje encurtou o prazo e os juros estão altos." Para Sérgio Nobre, também o ajuste fiscal "precisa ser superado".
"Com essa confusão jurídica, as empresas estão proibidas de participar (de contratos). Os culpados que paguem por isso", acrescenta o presidente da Força, Miguel Torres. "Corremos o risco de chegar ao que aconteceu nos anos 80, com inflação, desemprego e saques. Esse é o caos social que a gente quer evitar. Não estamos defendendo corrupção, a não punição. Estamos defendendo a questão do emprego e da economia."
Essas preocupações serão levadas ao Legislativo e ao Executivo. "Queremos chamar o governo à responsabilidade. O Brasil não vai suportar." A observação vale para o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. "Com esse movimento, ou ele vem para dentro ou vai para fora", afirma o sindicalista.
"O que ganha centralidade nessa discussão é o projeto de economia nacional", diz o presidente da CTB, Adilson Araújo. "Diante da instabilidade que vivemos, é necessário separar o joio do trigo. A gente pode levar o Brasil à falência. As investigações seguem, e as obras continuam no seu curso normal." O secretário-geral da CSB, Alvaro Egea, disse que "o governo tem de criar desde já uma legislação para o pós-Lava Jato", citando a operação que investiga corrupção na Petrobras.
Em documento, o Dieese cita vários impactos causados pela queda de investimentos em obras. "No período recente, a Petrobras passou a ter como principais valores a disciplina de capital e a rentabilidade dos acionistas. Enquanto isso, milhares de trabalhadores perderam empregos, obras que estavam prestes a ser concluídas foram interrompidas, projetos estratégicos estão indefinidamente suspensos e a cadeia produtiva do setor continua a ser desmantelada", diz o instituto.
Na indústria naval, por exemplo, a carteira de pedidos no primeiro semestre foi de 279 embarcações, ante 381 em igual período do ano passado, um reflexo do corte de investimentos já anunciado pela Petrobras para o período 2015/2019. "Essas medidas têm impacto nos principais estaleiros responsáveis pelos projetos, com atrasos de salários, demissões, cancelamento de contratos e, em último caso, fechamento de empresas."
Com base em dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais, do Ministério do Trabalho), o emprego direto no setor passou de 11,9 mil, em 2012, para 68 mil em 2013. Desde que a Petrobras bloqueou grupos envolvidos em investigações sobre corrupção, em dezembro do ano passado, foram fechados quase 9 mil postos de trabalho nos nove municípios que concentram os principais estaleiros contratados pela estatal.
Na construção, apenas em 2014 houve corte de aproximadamente 75 mil vagas (queda de 2,4%), sendo 66 mil em obras de infra-estrutura (-6,9%). Este ano, já são 223 mil empregos formais a menos. "O setor é estratégico para o país, tendo em vista os enormes gargalos estruturais (na economia, na habitação, em estrada, aeroportos, portos, energia, telecomunicações) e de logística. Esse segmento possui décadas de experiência, conhecimento técnico e competência operacional reconhecidos para além das fronteiras nacionais", sustenta o Dieese.
Clemente aponta a urgência de soluções, lembrando que a implementação dessas medidas têm efeito de médio prazo. "Na prática, estamos pensando em 2017. Isso pode caminhar para uma segunda agenda, que é uma agenda estruturante, que reorganize a capacidade do Estado e do setor produtivo para sustentar o crescimento."
Ele observa que até hoje o governo não conseguiu fazer seu ajuste, ao mesmo tempo que não evitou a recessão. "É preciso reorganizar a capacidade fiscal do Estado para voltar a induzir o crescimento. Está causando recessão porque é gravemente afetado pela crise política. É um quadro dramaticamente delicado."