El País
Rafa de Miguel
Os protestos em Londres contra o racismo, sob o slogan Black Lives Matter, cresceram em intensidade e número de participantes desde a última quinta-feira, até se tornarem a vanguarda da rejeição global à morte de George Floyd nas mãos da polícia norte-americana. A maioria dos manifestantes manteve uma atitude pacífica, embora dificilmente conseguisse manter a distância social pedida pelo Governo. Cerca de 15.000 pessoas se reuniram no Hyde Park, em Whitehall (a avenida que abriga a maioria dos prédios do Governo) e em frente à nova embaixada dos Estados Unidos em Battersea, na margem sul do rio Tâmisa. Dezenas de furgões policiais e de agentes foram enviadas aos arredores da delegação diplomática, protegida por sua vez no pátio interno por militares norte-americanos. As mobilizações contra o racismo floresceram na Europa, especialmente na Espanha e na França, e em outros países até se tornarem um fenômeno global que agrega reivindicações locais, como é o francês e mexicano.
Os confrontos mais violentos entre manifestantes e forças de segurança aconteceram na sexta-feira, às portas de Downing Street (residência do primeiro-ministro) e no sábado em Whitehall. Grupos pequenos, mas muito ativos, de ativistas lançaram garrafas de vidro e objetos diversos na polícia. Até uma bicicleta, que assustou o cavalo de uma agente e o fez sair correndo. O impacto contra um semáforo derrubou a policial, que quebrou o pescoço, várias costelas e teve um pulmão perfurado, mas fontes da Polícia Metropolitana afirmaram que sua vida não está em perigo. “O número de ataques a policiais foi escandaloso e completamente inaceitável. Sei que muitos daqueles que saíram às ruas para fazer ouvir sua voz ficarão tão chocados quanto eu ao contemplar essas cenas. Não há lugar para a violência em nossa cidade”, disse Cressida Dick, comissária-chefe da Polícia Metropolitana, em um comunicado oficial. A principal responsável pela segurança na cidade garantiu que pelo menos 13 policiais ficaram feridos durante os protestos e 14 manifestantes foram presos. Dada a intensidade da atividade nas ruas de Londres neste domingo, apesar da chuva, as forças de segurança não descartam um aumento no número de prisões.
Pelo menos um milhão e meio de pessoas de raça negra vive em Londres, que tem nove milhões de habitantes. A capital também concentra outro milhão e meio de pessoas de origem asiática.
O Governo de Boris Johnson deve enfrentar esta nova onda de inquietação e protestos dos cidadãos quando ainda não conseguiu controlar totalmente a pandemia. “Apoio fortemente as razões de todos aqueles que se manifestaram, mas o vírus não discrimina e essas enormes concentrações de gente aumentam o risco de contágio”, tentou acalmar os ânimos Matt Hancock, ministro da Saúde, neste domingo na SkyNews. A explosão do fenômeno Black Lives Matter também coincidiu com a notícia, poucos dias antes, de que o número de pessoas infectadas e mortas pelo vírus no Reino Unido havia dobrado, quase triplicado, entre a população negra e outras minorias. Os dados, fornecidos pelo Escritório Nacional de Estatística, não apontam uma causa específica, e o Governo pediu tempo para tirar conclusões concretas, mas a suspeita generalizada usa o bom senso para deduzir que as condições sociais e econômicas destes grupos de cidadãos os tornaram vítimas mais vulneráveis à pandemia. “Ainda existem parceles da nossa sociedade que estão mais preocupadas com o status quo do que com a busca de maior justiça e humanidade”, escreveu Sajid Javid, que foi ministro da Economia durante os primeiros meses do Governo de Johnnson, nas páginas do jornal The Times. Muçulmano de origem humilde, o político conservador pediu a Downing Street que se esforçasse mais em combater a desigualdade racial no Reino Unido. Javid apontou que a proporção de presos negros nas prisões britânicas é ainda maior do que a das prisões norte-americanas.
Apesar do pedido do Governo de que sejam evitadas concentrações em massa, a oposição trabalhista ficou do lado dos manifestantes. “Você não pode ficar em silêncio diante do racismo e da brutalidade policial, e todos esses jovens têm o direito de levantar a voz e exigir mudanças”, disse Lisa Nandy, porta-voz do ministério de Relações Exteriores do “Governo na sombra” do líder da oposição, Keir Starmer.
As manifestações se estenderam por outras cidades do Reino Unido como Edimburgo, Glasgow, Manchester e Bristol. Nesta última, um grupo de ativistas conseguiu derrubar, com a ajuda de cordas, a estátua de Edward Colston, um comerciante de escravos do século XVII que fazia parte da Royal African Company, proprietária do monopólio de ouro, marfim e escravos. Cerca de 84.000 adultos e crianças foram objeto de tráfico humano. Ao redor da estátua derrubada, no centro da cidade, dezenas de manifestantes começaram a dançar como forma de protesto.
