por Hylda Cavalcanti, da RBA
Brasília – Enquanto senadores contrários ao impeachment, movimentos sociais e entidades da sociedade civil discutem neste final de semana propostas para a reunião com a presidenta Dilma Rousseff de terça-feira (21), integrantes do PT e aliados mais próximos da presidenta afastada já falam nos termos da nova versão da “Carta aos Brasileiros”. A reunião vai discutir um acordo que garanta a convocação, por ela, em caso de retornar ao governo, de plebiscito sobre novas eleições. E esse documento, a “Carta”, que pode ser divulgado em breve, será uma espécie de compromisso a ser firmado por Dilma. Traçará a sua proposta para a formação de um novo pacto social no país.
De acordo com assessores e ex-ministros próximos da presidenta, a chamada “Carta” trará propostas concretas voltadas para ações nas áreas de Educação, Saúde e continuação plena de programas como o Minha Casa, Minha Vida. Além de mudanças na área econômica que levem em conta o que deseja a sociedade, como de regras na Previdência devidamente discutidas com os trabalhadores, e a reforma política.
A presidenta, no entanto, já deixou claro que para que a carta seja divulgada e seja feito tal acordo – conforme vem sendo costurado (principalmente no Senado, pelos integrantes da comissão do impeachment ligados ao PT e ao seu governo) – são necessárias duas premissas. A primeira, o restabelecimento democrático do país, ou seja: o seu retorno ao cargo.
Dilma insiste, nas reuniões e conversas com os políticos que têm recebido no Palácio da Alvorada, que não considera o governo provisório de Michel Temer um governo legítimo e, por isso, não pode falar em apoio a plebiscito num país que teve a sua democracia ferida.
A outra premissa é o discurso que ela tem pregado em todas as suas viagens, país afora, nas últimas semanas: que não conseguirá fazer pacto com a retirada de direitos sociais e direitos dos trabalhadores já conquistados e garantidos.
A ideia, neste caso, é lembrar que embora viesse falando em reforma da Previdência no início deste ano, o que vinha sendo desenhado pelo seu governo, segundo um assessor que foi diretor no ministério da Previdência, era de uma reforma ampla, cujo impacto viesse a ser observado não sobre os trabalhadores que ainda estão na ativa e vão se aposentar nos próximos 10 ou 15 anos. Mas regras de transição que permitissem as mudanças para quem está entrando agora no mercado de trabalho e, portanto, só pensará em se aposentar por volta de 2038 ou 2040.
“Uma coisa é certa, a “Carta aos Brasileiros” tem como um dos intuitos alinhar o governo da presidenta mais para a esquerda, fazendo com que o restante de gestão seja marcado por maior participação dos movimentos sociais nas políticas públicas e maior integração”, disse ontem (17) um deputado do PT, ao comentar sobre o documento.
Ninguém confirma se a carta será lançada antes ou depois da votação do processo do impeachment pelo Senado, embora existam indicativos de que, dependendo do teor da reunião de terça-feira, ela seja divulgada ainda esta semana.
Para alguns integrantes do PT, seria uma forma de mandar um recado aos movimentos sociais e o mercado sobre o comprometimento da presidenta com alguns itens que teriam “saído do rumo” nos últimos anos do seu primeiro governo e no primeiro ano do segundo, conforme disse um ex-ministro. “Principalmente na área econômica”, observou o mesmo ex-ministro.
Por outro lado, seria uma maneira de destacar para a sociedade civil a intenção da presidenta de trabalhar mais próxima dos anseios destas entidades. Para um assessor da presidenta que continua com cargo no Executivo trabalhando à sua disposição, um dos itens a serem enfatizados neste documento será a comparação da situação de Dilma no caso das mencionadas pedaladas fiscais – que se transformaram na base para o pedido de impeachment – com as mudanças feitas pelo governo provisório de Michel Temer junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A medida foi anunciada pelo atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, como uma das alternativas para conter os gastos públicos. Consiste na devolução, pelo BNDES, de pelo menos R$ 100 bilhões em recursos repassados pelo Tesouro Nacional nos últimos anos. Tem sido considerada como “absurda” pelos mais críticos e chegou a ser mencionada como “uma pedalada do Temer” nos últimos dias.
