Notícias

home » notícias

25 de Fevereiro de 2014 às 23:00

26/02/2014 - Sete dias e sete noites de aprendizado no Marajó


 

Em caravana realizada pela Fetagri-Pará e CUT, 80 dirigentes sindicais fizeram atividades de formação em sete municípios onde puderam ver de perto a dura realidade dos trabalhares ribeirinhos

Escrito por: Laᆳs Cortês (CUT-PA), Vera Paoloni (CUT-PA) e André Accarini (CUT Nacional) 
 
(Belém-PA) - Como sobreviver com qualidade e ter desenvolvimento sustentável em meio à realidade adversa amazônica e marajoara? Como fazer sindicalismo cutista e integrando rurais e urbanos? Como acessar políticas públicas? E como romper o cordão sanitário do isolamento que cerca a Região Norte, a Amazônia e, especialmente, o Marajó, em que o rio é a rua e o transporte é caro, sem acessibilidade, as distâncias são longas e o tempo é ditado pelas marés? Ver de perto essa realidade, dialogar com a rotina marajoara não de dentro de um gabinete refrigerado e distante, mas ali, na ilharga, essa foi a proposta realizada pela Fetagri-PA, CUT-PA e CUT Nacional dentro do programa de formação da Enfoc (Escola de Formação da Contag).

A caravana da jornada pedagógica durou sete dias e sete noites e percorreu sete municípios do Marajó, num barco que virou escola e moradia de aproximadamente 80 dirigentes sindicais durante uma semana. A TV CUT em parceria com a TVT - a TV dos Trabalhadores - acompanhou a caravana e registrou desde a saída de Belém, em 17 de fevereiro, até cada atividade em Ponta de Pedras, Muaná, São Sebastião da Boa Vista, Curralinho, Breves, Melgaço e Portel. Em breve, um programa especial vai ao ar sobre a viagem.

Neste terceiro módulo da formação, a jornada no Marajó focou em desenvolvimento sustentável, nos desafios de cultivo, assistência técnica, escoamento, acesso a saúde, educação, educação no campo, segurança. E ficou patente a ausência de serviços como bancos nos sete municípios. E a quase inexistência de internet, banda larga. No Marajó, até o serviço básico de internet é muito abaixo do mínimo e ausente enquanto um direito humano, tão vital para a integração e acesso a informações básicas.

A atividade foi promovida pela Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Pará, com apoio da CUT Nacional e CUT-PA e o jornalismo da TVT. Foi a terceira jornada pedagógica no Marajó, para assegurar aprendizado sobre concepção e prática sindical, como fazer sindicalismo e desenvolvimento sustentável. No método aprender-fazendo.

Para a secretária de Formação e Organização da Fetagri-PA, Euci Ana, “um dos objetivos foi juntar concepção com prática. A partir dos diálogos feitos com as bases sindicais, foi possível subsidiar a elaboração de um plano de lutas pela implantação das políticas públicas necessárias para beneficiar os marajoaras, organizando a luta pra ampliar a capacidade de reivindicação”. A iniciativa foi saudada tanto pelos dirigentes dos sindicatos quanto pelos convidados que participaram dos vários encontros.

Melgaço, com 24 mil habitantes, é o município da Ilha da Marajó de menor IDH do País. Em um breve passeio pela cidade, fica evidente a precariedade do saneamento público, problema que se repete nos demais municípios. Em Curralinho, que também ostenta um dos menores índices de desenvolvimento humano, moradores relataram que a atual administração corre contra o tempo para sanar as dívidas deixadas pelo prefeito anterior, que somam mais de 40 milhões de reais. Não sobra dinheiro para educação, saúde, segurança e infraestrutura.

Curralinho, assim como vários dos municípios do Marajó vive de agricultura familiar, principalmente da pesca e da cultura do açaí. E são esses os trabalhadores e trabalhadoras que mais sofrem com a falta de investimentos e execução de políticas públicas que garantam além das necessidades básicas, o desenvolvimento da região.

O arquipélago de Marajó é o maior do planeta, uma região na qual vivem aproximadamente 500 mil pessoas, distribuídas por 16 municípios e pelas margens dos muitos rios do local.  Os ribeirinhos têm pequenas propriedades de onde tiram seu sustento, tanto da terra quanto da água.

