Martin Arnold
Financial Times, de Davos
Dependendo em quem você acreditar, você pode pensar que os bancos já deixaram a crise para trás e estão por embarcar em uma recuperação mais do que tardia ou que ainda vão continuar a cambalear por muitos anos.
Nos bastidores do fórum em Davos, a maioria dos executivos de bancos admite que seu setor passa por uma transformação estrutural, como ainda não se havia visto nesta geração. Predominam as conversas sobre rentabilidade estável ou mesmo permanentemente em um patamar mais baixo. Alguns financistas preveem que o setor vai ser dominado por poucos grandes nomes financeiros globais, com modelos de negócios bem diferentes dos atuais.
"Vamos acabar tendo uma concentração enorme no mercado, com os grupos dominantes em cada área tendo volumes maiores e um modelo mais parecido ao das concessionárias, com mais transparência e um custo menor dos bens, mas ainda representando um bom retorno sobre o capital", disse Anshu Jain, coexecutivo-chefe do Deutsche Bank.
As autoridades reguladoras vêm obrigando os bancos a ter muito mais capital e a reduzir sua alavancagem, o que torna algumas áreas de negócios deficitárias. Isso vem levando alguns bancos a abandonar essas áreas, seja vendendo-as ou fechando-as. Nos EUA, a regra Volcker passou a restringir a compra e venda de valores mobiliários com capital próprio dos bancos.
Além disso, a negociação de derivativos e de títulos de dívidas está se afastando dos mercados de balcão, nebulosos, mas muito lucrativos para os bancos, e se dirigindo a bolsas mais transparentes. Muitos executivos de banco estão resignados ao fato de que isso vai derrubar os preços.
"Para exercer sua função social de conectar o capital com pessoas e ideias, a área de banco de investimento vai ter de voltar a ser um negócio em circulação [negociar em nome dos clientes], em vez de um negócio parado [negociar com o próprio dinheiro do banco]", disse o presidente do conselho de administração no Reino Unido do Berenberg (banco mais antigo da Alemanha com raízes que datam de 1590).
Os bancos europeus e americanos em dificuldade para crescer se verão forçados a cortar custos, segundo a firma de consultoria Oliver Wyman. Apesar de toda a reestruturação das firmas nos últimos anos, a relação entre custo e lucro operacional dos bancos europeus e americanos aumentou entre 2006 e 2012, para mais de 60%, ressalta a Oliver Wyman.
Uma tendência que preocupa as autoridades reguladoras é a transferência de parte das atividades mais arriscadas de compra e venda de ativos para o setor bancário paralelo, menos regulado, composto por fundos hedge e fundos de investimento em participações, entre outros veículos.
Em Davos, vê-se um debate dinâmico sobre os riscos dos esforços da China em apertar a liquidez e domar seu próprio setor bancário paralelo, em plena expansão. O executivo-chefe do grupo de investimento em participações Blackstone, Steve Schwarzman, destacou que os bancos paralelos representam 30% do sistema financeiro na China.
"É muito, surgiu do nada; e estão cobrando 10% ou 11% por empréstimos, o que mostra como as pessoas estão desesperadas por dinheiro lá", afirmou.
Os bancos europeus também se deparam com um ano complicado. Vão estar sujeitos a uma revisão da qualidade de seus ativos e a testes de estresse do Banco Central Europeu (BCE), como medidas precursoras para a criação de uma união bancária da região do euro.
Há ceticismo quanto aos testes de estresse e se realmente servem para revelar a real condição do balanço dos bancos. Especialmente, depois de 2011, quando a instituição de crédito franco-belga Dexia, classificada como tendo condições financeiras sólidas, acabou precisando de um terceiro pacote de resgate financeiro.
Esse contexto significa que o BCE vai querer assegurar um processo rigoroso, mas sem levar pânico aos mercados financeiro ou sufocar o já debilitado volume de concessão de crédito pelos bancos.
Axel Weber, presidente do conselho de administração do UBS, alertou para a gravidade dos obstáculos que os bancos mais frágeis da Europa vão ter pela frente.
"Acredito que parte dos bancos não vai passar nos testes de estresse", disse Weber. "Não acho que, a esta altura, os mercados vão fornecer capital suficiente, pelos menos, não para os bancos que estão em dúvida."
Antony Jenkins, executivo-chefe do Barclays, também ressaltou como a crise ainda assombra os bancos: "Ainda vamos ter uma quantia significativa de trabalho para concluir a instituição de todas as mudanças reguladoras; e isso não vai acontecer até o fim desta década".
Com tanto para digerir, não é de surpreender que os executivos de bancos tenham pouco tempo para tratar de seu próximo desafio: como entrar na revolução digital que, segundo preveem alguns especialistas, está por reformular todo o setor.
Fonte: Valor Econômico