Caminhada iniciou na Avenida Paulista e terminou no Teatro Municipal
A CUT, movimentos sociais e militantes atentos à questão dos negros realizaram, nesta quinta-feira (20), a 11ª Marcha da Consciência Negra, em São Paulo (SP). Os mais de 2.000 participantes caminharam do Masp ao Teatro Municipal, no centro, defendendo reforma política, democratização da comunicação, implementação de Leis antirracismo e entoando cantos de protesto contra o genocídio da juventude negra.
Para a secretária nacional de Combate ao Racismo da CUT, Maria Júlia Reis Nogueira, o Estado brasileiro tem uma dívida histórica com a população negra e o dia da Consciência Negra, além de importante celebração, também é para exigir políticas públicas que garantam direitos sociais, políticos e econômicos.
"Nós temos um longo caminho a ser trilhado para termos uma igualdade de tratamento entre todos os brasileiros. Esse caminho passa pelo reconhecimento maior da luta da população negra, pela efetiva implementação de leis que já existem, pelo olhar especial para a saúde da população negra, pelo fim do extermínio da juventude nas periferias e pela defesa de dias como o 20 de novembro, dia de Zumbi", destaca Júlia.
Segundo a secretária de Combate ao Racismo da CUT/SP, Rosana Aparecida da Silva, "depois de uma eleição com grande luta de classes, a Marcha vem para reafirmar as propostas dos movimentos populares em torno da união, de parcerias para combater a discriminação e por políticas públicas. Queremos um país justo, unido, igualitário e não fragmentado".
Marcha das 7 pautas
Diferente das marchas anteriores, não houve uma pauta única da Marcha da Consciência Negra 2014, mas a defesa de sete eixos que podem garantir uma mudança estrutural na sociedade: reforma política; reforma da mídia; desmilitarização da PM e fim dos autos de resistência; fim do feminicídio contra a mulher negra; pela destinação de mais recursos para políticas de inclusão; pela implantação das leis antirracismo e pelo direito de expressão das religiões de matriz africana.
Apesar dos 51% autodeclarados negros no Brasil, segundo o Censo IBGE de 2010, apenas 8% se identificam como tal no Congresso, distorção que só será corrigida com mudanças profundas no sistema político. "O povo negro terá mais representação somente com uma reforma política que acabe com o financiamento privado de campanha eleitoral, pois não temos espaço porque só quem tem dinheiro é que se elege", pontua Rosana.
Em setembro, movimentos sociais foram às ruas pelo Plebiscito pela Reforma Política, angariando cerca de 8 milhões de votos, dos quais 97% sendo favoráveis à convocação de uma Constituinte Exclusiva para esse fim.
Para o ícone rapper Genival Oliveira Gonçalves, o GOG, é preciso que a população perceba que "mesmo não gostando de política, a política é uma vitamina que você precisa para o seu corpo. Aquela verdura não é saborosa ao paladar, mas você precisa consumir, porque ela define os rumos do país".
Sobre democratização da comunicação, diz GOG que nessas últimas eleições ficou clara uma tentativa e golpe midiático. "Esses que se dizem quase um quarto poder não tiverem nenhum escrúpulo no sentido de mentir, ludibriar, colocar inverdades. E não estou dizendo de partido A ou B, estou dizendo da manipulação das informações", aponta.
Os movimentos ligados à Comunicação defendem um projeto de Lei de Iniciativa Popular (PLIP) pela Democratização dos Meios de Comunicação, que, entre seus objetivos, tem o de promover a maior diversidade étnico-racial na comunicação eletrônica e o de responsabilizar veículos pela divulgação de conteúdo racista na mídia. Confira o Projeto de Lei da Mídia Democrática.
Sandra Mariano, da Coordenação Nacional das Entidades Negras (Conen), critica a invisibilidade das pautas do povo negro na mídia e avalia que a questão racial e a diversidade só terão espaço com a democratização das comunicações. Para ela, os estereótipos exibidos nos programas e propagandas também são formas de violência.
"A imagem da mulher negra é depreciação, exposição do corpo e consumo e, nas novelas, ela aparece sempre relegada ao segundo plano. São formas de violência porque você não se vê na televisão", destaca Sandra.
Na mesma linha, Flávio Jorge Rodrigues da Silva, da Conen, também destaca a democratização da mídia como essencial para a quebra de estereótipos negativos construídos em torno da população negra. "O racismo existe no Brasil em consequência de um pensamento conservador que é hegemônico na sociedade brasileira. E o principal meio que sustenta esse pensamento conservador no Brasil são os meios de comunicação", avalia.