Os marajoaras se auto clamam como a “ponta do mundo”,
esquecida pelos poderes públicos na  rota do crescimento,
ainda que os problemas enfrentados sejam de gravidade moderna.

Um deles e que atinge grande parcela da população é falta de recursos econômicos para expandir a produᄃão. Não hᄀ incentivo nesse aspecto para que o pequeno produtor possa crescer. E potencial para isso, existe.  Um desses produtores é  “seu”Sérgio, coordenador da comunidade Armazém no município de Ponta de Pedras.  Trinta e cinco famílias trabalham com o manejo de arroz, a colheita de açaí e da piscicultura. Sérgio relata que cada família consegue um rendimento mensal médio de 800 reais. “Dificuldade? É financiamento que a gente não tem. Se tivesse, dava pra crescer. Mas não tem. E ninguém se importa com isso. A gente tem aqui a terra, a água, a força do trabalho, mas precisa de investimento”, afirma.

Tráfico de drogas -Outro preocupante aspecto é o crescimento do tráfico de drogas que atinge principalmente os jovens da região. Mas não somente eles. As famílias acabam envolvidas no problema, uma vez que a violência praticada por traficantes se estende aos pais e demais familiares. Além disso, o jovem do Marajó tem desistido da atividade no campo porque quer ter o mesmo estilo de vida imposto pelos grandes centros. Moisés Santos, Secretário Geral e de Juventude da Fetagri-Pará afirma que os jovens do Marajó perderam a referência e um pouco da expectativa de uma vida melhor na região. Por isso, abandonam os estudos, ficam vulneráveis às drogas e desenvolvem um anseio por uma vida na capital. A participação da juventude nesta jornada é uma ponte de conhecimento para que os jovens marajoaras passem a refletir que mudar de vida não é deixar a agricultura, e que eles podem e devem se aperfeiçoar através da formação disponibilizada pelos sindicatos e parceiros, podendo assim, contribuir com o desenvolvimento do seu município.

Insegurança - A falta de segurança é uma reivindicação da população marajoara. Tanto em terra quanto nas águas, tem aumentado o índice de violência. Além dos problemas enfrentados por qualquer outra cidade, os municípios desta região sofrem muito com a pirataria, que são assaltos violentos a embarcações, mesmo em movimento nas águas.  Mas, o debate sobre a violência se estende principalmente quando o assunto é violência contra as mulheres.  A violência contra as mulheres tem aumentado nessa região, logo quando chegamos em Muaná fomos informados que as mulheres não deveriam sozinhas pela cidade , principalmente a noite, pois na semana anterior uma jovem havia sido violentada e morta. Outros  crimes que crescem na região é o tráfico humano e  a prostituição. Em meio ao debate todos se perguntam: aonde está o poder público, os governantes, a polícia? 

Garra -Raimunda de Mascena, ex-dirigente da CUT, hoje assessora da Ministra de Políticas para as Mulheres, Eleonora (sobrenome) foi uma delas. “O que o movimento sindical precisa é disso: de gente com garra, com vontade, para sair a campo, conhecer de perto os problemas e traçar uma estratégia. Assim tem que ser um sindicato: de luta!”, afirmou.  O presidente da CUT.Pa, Martinho Sousa, complementa: “o movimento sindical cutista só tem sentido porque é linha de frente na organização da classe trabalhadora”.

Sem bancos -Outra dificuldade encontrada é a escassez da rede bancária do arquipélago do Marajó. Não há muitas agências bancárias. Em São Sebastião da Vista, por exemplo, a única instituição financeira presente existia apenas para gerar novas contas, mas o caixa eletrônico não realizava a operação de saques. Há apenas a agência dos Correios que atua como “correspondente bancário”. “A gente pode sacar só 600 reais, depositar até 800 reais. Às vezes, precisa de dinheiro para alguma coisa e não tem como usar. Isso trava o crescimento da região. Se tivesse uma circulação maior de dinheiro, o desenvolvimento seria mais rápido. A cidade já tem mais de 150 anos e ainda está desse jeito”, relata um dos moradores. 