"Dilma deverá mostrar os estragos da condução da economia nesse governo, os cortes feitos nas áreas sociais e prometer a continuidade da priorização dos programas que estavam em curso quando ela estava no cargo", observou esse assessor.
Outro item mencionado por aliados da presidenta é uma abordagem que poderá ser feita, na carta, de ameaças às estatais e ao pré-sal para o capital estrangeiro pelo governo provisório, com sugestões e propostas de retomada de antigas metas que vinham sendo adotadas anteriormente, no sentido de evitar a privatização destes órgãos.
Apesar do suspense que vem sendo feito, principalmente pelos parlamentares, em torno do tema, a presidenta deu sinais do tom desta carta na última sexta-feira, durante sua passagem por Recife (PE), quando afirmou que não pretende negociar pacto sem retomar o mandato.
Em sua fala, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde foi homenageada por alunos e professores, Dilma disse que “não há pacto possível com um governo ilegítimo”. Mas, ao mesmo tempo, ressaltou que está dialogando com os setores.
Diante de uma grande questão que é garantir a governabilidade caso retorne ao Planalto, Dilma tem afirmado que não considera essa uma questão relativa ao seu mandato nem à sua volta, já que a governabilidade passa pelo referido pacto “para que sejam reconstruídos os processos democráticos no país como um todo”. “Há, cada vez mais, a consciência de que o pacto que governou o Brasil desde 1988, a partir da Constituição cidadã, foi rompido e dilacerado. Então, vamos ter que necessariamente reconstruir os processos democráticos no país”, afirmou.
Outro tema que pode vir a ser mencionado pela presidenta é a sua responsabilidade em fazer com que possam continuar atuando de forma republicana as instituições federais, e que investigações como a Lava Jato, tenham continuidade.
Em Recife, ela reiterou o que já vinha afirmando: que o projeto político do governo interino tem como um dos objetivos conter as investigações da Lava Jato. E lembrou os últimos acontecimentos – referentes à delação premiada do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e à queda do ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves – como exemplos.
O encontro que está programado para acontecer terça-feira no Palácio do Alvorada terá o mesmo formato do que foi realizado esta semana, que contou com representantes do chamado “grupo dos 22”, formado pelos senadores que votaram contra o seu impeachment, em maio passado. Além de representantes do PT, PCdoB, PDT, Central de Movimentos Populares (CMP), as centrais sindicais CUT e CTB, MST (sem-terra), MTST (sem-teto) e UNE (estudantes). Terá, ainda, a presença de pelo menos três ministros afastados: Ricardo Berzoini, Aloísio Mercadante e Jaques Wagner.
A divisão existente hoje, segundo parlamentares, está relacionada ao plebiscito. Um grupo acha que se tiver de voltar, a presidenta deve aguardar o efeito das delações premiadas homologadas nos últimos dias e as próximas que serão divulgadas até a votação final do impeachment. Consideram que, por si só, serão suficientes para provocar um efeito bombástico no governo de Temer e garantir a derrubada do processo de impeachment.
Essa ala de aliados da presidenta afastada acha, também, que se Dilma tiver de voltar, é melhor permanecer no cargo até 2018 para garantir condições para uma nova posição do PT nas próximas eleições presidenciais e sair mostrando que conseguiu adiantar os programas que vinham sendo executados desde 2010. Alguns, desde 2002, no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Por outro lado, senadores que apoiam o retorno da presidenta negociam com os pares que votaram pelo seu afastamento uma mudança de posição, com a condição de que, voltando, Dilma envie a proposta de plebiscito sobre novas eleições ao Congresso.
O outro grupo defende que o Brasil clama por realização de eleições presidenciais, diante dos escândalos envolvendo os mais diversos partidos. E entende que voltar ao governo acenando para a participação popular na escolha do que fazer será um bom sintoma de que a presidenta está disposta a retomar a normalidade democrática do país, como ela mesma tem propagado.
A primeira versão da “Carta ao Povo Brasileiro” foi lançada em 2002, durante a campanha do ex-presidente Lula. O documento especificou seus compromissos com o governo a serem assumidos se ganhasse a eleição e serviu, na época para ajudar a acalmar os temores do mercado financeiro – que vinha recebendo enxurradas de informações sobre “possíveis perigos” a serem observados caso o petista assumisse o poder.