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Eduardo Maretti
São Paulo – Nesta terça-feira (4), o jornal norte-americano The New York Times (NYT) publicou um longo artigo de Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, em que a jornalista denuncia a onda de agressões, fake news e ameaças dirigidas a pessoas que se colocam contra o governo de Jair Bolsonaro e a família do presidente. O caso mais recente e emblemático é o do youtuber Felipe Neto, mas ocorrências do tipo têm envolvido políticos da oposição, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e jornalistas como a própria Patrícia, entre muitos outros.
Felipe Neto se tornou alvo da ira bolsonarista após postar um vídeo no Youtube no dia 15 de julho no qual afirma que “Bolsonaro é o pior presidente do mundo”. A postagem foi divulgada no canal oficial do NYT, um dos mais importantes do mundo, e viralizou. “Nesse momento, vocês estão nos liderando para o abismo”, disse Neto no vídeo, dirigindo-se ao mandatário brasileiro e a seu colega norte-americano Donald Trump.
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Na semana passada, Felipe Neto, que tem 39 milhões de inscritos em seu canal, foi alvo de agressões verbais e ameaças por dois homens em um carro com alto-falantes em frente à sua residência. Um desses homens foi identificado como participante do disparo de fogos de artifício contra a sede do STF, em 13 de junho. Leandro de Souza Cavalieri Valle, que se autodenomina “Cavalieri do Otoni”, postou montagens em que é visto com um fuzil apontado contra o youtuber.
Em seu artigo, Patrícia Campos Mello conta que os homens que atacaram Neto o acusaram de “destruir a ‘instituição mais importante de todas, que é a família’, em um esforço para intimidar o ator, escritor e popular youtuber”. Segundo ela, “o ataque é mais um exemplo de como o vitríolo propagado pelo gabinete do ódio está se estendendo cada vez mais para além da internet”.
Os ataques a Felipe prosseguiram. Em postagem no Twitter na semana passada, o “comunicador” Gustavo Victorino fez pesado ataque contra ele no programa Atualidades Pampa, da gaúcha TV Pampa. “Ele é sim um sujeito que prega sexo entre crianças. E, na minha opinião, um depravado, um pedófilo. Esse cara tinha que estar na cadeia”, afirmou Victorino. Felipe Neto prometeu que vai processá-lo. Depois disso, Victorino divulgou uma retratação, mas Neto afirmou que seguirá com o processo.
Por conta dos ataques ao youtuber, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), declarou na segunda-feira (3) que quer acelerar projeto que prevê punição a quem dissemina fake news. O PL 2630/2020 já foi aprovado no Senado e está em tramitação na Casa. “A covardia é a virtude dos fracos. Esses ataques só reforçam o caráter daqueles que são incapazes de vencer um debate com argumentos e com respeito”, disse. “Vamos acelerar o projeto de combate às fake news”, prometeu Maia.
Para a deputada Natália Bonavides (PT-RN), membro da CPMI das Fake News, o projeto é importante, mas precisa ser aperfeiçoado. “Ele trata de um assunto delicado. Ao mesmo tempo em que é fundamental buscar mecanismos para impedir organizações criminosas que manipulam o debate público, a gente tem que ter cuidado para não aprovar medidas que cerceiem a liberdade de expressão e o direito das pessoas à privacidade”, diz.
De acordo com ela, o PL traz avanços importantes sobre transparência das plataformas, mas tem problemas. Ela destaca a possibilidade de rastreabilidade de mensagens privadas, o que, segundo sua avaliação, possibilita a vigilância em massa das pessoas. O projeto prevê, por exemplo, que se mantenha armazenado por um período os metadados e todas as mensagens enviadas pelas pessoas por meio do WhatsApp.
“Tem gente que acha que isso não é problema, porque os metadados não incluem o conteúdo das mensagens. Mas é sim um problema, porque com eles se pode saber os hábitos das pessoas, seus níveis de contato, por exemplo. O próprio Edward Snowden disse que os metadados dizem tudo”, explica.
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Para a deputada, tal possibilidade na atual conjuntura é preocupante. “Temos no governo um projeto de ditador que usa a estrutura do Ministério da Justiça para perseguir opositores, e é uma combinação perigosa isso com o acesso massivo a esses dados.”
Em 20 de junho, o PT entrou no Conselho de Ética contra a deputada Carla Zambelli (PSL-SP). Um dia antes, o deputado Rogério Correia (PT-MG) divulgou ter enviado ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, um pedido de retenção do passaporte do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, investigado no inquérito das fake news, por ameaças à democracia e por racismo. Em seguida, Zambelli publicou no Twitter que o petista veria a força do “ tsunami bolsonarista”.
“Duas horas depois, minhas redes sociais estavam lotadas de robôs e ameaças. Carla Zambelli é a prova concreta de como eles agem. Avisou no Twitter e logo depois aconteceu.”
Correia anexou os prints (confira amostra abaixo) das postagens e ameaças, inclusive de morte, e toda série de xingamentos e ofensas por apoiadores bolsonaristas, e enviou ao ministro Moraes, responsável pelo inquérito das fake news e ameaças no STF. “Há uma rede, eles determinam e indicam o alvo e então vão em cima com ameaças e outras coisas”, afirma o deputado.