Para Vera Paoloni, Secretária de Comunicação da CUT-PA, os bancos não instalam agências na região por absoluto descompromisso com a população. Vera, que é bancária, afirma que “bancos só têm interesse em colocar agências onde a circulação de dinheiro é muito grande, onde o lucro é maior. Não hᄀ uma preocupação com o social, com a prestação de serviço ao cidadão. E nem há cobrança por parte do poder público, pois agência bancária e uma concessão pública. Essa é uma das razões porque nós, do movimento sindical, exigimos que se faça uma Conferência do Sistema Financeiro. Cadê o Bradesco, o Itaú, o HSBC, o Santander? Não tem um banco privado no Marajó e até os públicos são rarefeitos”

Sem internet – O povo do Marajó está literalmente ilhado e isso não é um relato geográfico. Não há banda larga, inclusão digital e comunicação, enquanto um direito humano. A população do arquipélago do Marajó vive uma dura realidade, baseada na constante luta por um reconhecimento de cidadania. E essa luta é reforçada pelos movimentos social e sindical.

A jornada incluiu também o debate da  democratização da comunicação como fator determinante para o desenvolvimento. Os participantes conheceram com mais detalhes e comprometeram com a coleta de assinaturas para o Projeto de Le ide Iniciativa Popular - Por uma Lei da Mídia Democrática. Na maioria dos municípios apenas uma das companhias telefônicas atende às necessidades de comunicação móvel e de internet.

Em meio a jornada também foi debatido a educação no campo,  que deve ser  construída num espaço de lutas dos movimentos sociais e sindicais, que deve ser regionalizada. Para a professora e secretária de mulheres da CUT-PA, Raimunda Barreto, “é preciso dar maior atenção ao tema da educação do campo. A educação deve ser estendida para o conhecimento do dia a dia do ribeirinho, do quilombola, do rural, é importante as crianças e jovens se sentirem inseridos, conseguirem se enxergar naquilo que os livros, os professores estão lecionando. A falta de formação profissional na área agropecuária, agrícola,  é uma das barreiras para que o jovens queiram  continuar em suas terras”.

 

 

Por que não inserir o açaí na merenda escolar?
Por que não realizar parcerias com os produtores locais
para fornecer a merenda escolar com qualidade? 

Para a dirigente da CUT e da FetagriPa, Maria Rosa, “é preciso cobrar dos governantes os investimentos necessários na educação, como por exemplo na merenda escolar que é tão importante quanto materiais didáticos. Por que não inserir o açaí na merenda escolar? Por que não realizar parcerias com os produtores locais para fornecer a merenda escolar com qualidade? Esse debate deve ser travado pela população, temos que ir à luta por uma educação de qualidade , com profissionais valorizados e infraestrutura” .

SUS e Saúde -A saúde também foi  debatida nesta viagem, e como  foi observado e relato pelos moradoresᅠ as cidades têm pouca estrutura, quase nada de saneamento básico, o que deixa a saúde da população precarizada. Os investimentos são quase inexistentes,  faltam profissionais, remédios, os agentes  comunitários de endemias e de saúde se desdobram para alertar a população sobre os cuidados  e maneiras de prevenção de doenças. A dirigente do SindSaúde, Josilene Santos, participou ativamente de toda a jornada, conversando sobre o SUS e a importância e organização dos sindicatos nos conselhos municipais de saúde.

Para a trabalhadora rural e vice-presidenta da CUT Nacional, Carmen Foro, “a jornada Pedagógica do Marajó foi bem mais que  coleta de dados,  ou  debates,  foi uma rica e emocionante troca de experiências. Foi um olhar bem de perto da região e toda sua complexidade e cultura, valorização da luta e do time que luta diariamente na realidade marajoara.  Mesmo com todas as dificuldades, cada debate, cada momento foi de um aprendizado único e de muita luta. É gratificante conhecer a realidade, as diferenças e a alegria contagiantes de um povo trabalhador que luta sem parar na busca de ampliar os direitos da classe trabalhadora e que estes direitos sejam sustentáveis e solidários”.

Da jornada no Marajó fica um belo ensinamento.  Agora é trabalhar pra mudar a realidade de uma quase cidadania para cidadania plena! Desafio e tanto, mas a CUT e a Fetagri.Pa e suas pautas e lutas são feitas de desafios!

 


Notícias Relacionadas