RBA
Gabriel Vallery
São Paulo – O Brasil chegou a um total de 101.752 mortos pela covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus. Foram 703 óbitos registrados nas últimas 24 horas, conforme boletim desta segunda-feira (10) do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Os infectados são 3.057.470, com acréscimo de 22.048 em 24 horas.
Os números são os oficiais e não incluem, portanto a subnotificação, que é realidade reconhecida por cientistas e até mesmo pelo poder público. O presidente Jair Bolsonaro segue com o descaso pela pandemia e pelos brasileiros mortos que demonstrou desde o começo da crise sanitária. “Abrir o comércio é um risco que eu corro. Se agravar, vai cair no meu colo”, disse, no dia 17 de abril. Na época, eram pouco mais de 2 mil mortos pela doença.
O epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Jesem Orellana lamenta o descaso do poder público no combate ao vírus. “Em torno de 60% dessas vítimas eram homens. Em outras palavras, pais/avós/bisavós que morreram por causa evitável e que transformaram o Dia dos Pais no Brasil em um dos mais tristes e traumáticos da história”, disse, em referência à data comemorada ontem (9).
Governadores e prefeitos que, no início da pandemia, especialmente entre o fim de março e junho, adotavam discursos mais responsáveis em relação ao distanciamento social, também parecem ter naturalizado a tragédia cotidiana. Aglomerações são cada vez mais comuns nas grandes cidades, e as fracas medidas de isolamento são flexibilizadas dia a dia nos estados e municípios. Bares e praias lotadas são o resultado do descaso mostrado pelo governo em relação à covid-19.
E a situação tende a piorar ou, ao menos, manter-se nos trágicos números diários atuais. “Para quem pensa que é exagero falar em 200 mil mortos pela covid-19 no Brasil antes do fim de 2020, é bom lembrar que, até o início de agosto, o Brasil havia registrado ao menos 40 mil mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag) por agente infeccioso não identificado”, lembra Jesem.
“Se adicionarmos a esse número às mortes erroneamente classificadas como não sendo por covid-19, mas que na verdade eram; se somarmos também as mortes indiretas (câncer, diabetes, problemas cardiovasculares ou outros grupos de risco como pacientes em hemodiálise ou com doenças que afetam o sistema imune), nas quais as pessoas morreram por demora ou dificuldade de buscar atenção médica, podemos ter, hoje, entre mortes diretas e indiretas, ao menos 150 mil óbitos atribuíveis à pandemia”, completa, ao lembrar de estudos da Fiocruz sobre mortes em 2020.
O pesquisador é objetivo ao apontar o maior responsável pelo alto número de casos e óbitos da pandemia, e seus impactos sobre a população. “Essa mortandade, atribuível ao fracasso do governo brasileiro no enfrentamento da crise, pode trazer ainda mais mortes evitáveis, aprofundando não só os efeitos residuais da epidemia na esfera econômica e social, como também na saúde mental dos brasileiros, especialmente das centenas de milhares de lares atualmente enlutados e impactados pela perda ou marcante ausência de um ente querido, algumas vezes associada a tristeza profunda e insônia patológica”, afirma Jesem.
O impacto psicológico da pandemia negligenciada, cita Jesem, tende a ser mais uma das consequências negativas do descaso do governo. “Não custa lembrar que parte desse subconjunto de enlutados pode desenvolver quadros associados ao abuso de drogas, especialmente as lícitas (álcool, por exemplo), ansiedade, depressão e risco de suicídio. Esta certamente é uma preocupação de psicólogos e psiquiatras, conhecedores da precária rede de atenção à saúde mental no Brasil, especialmente no norte e nordeste do Brasil”, conta.
O desdém com a covid-19 afeta inclusive, e especialmente, os trabalhadores da Saúde – hoje é Dia da Enfermeira e do Enfermeiro, que nada têm a comemorar. Uma semana atrás, Bolsonaro vetou auxílio para esses e outros profissionais afetados permanentemente ou mortos pela covid-19.
Após atingir o topo de letalidade, covid-19 segue da mesma forma no Brasil