Carta Capital
André Barrocal
Na véspera de anunciar o vencedor ou vencedores de um polêmico processo seletivo de fornecedor de produtos e serviços mais baratos para 1,2 milhão de servidores públicos, o Ministério da Economia foi acusado de tentar favorecer bancos. E entre estes, particularmente o BTG Pactual, do qual o ministro Paulo Guedes é um dos fundadores e que tem feito bons negócios no atual governo.
A acusação surgiu em uma audiência pública realizada na Câmara nesta segunda-feira 4 sobre o processo de escolha. Partiu de três personagens: Gilberto Lima, presidente do Instituto Illuminante de Inovação Tecnológica e Impacto Social, Flavio Werneck, diretor jurídico da Federação Nacional dos Policiais Federais, e Roberto Niwa Camilo, dono da Markt Club.
Coube a Camilo, empresário interessado diretamente no assunto, ligar a iniciativa do governo ao BTG. Segundo ele, uma das firmas aprovadas em uma etapa inicial do processo seletivo apresentou uma carta de recomendação do BTG. Trata-se da Allya, startup na qual o banco anunciou, em julho, que faria fé este ano. O time de Guedes lançou o processo três semanas depois desse anúncio.
CartaCapital relatou em setembro as controvérsias do processo e a presença da Allya como competidora. No Congresso, mais de um parlamentar comenta nos bastidores que o Ministério da Economia bola medidas favoráveis ao BTG.
O presidente do BTG, André Esteves, foi estagiário de Guedes no banco no passado. Preso em 2015 na Operação Lava Jato, voltou ao cargo no fim de 2018, a tempo de ver a posse do ministro da área vip. Em agosto passado, Esteves recebeu outra visita da Lava Jato, com base na delação de Antonio Palocci. Em outubro, o banco também foi alvo de busca e apreensão graças ao delator petista.
Prova de que dados pessoais se tornaram fonte de riqueza é a Lei Geral de Dados Pessoais, de agosto de 2018. Entre outras coisas, ela prevê multa de 50 milhões de reais para quem fizer uso indevido de dados alheios. Vai vigorar a partir de agosto de 2020.
Está justamente nos dados pessoais dos servidores a grande polêmica sobre o processo seletivo, alvo de uma ação popular na Justiça e de tentativas de impugnação.
Um clube de compras, serviço que o governo quer proporcionar a todos os servidores federais, funciona assim: uma entidade paga uma mensalidade a um “clube”, este monta uma lista de fornecedores de bens e serviços com descontos e faz propaganda deles perante o servidor, via site ou aplicativo. Para acessar o site ou o app, o servidor precisa informar seus dados pessoais.
A federação diz preocupar-se com o que será feito com os dados pessoais de seus filiados, uma categoria que se arrisca em atividades delicadas. A entidade já proporciona, por conta própria, um clube de compras aos policiais, através de uma empresa contratada, e o sistema dela é considerado mais seguro do que aquele que o governo tenta viabilizar para o funcionalismo em geral.
Para a federação, do jeito que o processo seletivo foi modelado, o governo fornecerá no atacado os dados pessoais de 1,2 milhão de servidores, sem exigir cuidados ou sigilo. Não há previsão, por exemplo, de destruição desses dados, caso o sistema viabilizado pelo governo caduque. No contrato da federação com um “clube de compras” para seus filiados, tem.
O clube de serviços contratado pela federação é a Markt Club, de Roberto Camilo. Este é autor de uma ação popular contra o processo seletivo do governo. A ação, de 2 de outubro, corre na Justiça Federal em Brasília. O juiz Adverci Rates Mendes de Abreu pediu informações ao Ministério da Economia, mas não tinha brecado o processo até a véspera do anúncio do vencedor ou vencedores.
O Ministério não mandou representante à audiência pública na Câmara. Estava convidado o secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal, Wagner Lenhart, mas ele não apareceu. O debate foi promovido pela Comissão de Legislação Participativa, por solicitação do deputado Israel Batista (PV-DF), coordenador da Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público.
Outro deputado, Aliel Machado (PSB-PR), apresentou um requerimento de informações ao Ministério sobre o processo seletivo, por desconfiar de cartas marcadas. Até a conclusão desta reportagem, não havia obtido resposta.