O coronel reformado do Exército Paulo Malhães disse à Comissão Estadual da Verdade do Rio que a busca pelos restos mortais de militantes de esquerda desaparecidos na Guerrilha do Araguaia é inútil. Ele contou que, na segunda metade da década de 1970, foi encarregado de chefiar uma missão na região da guerrilha, no sul do Pará, cujo objetivo era desaparecer para sempre com os corpos.
Segundo seu relato, eles foram desenterrados e jogados em rios, após terem arcadas e dedos das mãos arrancadas, para não serem identificados.
Ainda de acordo com o coronel, na chamada "operação limpeza" do Araguaia teriam sido empregadas as mesmas técnicas utilizadas para o desaparecimento de opositores do regime militar em áreas urbanas. Os corpos eram postos em sacos impermeáveis e com pedras de peso calculado, para impedir que afundassem completamente ou flutuassem. O ventre da vítima também era cortado, evitando assim que inchasse.
O objetivo era criar condições para que o corpo fosse arrastado pelo rio. "Podem escavar o Brasil todo, mas não vão achar ninguém, porque nós desaparecemos com todo mundo", disse Malhães.
O coronel aceitou um convite da Comissão Estadual da Verdade do Rio para falar sobre sua atuação no Centro de Informações do Exército (CIE), na década de 1970. Recebeu em sua casa uma integrante e um assessor do grupo e, em dois encontros, no período próximo ao Carnaval, falou durante 17 horas.
A primeira parte do material, com dez horas de duração, já foi desgravada. Os jornais O Globo e O Dia, do Rio, divulgaram na semana passada trechos do depoimento, nos quais Malhães falou de sua atuação nos órgãos de repressão do Rio e em São Paulo. Citou, entre outras coisas, o caso do ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido em 1971.
Na segunda parte, que ainda não está desgravada, o militar abordou a questão do Araguaia. "Ele disse que essa 'operação limpeza' empregou os mesmos métodos em todo o País, quando se decidiu desaparecer com os corpos", disse ontem ao Estado o presidente da Comissão Estadual, advogado Wadih Damous. "Contou que chefiou a operação na região da guerrilha, durante a qual desenterravam os corpos e desapareciam com eles. O padrão era o mesmo: após os cortes no abdômen, ensacavam e jogavam no rio, com pedras. Isso era feito lá mesmo, nos locais onde eram encontrados."
Malhães, hoje com 76 anos, foi uma importante peça na engrenagem do CIE, dedicado à informação e à repressão nos anos da ditadura. Ele fazia parte do núcleo mais duro da instituição e foi um dos responsáveis pela Casa da Morte, em Petrópolis - o maior centro de tortura e desaparecimento de presos políticos do País entre 1971 e 1973.
Para Damous, que também preside a Comissão Nacional de Direitos Humanas da OAB, ainda não é possível dizer o quanto são verídicas as informações do coronel. "Quem tem que vir a público agora são as autoridades, o ministro da Defesa, os comandantes das Forças Armadas. O País precisa de uma palavra de uma palavra oficial do Estado sobre esses fatos", afirmou. "Se não fizerem isso, nunca saberemos a verdade. Não dá mais para conviver com essa omissão do Estado brasileiro. As autoridades militares têm que confirmar ou desmentir o relato do coronel, que afirma ter executado a operação a mando das Forças Armadas."
Fonte: O Estado de S.Paulo