Juventude negra viva!
O Brasil é o 8º colocado no ranking mundial de homicídios de jovens, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) e os dados comprovam que esse tipo de violência tem cor - a cada três assassinatos no país, dois vitimam jovens de 19 a 29 anos e, destes, 75% são homens negros, segundo o Mapa da Violência 2014. Socialmente excluída, a juventude negra é tanto alvo da polícia repressora, quanto da criminalidade.
"Temos que garantir que essa juventude possa viver e, para isso, é necessário que a desmilitarização da polícia seja encampada pelo movimento negro, pois a ditadura acabou, mas a PM mantém os mesmos métodos de tortura e desaparecimento. Outra proposta é debater a legalização da maconha e outras drogas porque, quando não é exterminada, a juventude negra é encarcerada em massas devido à criminalização e ao tráfico de drogas", opina Bruno Matos, de 25 anos, membro do Coletivo Rua Juventude Anticapitalista.
O movimento negro defende o fim dos "autos de resistência" por meio da aprovação do Projeto de Lei 4471/12, que obriga a investigação de mortes e lesões corporais cometidas por policiais. Hoje, a polícia registra a morte de jovens nas periferias como auto de resistência ou resistência seguida de morte, o que não é investigado e acaba sendo usado para encobrir ações irregulares. O PL está na Câmara do Deputados.
Leis antirracismo existem, mas não são cumpridas
Crédito: CUT
Mais investimento em material didático e formação são os meios para garantir na prática a aplicação da Lei 10.639/03, que obriga o ensino da História e da cultura da África e dos afrodescendentes nas escolas públicas, afirma Walmir Siqueira, membro do Coletivo Antirracismo "Milton Santos", do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), e presidente do Coletivo LGBT da CUT/SP.
Ao presenciar situações de racismo, muitos professores (as) não estão preparados para lidar com a questão em sala de aula, relata o dirigente, e as escolas estaduais não têm linha pedagógica ou direcionamento para abordar questões que atingem a população, como a discriminação. "Depois de tudo o que tem sido expresso desde as eleições nas redes sociais, agora, mais do que nunca, é preciso falar disso nas escolas porque a sociedade mostrou que é preconceituosa, até com separatistas em pleno século XXI, e não há uma preocupação em se falar sobre o tema", critica Siqueira.
Segundo nota emitida pelos organizadores da marcha, tem sido comum a inobservância de decretos presidenciais, leis e direitos constitucionais que garantam direitos à população negra. É preciso "fiscalizar e implementar leis federais e aprovar leis estaduais correlatas que tipificam e estabelecem pena aos crimes de racismo", dizem as organizações.
Cidade planejada para excluir
Defendendo a reforma urbana e a moradia popular, Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, da Central de Movimentos Populares (CPM), criticou a especulação imobiliária e disse que é um ato de resistência o povo negro não aceitar a segregação. "A periferia não é geográfica, é a que existe no sistema capitalista. Eu moro no centro e estou na periferia, nunca fui aos teatros da região porque não tenho condições financeiras. Isso para mim é periferia. Ou se constrói moradia nas regiões centrais, onde o povo pobre negro está vivendo, ou veremos um novo apartheid", argumenta.
O coordenador da Comissão de Igualdade Racial do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Daniel Calazans, também aponta a reconfiguração da cidade como uma reforma de política urbana que ajuda na inserção dos negros na sociedade. O sindicalista destaca ações como Minha Casa Minha Vida, os Ceus e a melhoria dos transportes coletivos como essenciais neste processo de reconfiguração de cidade.
"Na periferia, 70% dos trabalhadores ganham salário mínimo, que dá conta de trazer a comida, e, o que sobra, ele gasta para ir ao emprego e voltar para casa. Ir ao cinema é caro, ir ao teatro é caro. Depende de transporte público, no qual vai pagar caro". Para Calazans, é preciso pensar na possibilidade de transporte gratuito, mantido com impostos, que sirva tanto a aquele que pode pagar quanto para aquele que não pode. "Isso não é uma dádiva, é um direito", defende.
Animação
A cultura negra deu o tom da Marcha, com samba, rap, batuque, pontos de Umbanda e Candomblé, além das roupas simbólicas para o Movimento. Também estavam presentes a ala das baianas, a bateria e as passistas da escola de samba Flor de Vila Dalila e ritmistas da Unidos de Guaianases.
Fonte: Flaviana Serafim e Henri Chevalier - CUT