Na Espanha, o grito “não consigo respirar” de Lloyd também foi ouvido nas ruas. A organização Comunidade Negra, Africana e Afrodescendente da Espanha (CNAAE) convocou manifestações em uma dezena de cidades do país. Cerca de 3.000 pessoas se reuniram em Madri diante da Embaixada dos Estados Unidos e gritaram em coro mensagens como: “Não há paz sem justiça” e “Vocês, os racistas, são os terroristas”, antes de começarem a marchar em direção à Puerta del Sol. A Delegação do Governo em Madri havia autorizado o protesto com um limite de 200 pessoas e desde que a distância de segurança fosse respeitada, mas a medida foi impossível de cumprir diante de uma afluência que superou esse número várias vezes.
Em Barcelona, centenas de manifestantes lotaram a Plaza Sant Jaume, onde está localizado o Governo regional, sob o lema “As vidas negras importam”. Alguns participantes foram à Plaza Sant Jaume vestidos de preto, seguindo as instruções dos organizadores, e nos cartazes criticaram as mortes por racismo. Segundo a Guarda Urbana, cerca de 3.000 pessoas participaram desde as 11 horas da manhã do ato no qual foi lido um manifesto. “A comunidade negra, africana e afrodescendente da Espanha, pessoas do povo cigano, de Abya Yala, magrebinos, árabes, muçulmanos e asiáticos, juntamente com o resto dos aliados antirracistas, sabemos que esse assassinato não é uma questão pontual, mas que responde à violência histórica e estrutural à qual estão submetidas as pessoas negras nos Estados Unidos”, leram os organizadores.
Cerca de 200 pessoas também se reuniram na Plaza de la Constitución, em Salamanca, onde foram lidos vários manifestos contra a xenofobia e em memória de George Floyd. “Em uma sociedade racista, não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, “De nada serve criticar o racismo nos Estados Unidos se você é racista em seu próprio país”, foram alguns dos slogans escritos nos cartazes na Plaza de la Universidad, em Murcia, onde cerca de 300 pessoas se reuniram, segundo a agência Efe. Logroño também foi palco de uma comovente concentração em memória de George Floyd, em cujo final os participantes (400 segundo os organizadores e 300 segundo a Polícia Nacional) se ajoelham durante oito minutos, lembrando o tempo que permaneceu no chão até a morte.
Como em Madri, as embaixadas dos EUA na Europa foram o local escolhido para alguns protestos. Mais de 10.000 pessoas se reuniram em Copenhague para expressar solidariedade e pedir o fim do racismo e centenas em Budapeste, informa a agência Reuters. Em Roma, vários milhares de pessoas ergueram os punhos ao grito de “Sem justiça não há paz” na famosa Piazza del Popolo. Os manifestantes se ajoelharam em silêncio.
Em Bruxelas, mais de 10.000 pessoas se reuniram neste domingo em frente ao Palácio da Justiça, no centro da capital belga. Apesar de que a maioria dos participantes estava usando máscaras, a distância física nem sempre foi respeitada devido à multidão presente. “A morte de George Floyd despertou muita gente”, disse à imprensa Ange Kaze, porta-voz da organização Belgian Network for Black Lives (Rede Belga pelas Vidas Negras), que convocou a manifestação.
Além disso, cerca de 1.200 manifestantes em Antuérpia e várias centenas em Gent, Oostende e outras cidades belgas também uniram sua voz contra o racismo. O grupo Youth Against Racism (Juventude contra o Racismo) convocou na semana passada uma concentração pelas redes sociais em diferentes cidades belgas. As autoridades municipais não haviam autorizado a passeata, que ocorreu sem incidentes.
Foi um fim de semana de protesto e solidariedade. No sábado também houve grandes concentrações contra o racismo na França, onde as denúncias de violência policial dos últimos anos vieram à tona novamente. Segundo dados do Ministério do Interior, cerca de 23.300 pessoas se manifestaram no país, 5.000 delas em Paris. Cidadãos de outras grandes cidades como Bordeaux, Lyon, Lille, Rennes ou Marselha também saíram às ruas para expressar seu apoio.
Na Alemanha, cerca de 10.000 pessoas se reuniram em silêncio na famosa Alexanderplatz, a maioria vestida de preto e usando máscaras. “O silêncio branco é violência”, gritaram em coro. Os jogadores do Bayern de Munique, líder do campeonato alemão, fizeram o aquecimento neste sábado com uma camiseta com a inscrição “Cartão vermelho ao racismo – BlackLiveMatters”, antes do jogo no campo do Bayer Leverkusen.
Em Liège, no leste da Bélgica, 700 pessoas participaram de uma passeata contra o racismo, de acordo com a polícia. Em Varsóvia participaram mil manifestantes, muitos deles jovens vestidos de preto. Na Austrália, o primeiro país em que aconteceram protestos fora dos Estados Unidos, dezenas de milhares de pessoas se manifestaram no sábado com cartazes com a frase “Não consigo respirar”.