por Marcio Pochmann*
A receita para a redução da desigualdade no capitalismo industrial pode ser sintetizado por três componentes principais. Especialmente a partir do final da segunda grande Guerra Mundial (1939 – 1945), os países industrializados convergiram para a constituição (1) do fundo público ampliado assentado na tributação progressiva, (2) do Estado de bem estar social de cobertura universal e (3) da regulação da relação entre o capital e o trabalho concomitantemente com o estabelecimento do pleno emprego.
Para a ampliação do fundo público, a concentração da tributação sobre os rendimentos da propriedade (juros, lucros, aluguéis e renda da terra) se destacou, aliviando a arrecadação na base da pirâmide social, especialmente sobre os assalariados. O importo de renda, de herança e de riqueza foram os principais instrumentos tributários a contribuir não apenas com a ampliação da receita pública, mas com o efeito corretivo sobre os segmentos dos maiores rendimentos na sociedade.
No caso do Estado de bem estar social coube superar, inicialmente, o antigo Estado mínimo comprometido com apenas as funções de monopólio da tributação, da violência (ação policial e justiça) e da moeda. Assim, a sua constituição representou a universalização da seguridade social, com a garantia dos serviços públicos de boa qualidade (educação, saúde, transporte, saneamento, entre outros) e transferência de renda aos segmentos sociais, especialmente aos pauperizados da população.
Por fim, a regulação das relações entre o capital e o trabalho permitiu que o pleno emprego se realizasse, com o valor do salário mínimo acompanhando os ganhos reais de produtividade. Também a difusão dos contratos coletivos de trabalho pela atuação dos sindicatos favoreceu a proteção dos trabalhadores mais vulneráveis, cuja conquista da estabilidade no emprego foi perseguida pelo repasse da produtividade aos salários.
No Brasil, todavia, a receita de combate à desigualdade terminou ficando no segundo plano. Somente no período democrático iniciado em 1985, que o conjunto de ações mais efetivas terminou sendo aplicadas.
A começar pela Constituição Federal de 1988, responsável por estabelecer as bases do Estado de bem estar social. Com isso, o gasto social que equivalia a 13,5% do Produto Interno Bruto (PIB), em 1985, saltou para 23,4% do PIB no ano de 2014.
Do ponto de vista do combate à desigualdade, os avanços tributários foram praticamente inexistentes, uma vez que a carga do Estado seguiu concentrada na base da pirâmide social brasileira. Os principais tributos em termos de arrecadação do Estado assentam-se no consumo, sendo aqueles mais regressivos possíveis, o que significa dizer que a ampliação do Estado de bem estar social foi financiado pela maior carga tributária paga pelos pobres, não os ricos.
Para a relação entre o capital e trabalho, o salário mínimo se mostrou essencial, especialmente nos anos 2000, com valores reais crescendo acima da média salarial do país. Assim, não apenas os trabalhadores ativos foram favorecidos, como também os inativos beneficiados pela seguridade social.
Tudo isso, contudo, sofre atualmente um revés inquestionável. A elite do país terminou se rebelando contra o modelo de combate à desigualdade social presenciado somente mais recentemente no Brasil.
O governo Temer, porta voz dos interesses da elite revoltada, deságua um conjunto de reformas neoliberais que torna cada vez mais desigual a situação do conjunto dos brasileiros. A classe trabalhadora termina sendo a mais atingida, com o desemprego em alta, o rebaixamento dos salários, o corte nos gastos públicos, especialmente o social, e o fim da previdência social tal como até então se conhecia.
* Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.