Em artigo, a socióloga Karoline Cavalcante comenta pesquisa da UFPA que confirma o perfil daqueles que foram às ruas no último domingo pelo impeachment de Dilma Rousseff: a maioria é simpática ao PSDB, com alto poder aquisitivo e contra políticas sociais do governo
Por Karoline Cavalcante*
No último domingo, dia 13 de março, milhares de pessoas foram às ruas em Belém do Pará para manifestações organizadas por grupos que defendem um ideário conservador e uma solução pela direita para a atual crise política e econômica brasileira.
Os organizadores do ato falaram em 50 mil pessoas presentes, e a Polícia Militar do Estado do Pará preferiu não se pronunciar sobre os números. Outros analistas avaliaram que a presença não ultrapassou 20 mil pessoas. Ainda que os números anunciados pelos organizadores fossem verossímeis, a quantidade auferida foi inferior aos números aguardados pelos organizadores, que esperavam mais de 80 mil participantes na manifestação pelo impedimento de um governo legitimamente eleito pelo povo brasileiro.
Diferente dos movimentos de junho de 2013, que tinham um caráter reivindicatório por mais direitos, as manifestações ocorridas no último domingo tiveram como foco central o PT, Lula e Dilma. Em Belém, os políticos do PSDB, DEM e PSD acusados de corrupção puderam circular livremente entre os manifestantes.
Entretanto, essa não foi a tônica observada no restante do país, onde o ingrediente central foi a despolitização, com destaque para São Paulo, em que Geraldo Alckmin e o candidato derrotado à presidência da República Aécio Neves foram expulsos das manifestações planejadas, organizadas e financiadas por eles mesmos.
O Laboratório de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA), coordenado pelo professor doutor Edir Veiga, realizou durante o ato uma enquete com os participantes da manifestação ocorrida na capital do estado do Pará, aplicando 283 questionários, objetivando esquadrinhar o perfil dos manifestantes.
Os resultados desta enquete são reveladores das opiniões dos participantes no ato em relação à situação econômica, à identificação política e ao posicionamento sobre ações afirmativas implementadas no país.
Perguntados sobre o partido que mais simpatizam: 3.2% responderam PMDB. Partidos como DEM e PT ficaram com 1.4% e PDT, PSB e outros não atingiram 1%. A maioria dos manifestantes (25.8%) declarou ter simpatia pelo PSDB, partido dos atuais governador do estado e do prefeito da capital Zenaldo Coutinho, que se destaca por ser um dos prefeitos mais rejeitados da história de Belém, segundo as últimas pesquisas de opinião pública.
Jatene e Coutinho foram paradoxalmente poupados pelos manifestantes, embora a cidade esteja sofrendo com péssimos serviços de saúde, educação e segurança, além da tão prometida obra do BRT que tem causado um imenso transtorno aos belenenses. Quando perguntados por qual partido possui mais antipatia, o PT disparou como 77% seguido bem distante pelo PMDB com 2.8%.
Nos últimos 13 anos de governos pós neoliberalismo no Brasil, um conjunto de políticas de distribuição de renda e políticas afirmativas foram implementadas. Entre as principais, podemos destacar o programa Bolsa Família e as cotas para negros e estudantes de escolas públicas. Essas políticas garantiram que uma parcela da sociedade, historicamente excluída, pudesse ter acesso a políticas públicas até então asseguradas a bem poucos.
Com um público majoritariamente de classe média e média-alta que condena essa ascensão social, os manifestantes que participaram dos atos em Belém disseram rejeitar as políticas de distribuição de renda e garantia de direitos às minorias.
Sobre o sistema de cotas das universidades públicas, 61.8% dos entrevistados presentes afirmaram discordar dessa política pública por ser uma política populista do PT. Este número é maior ainda quando a pergunta é sobre o programa Bolsa Família, 67.8% disseram ser contra, 25.1% disseram ser a favor e 6.7% não sabem/não responderam. Ainda segundo o levantamento feito em 13 de março, ampla maioria dos entrevistados na manifestação que afirmaram ser contra os programas de distribuição de renda e inclusão social possuem renda mensal acima de 5 mil reais.
Ao que tudo indica, a oposição liderada pelo PSDB, principal fonte da mobilização e financiamento dos atos, não conseguiu capitalizar politicamente as manifestações. Perguntados sobre o envolvimento do candidato derrotado nas últimas eleições presidenciais, 56.5% disseram acreditar que o tucano Aécio Neves está envolvido em corrupção, 9.5% disseram que não e 23.3% talvez e 10.2% dos entrevistados disseram não sabem ou não responderam.
Em relação ao impedimento da presidenta Dilma, 23.7% responderam que ela deve sair se houver prova de envolvimento com corrupção, 59.4% disseram que ela deve sair pois já existe prova de corrupção, 14.1% de que ela deve sair devido as pedaladas fiscais e 1.1% entendem que ela deve sair porque é comunista, 1.8% não sabem ou não responderam. Ou seja, 23.7% dos que foram às ruas em Belém, no último domingo, não estão totalmente convencidos do envolvimento da presidenta nos escândalos de corrupção, tão pouco do seu afastamento.
Na próxima sexta-feira, 18 de março, em ato convocado pela Frente Brasil Popular, que reúne centenas de sindicatos, entidades e movimentos sociais, será a vez dos apoiadores do governo saírem as ruas. Sem o apoio midiático e direito de transmissão ao vivo pela TV Globo, os apoiadores de Lula e Dilma e da tão jovem e frágil democracia brasileira terão a tarefa de mobilizar aqueles e aquelas que ainda acreditam nas instituições, na democracia e principalmente os que não querem a volta do tempo onde só a elite brasileira frequentava as universidades, andava de avião, enquanto os trabalhadores brasileiros ficavam às margens dos bens que
deveriam ser coletivos produzidos na sociedade brasileira.
Este é o verdadeiro embate que está sendo travado na arena da disputa política em curso em nosso país. Estamos em um estado de disputa social onde uma parcela representativa das classes médias e altas conspiram pela retirada de direitos conquistados. Cabe a nós, que defendemos a continuidade dos avanços, exigir mudanças na política econômica que possibilitem a retomada do crescimento e a ampliação dos programas sociais. Para nos reconectarmos com as camadas populares é necessário afastar de vez as medidas de austeridades, reformas impopulares e de ajustes fiscais que só nos distanciam da nossa base social. É preciso retomar o programa vitorioso de 2014 por mais mudanças, por mais direitos, para garantir a nossa vitória já conquistada nas urnas, nas ruas!
*Karoline Cavalcante é socióloga, especialista em Gestão Estratégica em Políticas Públicas pela Unicamp e atualmente aluna especial do mestrado em Ciência Política da UFPA