A procuradora regional do Ministério Público do Trabalho (MPT) do Distrito Federal e Tocantins, Adriane Reis Araújo, criticou as metas individuais estabelecidas para aferir a produção dos trabalhadores, durante entrevista concedida à imprensa da Contraf-CUT.
Autora dos livros "Trabalho de mulher: mitos, riscos e transformações" e "Assédio Moral Organizacional", ela falou sobre as metas abusivas, o assédio moral, a saúde e as condições de trabalho, em especial no ramo financeiro.
"No caso dos bancários, é abusiva a vinculação da meta individual à coletiva dentro da agência. É também abusiva uma meta que exige o trabalho contínuo em jornada extraordinária para seu cumprimento", afirmou a procuradora, que é mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e doutoranda da Universidad Complutense de Madrid.
Adriane enfatizou a necessidade de diálogo com as entidades sindicais. "Creio que a melhor maneira seria afirmar expressamente que toda e qualquer fixação de metas na empresa depende de prévia negociação coletiva", defendeu.
Ela chamou ainda a atenção para o fato de que vem crescendo o número de empresas que instituem metas inalcançáveis como mecanismo de aceleração do ritmo de trabalho. Segundo a procuradora, a Justiça do Trabalho tem tratado esses casos com mais rigor ao declarar a ilicitude do comportamento empresarial e fixar o pagamento de indenizações por danos morais aos empregados.
Confira a íntegra da entrevista:
Como tem sido a percepção da Justiça do Trabalho em relação às metas abusivas, assédio moral e adoecimento dos trabalhadores?
O contrato de trabalho vem sofrendo modificações em razão da mudança do perfil da empresa e dos modelos de gestão da mão-de-obra, que remetem a responsabilidade pela produção ao empregado e flexibilizam a remuneração por meio do pagamento de prêmios quando o trabalhador atinge as metas fixadas pela administração.
Contudo, tem-se observado um crescente excesso das empresas que instituem metas inalcançáveis como mecanismo de aceleração do ritmo de trabalho. A Justiça do Trabalho progressivamente vem declarando a ilicitude do comportamento empresarial na cobrança de metas abusivas e condenando os empregadores ao pagamento de indenização por danos morais ao empregado lesado.
A condenação em regra ocorre quando há a comprovação do adoecimento físico ou psíquico do trabalho, diante da dificuldade de estabelecer os parâmetros entre uma meta razoável e uma meta abusiva.
As metas, desde a sua fixação até a apuração dos resultados, não deveriam passar por negociação entre patrões e empregados, considerando que as metas são parte do processo e organização do trabalho? Qual a sua opinião?
As metas compõem o conjunto das condições de trabalho e influem inclusive no meio ambiente de trabalho. Os sindicatos, no paradigma constitucional vigente, têm o relevante papel de falar em nome da categoria sobre as condições de trabalho, negociando com o empregador. Logo, o sindicato deve negociar os parâmetros para o estabelecimento das metas pelo empregador porque elas têm interferido diretamente no modo de realizaᄃão das atividades, no tempo dispensado para sua realização, no conteúdo da obrigação contratada e no ritmo das tarefas.
Essa negociação deveria ser imediata à decisão empresarial de imposição de metas. De qualquer modo, diante de denúncias de metas abusivas, o sindicato deve incluir na pauta de reivindicações os parâmetros das metas a serem fixadas pela empresa.
Como podemos afirmar que uma meta é abusiva?
Certamente é difícil reconhecer de forma objetiva a abusividade de uma meta, mas temos algumas pistas. Eu considero abusiva a meta estabelecida sem que se vincule diretamente com a atividade do trabalhador. Por exemplo, é abusiva a cobrança de metas aos motoristas e cobradores do transporte urbano, pois se eles têm uma jornada fixa, uma rota pré-estabelecida, a sua influência no resultado positivo ou negativo da meta depende, sobretudo, da sorte.
No ramo financeiro, os bancários procuram associar a questão das metas com o elevado grau de adoecimento e afastamentos no setor, além de ser fator de risco para a saúde do trabalhador. É o caminho?
É um dos caminhos. No caso dos bancários, é abusiva a vinculação da meta individual à coletiva dentro da agência. É também abusiva uma meta que exige o trabalho contínuo em jornada extraordinária para seu cumprimento. As horas extras devem ser sempre algo fora do ritmo normal de trabalho.
Também pode ser considerada abusiva a meta que estimula um comportamento antiético do trabalhador, como, por exemplo, se o bancário é levado a vender títulos, seguros ou outros serviços a parentes e amigos em festas domésticas. Por fim, é abusiva a meta inalcançável, que gera um permanente estado de insegurança e ansiedade no conjunto dos trabalhadores.
Até onde vai o poder diretivo do empregador ao impor metas cada vez mais abusivas aos trabalhadores? Como a CLT poderia e pode regular essa ação?
O poder diretivo do empregador tem um limite claro no texto constitucional: ele deve respeitar a dignidade do trabalhador (artigo 1º, item III da Constituição Federal), a qual inclui a integridade física e psíquica, todos os direitos fundamentais e sociais, contidos nos artigos 5º a 8º, como, por exemplo, a jornada diária, os descansos, as férias, o direito a uma remuneração justa e o exercício da liberdade sindical.
A CLT nunca poderá esgotar as hipóteses de metas abusivas ou não. Ela poderia apenas estabelecer parâmetros genéricos para facilitar a atuação da fiscalização do trabalho. Em consequência, ficaria facilitada também a ação regressiva do INSS para recobrar os valores dos benefícios pagos aos trabalhadores, quando demonstrada a negligência ou intenção da empresa em gerar um ambiente de trabalho nocivo, bem como aumento da classificação de risco para efeito de recolhimento da contribuição ao SAT/RAT.
No âmbito da atuação sindical, creio que a melhor maneira seria afirmar expressamente que toda e qualquer fixação de metas na empresa depende de prévia negociação coletiva.
Fonte: Contraf-CUT