Os cofres públicos podem sofrer um revés de R$ 2 bilhões devido a possíveis falhas do Banco Central na fiscalização de três instituições financeiras envolvidas em irregularidades. Os processos trazem de volta à tona escândalos, como os casos Naji Nahas, Coroa-Brastel e Banco Ipiranga.
As empresas envolvidas nesses processos foram liquidadas extrajudicialmente há mais de 20 anos. Desde então, ex-controladores e credores cobram, na Justiça, ressarcimento do BC. O saldo desses embates tem sido desfavorável à autoridade monetária, que foi condenada, recentemente, em todas essas ações.
A autarquia ainda espera reverter as condenações nos tribunais. Nosso histórico é de vitórias, e não de derrotas, disse uma fonte do órgão. A instituição obteve decisões favoráveis em 94,2% das causas envolvendo liquidações extrajudiciais nas quais foi ré. Neles, conseguiu evitar danos aos cofres públicos de mais de R$ 156,4 bilhões. Em 4,1% dos processos, porém, as sentenças foram desfavoráveis ao BC.
É o caso do processo movido pelos ex-controladores da corretora Celton. Em 21 de junho de 1989, o órgão decretou a liquidação extrajudicial da empresa e de outras quatro corretoras acusadas de participar do escândalo Naji Nahas, de manipulação de preços de ações. O crime culminou na quebra da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, 11 anos depois.
Os advogados da Celton questionam na Justiça a legalidade da liquidação e refutam a participação nos crimes financeiros. A respeito da falência, alegam que a empresa tinha patrimônio líquido positivo quando foi fechada, em 1989. Por esse motivo, pedem reparação e indenização por danos à imagem dos sócios. Em valores corrigidos, o prejuízo ao erário público seria de quase meio bilhão de reais. Só de honorários aos advogados, o BC pode ter de pagar R$ 40,5 milhões.
O processo se arrasta na Justiça há 17 anos. Em 18 de outubro de 1999, uma decisão de primeira instância considerou o pedido da Celton totalmente improcedente. Cinco anos depois, ao julgar recurso dos advogados da corretora, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em votação dividida, deu ganho ao ex-controlador, Raul Aguinaga. Um novo julgamento está marcado para 6 de maio.
Em nota, o BC avisou que atuará com vigor na defesa do erário e que resistirá firmemente contra o que chamou de questionável sanha indenizatória do empresário. Para a instituição, o ex-controlador da Celton pretende enriquecer ilicitamente, fazendo sangrar os cofres públicos.
A autarquia também afirmou que, ao decretar a liquidação da corretora, cumpriu com seu dever legal de proteger a sociedade, e cravou: Agraciar com indenização uma empresa envolvida num dos maiores escândalos do mercado de capitais brasileiro seria premiar a delinquência contra o sistema financeiro, o que não se espera da Justiça Federal do país nesse segundo julgamento.
Briga perdida
A polêmica em torno da liquidação da Celton é apenas mais uma das batalhas que o BC trava na Justiça. Outros dois processos emblemáticos também tiveram, recentemente, desfecho desfavorável à instituição. Em 25 de março deste ano, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve decisão que condenava a autoridade monetária a indenizar em R$ 400 milhões os credores de uma corretora que teve prejuízos no escândalo Coroa-Brastel. O caso se arrasta há mais de 20 anos, e, apesar de já ter sido julgado em última instância, o BC promete recorrer ao plenário do STF.
Outra briga perdida pelo órgão diz respeito à liquidação do Banco Ipiranga, na década de 1970. Os ex-controladores alegam que o gestor indicado para administrar a massa falida do banco cometeu irregularidades que resultaram no encolhimento do patrimônio que seria repartido entre os credores.
Todas as etapas judiciais foram desfavoráveis ao governo. Assim, não cabe mais recurso das decisões. Agora, a batalha gira em torno do valor da causa: os ex-controladores do Ipiranga pedem indenização de R$ 1 bilhão, mas o BC tenta reduzir o valor.
Golpes no sistema financeiro com grande repercussão desafiam há décadas a credibilidade do Banco Central (BC). Desde os anos de 1970, a ação fiscalizadora da autoridade monetária vem sendo questionada. No mais escandaloso dos casos, envolvendo ao menos 13 empresas de fachada administradas pelo investidor Naji Nahas (foto), uma série de crimes investigados pela Polícia Federal foram praticados mediante gestão fraudulenta de contas bancárias, de empréstimos e de operações no mercado de dólar.
Só em 2011 o BC encerrou a liquidação extrajudicial da distribuidora Capitânea, de Nahas, decretada em junho de 1989. Naquela data, as Bolsas de São Paulo e do Rio despencaram com o estouro dos cheques sem fundos do investidor, acusado de lavagem de dinheiro e de usar laranjas para manipular preços de ações.
Antes desse escândalo, em 1981, integrantes do governo foram acusados de desviar irregularmente recursos públicos na liberação de empréstimo da Caixa Econômica Federal ao Coroa Brastel. O crédito de Cr$ 2,5 bilhões à época seria utilizado no reforço de capital de giro do grupo e na expansão da Brastel, sua marca no varejo de eletrodomésticos. Para isso, o grupo emitiu letras de câmbio para pagar a dívida, compradas por diversos investidores, sem capacidade financeira de quitá-las. O BC só interviu dois anos depois e desde 1985 tramitam na Justiça diversos processos sobre o tema.
Em 1974, o Banco Ipiranga naufragou com a crise financeira e, atolado em dívidas, pediu socorro ao governo. Desde os anos 1990, controladores cobram na Justiça ressarcimento pelo suposto prejuízo causado pela liquidação do banco.
Fonte: Correio Braziliense