Depoimentos serão enviados, em forma de relatórios, para as Comissões da Verdade Nacional e Estadual
Escrito por: Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro
Ex-diretores do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro presos e torturados relataram a violência cometida contra eles pela ditadura militar. O regime de exceção teve início com o golpe de Estado de 1964 que derrubou o governo democrático e popular de João Goulart e acabou em 1985. Os depoimentos, chamados de Testemunhos da Verdade, foram feitos na última terça-feira (19), no auditório do Sindicato, e serão enviados, em forma de relatórios, à Comissão da Verdade Estadual e à Nacional, para mostrar o que aconteceu realmente nos anos de chumbo no Brasil no movimento sindical. Existe, ainda, a possibilidade de servirem de prova para ações judiciais a
3serem movidas contra os mandantes e executores de torturas e assassinatos.
Os testemunhos sobre a repressão que se abateu sobre os sindicatos estão sendo tomados pelo Grupo de Trabalho Sindical da Comissão da Verdade, em todo o país. No Rio de Janeiro o GT Sindical Estadual escolheu, prioritariamente, os sindicatos mais combativos, e que, por isso mesmo, foram mais atingidos pela dura repressão militar, ente eles o Sindicato dos Bancários, o dos Portuários, Metalúrgicos, Ferroviários e o dos Operários Navais. "Outra intenção é mostrar à sociedade os crimes cometidos pela ditadura e a necessidade de se aperfeiçoar a democracia para que esse tipo de regime nunca mais volte a se implantar no país", afirmou Geraldo Cândido, ex-presidente da CUT/RJ e coordenador do GT Sindical da Comissão da Verdade do Estado do Rio. A representante do Sindicato no GT, Rita Motta, argumentou que a entidade foi um foco de resistência à ditadura e que esses relatos são importantes para mostrar o que aconteceu com a categoria e seus dirigentes naquele período.
Tortura e intervenção
O presidente do Sindicato, Almir Aguiar, frisou, durante o evento, que o depoimento dos ex-dirigentes é de um simbolismo muito grande, já que o Sindicato esteve sob intervenção e muitos diretores da entidade foram mortos.
O primeiro a relatar de que forma a repressão militar atingiu o Sindicato foi Auri Gomes da Silva. Eleito diretor da entidade em 1963, teve seus direitos políticos cassados pela ditadura. "No dia 1º de abril, o Sindicato foi invadido por tropas do Exército. Eu e outros companheiros de diretoria fomos presos, levados para o Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e interrogados. Voltamos ao Sindicato em 1967. Em 1968, com o Ato Institucional número 5, a brutalidade foi maior", contou. Lembrou que toda a diretoria da entidade foi presa e levada para o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna). "Fui colocado, encapuzado, numa cela chamada geladeira durante dias. Não me deixavam dormir, batiam minha cabeça na parede, davam socos, pontapés. Fui torturado também psicologicamente. Diziam que pegariam minha família, que violentariam minha esposa. Trinta dias depois me devolveram para o banco. Queriam arrancar alguma informação", disse.
Samuel Henrique Maleval foi preso pela Polícia Civil e liberado em 1964. Em 1968, foi preso com mais cinco pessoas quando participava da Marcha dos 100 mil. No Dops, torturadores batiam com porretes nas pessoas. "Sangrávamos muito na boca, nas mãos, nas pernas. Perdi vários dentes, mas muitos perderam a vida", lamentou. Em 1975 contou que o Sindicato foi invadido novamente e ficou sob intervenção.
Criminosos impunes
Jorge Couto foi eleito vice-presidente do Sindicato em 1971. Mas não chegou a tomar posse. Teve seus direitos políticos cassados. "Fui levado ao Dops e à Auditoria da Aeronáutica, onde prestei depoimento. A perseguição a bancários e outros sindicalistas foi inclemente, principalmente depois de 1968, com o AI-5. Era o governo Médici", lembra. Segundo Jorge Couto, para se assegurar que a ditadura não voltará é preciso a Comissão da Verdade levar à frente suas investigações. "As pessoas que torturaram e mataram têm que ser julgadas e presas por estes crimes, como já aconteceu em países da América do Sul, como a Argentina e o Chile", defendeu. Couto acrescentou que a Lei da Anistia acabou por acobertar os torturadores. "Isto tem que ser revisto. Os criminosos não podem ficar impunes".
O último a prestar seu testemunho foi o presidente do Sindicato no ano de 1972, Edmilson Martins de Oliveira. "Foi o período Médici, o ditador mais sangrento e violento de todo aquele período. Em 17 de abril de 1972 um batalhão armado invadiu o Sindicato. Prenderam a diretoria toda. Nos xingavam. Queriam saber onde estavam os 'comunistas infiltrados'. Ameaçavam arrancar nossas unhas com alicates. Fizeram tortura psicológica. Ficamos presos 46 dias. Seríamos levados para o DOI-Codi onde certamente seríamos torturados. Isso só não aconteceu porque o cardeal na época, Dom Eugênio Sales, intercedeu", contou. Foi cassado o mandato de toda a diretoria. E mais uma vez o Sindicato ficou sob a intervenção da ditadura.
Participaram da mesa o presidente da Comissão Estadual da Verdade, Wadih Damous; o presidente do Sindicato, Almir AguIar; o dirigente da CUT-RJ Jadir Baptista; o membro da Comissão Estadual da Verdade Geraldo Cândido; a advogada Rosa Cardoso (membro da Comissão Nacional da Verdade); o ex-presidente do Sindicato e dirigente do Conlutas Cyro Garcia (PSTU); e o deputado estadual Gilberto Palmares (PT).