Objetivo é elaborar formas de pressionar o bloco a construir realmente um novo modelo de desenvolvimento
Escrito por: Isaías Dalle, de Fortaleza
Há muitas dúvidas sobre se tem sido, ou ainda será, verdadeiramente bom para as populações de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul o bloco comercial e político intitulado BRICS (acrônimo formado pela inicial das cinco nações). O que dizer, então, do papel que será desempenhado pelo banco cuja criação foi anunciada com certa pompa pelos chefes de Estado que passaram por Fortaleza nesta terça, dia 15, para a sexta reunião de cúpula dos BRICS?
Sobre esses temas estiveram debatendo também nesta terça, na mesma capital cearense, representantes de movimentos sociais dos cinco países, reunidos no encontro “Debate e Mobilização Social Frente aos BRICS”. Uma espécie de Fórum Social Mundial em miniatura, promovido pela Rebrip (Rede Brasileira pela Integração dos Povos) e pela FES (Fundação Friedrich Ebert), o encontro, que segue até esta quarta, 16, pretende dar início a um trabalho conjunto das forças populares dos cinco países para pressionar o bloco a tomar decisões inclusivas do ponto de vista econômico e democrático e para tentar impedir que se torne, no futuro, uma réplica de outros instrumentos multilaterais de comércio e fomento financeiro.
Porque, a depender dos debates desta terça, restam pouquíssimas dúvidas – uma ou outra, talvez retóricas – de que se os movimentos sociais não se mobilizarem e não construírem propostas objetivas para interferir nas decisões, a lógica empresarial e financista, já instalada oficialmente na estrutura institucional do bloco, vai nadar de braçada.
Debates simultâneos
Do mesmo modo, nos debates que a CUT conseguiu acompanhar nesta terça – são muitos, simultâneos e com diversas entidades –, ninguém nega que a criação do banco e o fortalecimento dos BRICS possa ser uma oportunidade que, se bem aproveitada, servirá de contraponto ao modelo hegemônico estadunidense e europeu.
Parecido com o diagnóstico divulgado também nesta terça pela plenária do BRICS Sindical, realizada na mesma cidade, como evento paralelo ao encontro dos chefes de Estado.
Pela diversidade de bandeiras e em muitos casos, pela falta de convivência anterior, talvez a tarefa dos movimentos sociais desses países seja mais incipiente que os desafios que o movimento sindical, já reunido há mais tempo em outras instâncias, lançou para si.
Mais cooperação que comércio
O problema é que as diferenças econômicas e sociais dos países do bloco e as agendas políticas de cada um representam uma incógnita sobre o funcionamento do futuro banco e do aprofundamento do bloco, como alertou a professora Mônica Hirst, da Universidade de Quilmes, Argentina. “Por enquanto, os BRICS não deixaram claro, não demarcaram que o banco será dedicado à cooperação Sul-Sul”, disse. Para ela, isso seria uma sinalização política importante de que a prioridade não será a reprodução de empreendimentos predatórios. Cooperação, esclarece, compreendida como algo além de comércio, como projetos de reconstrução e soberania com inclusão social.
“Sou muito cético de que a África do Sul possa desempenhar um papel que ajude a criar outro modelo de desenvolvimento, sustentável e com trabalho decente”, disse, por exemplo, o representante da AIDC (Alternative Information and Development Centre) Brian Ashley, sul-africano.
“Temos uma economia quase toda baseada na atividade extrativista, colhendo minérios do chão sem sequer ter a preocupação de promover melhorias no entorno das minas. Temos 40% de desemprego, reproduzimos um modelo inspirado no apartheid que pune os negros e uma grande parte dos sindicatos em posição colaboracionista com o governo”, diagnosticou.
Brian teve tempo para uma interpretação esperançosa: “Devemos olhar para o passado e ver as grandes mobilizações internacionais, como contra o apartheid e contra a Guerra do Vietnã, ou mais recentemente, os movimentos contra a especulação desenfreada, e construir algo parecido”. E deu uma dica: “Podemos começar por temas que já conhecemos. As atividades da brasileira Vale em Moçambique, por exemplo, removendo pessoas de suas terras e explorando a mão de obra e destruindo o meio ambiente, poderiam servir de ponto de partida para nossas ações conjuntas”.
Os dois concordam que, para uma ação conjunta nessa direção, será preciso com rapidez um trabalho de pesquisa para que os movimentos sociais se conheçam, compreendam as realidades um dos outros e construam propostas factíveis que as unam.
Questionar a hegemonia do Norte
Integrante da Fundação Perseu Abramo, o ex-dirigente cutista Kjeld Jacobsen, ao lembrar as origens da Rebrip, apontou em sentido positivo. “A Rebrip nasceu quando começamos a construir uma articulação entre diferentes movimentos para derrotar a proposta da Alca”, lembra, em referência à área de livre comércio proposta pelos EUA e rejeitada pela mobilização popular – incluindo um plebiscito com 10 milhões de votos.
Questionado pela plateia se valeria a pena os movimentos sociais pleitearem espaço para participar das discussões dos BRICS, Kjeld disse “que é importante pressionar e participar. Participar não significa aprovar todas as decisões, mas disputar e criticar o que está errado”. Sobre as disparidades entre as agendas políticas dos países do bloco, exemplificou: “Eu não gosto do Putin, que é autoritário e neoliberal. Mas não podemos negar que a posição da Rússia na questão recente da Síria foi importantíssima para impedir outra ação desastrosa dos Estados Unidos. Então, acho que esses organismos podem sim ser úteis para pelo menos questionar a hegemonia do Norte”.
Prática: como fazer
A secretária nacional de Comunicação da CUT, Rosane Bertotti, lançou mão de um exemplo de como entidades com concepções diferentes podem construir propostas comuns e com resultados práticos no âmbito internacional. Citou a REAF (Reunião Especializada Sobre Agricultura Familiar). A REAF antecede as reuniões de cúpula do Mercosul. Nela, entidades como Contag e Fetraf e integrantes da Via Campesina debatem uma agenda de propostas para orientar as ações do bloco nas questões do acesso à terra e da produção agrícola familiar.
“É preciso criar consensos que gerem propostas claras. Não se pode querer participar de um debate internacional levando cada um sua demanda particular. Para chegar a isso, é preciso criar uma agenda de encontros, eleger para esses debates representantes da sua base social e dar continuidade ao processo, o que exige a formação de novas lideranças”, explicou. “E é preciso cobrar dos governos acesso às informações do setor, sem o quê fica difícil trabalhar". Um dos resultados práticos que a REAF já produziu nos países do Mercosul foi a adoção de regra que concede titularidade da terra oriunda de reforma agrária prioritariamente à mulher, segundo Rosane.
Casos como o da REAF, ao sintetizarem e traduzirem para o inteligível demandas complexas, pode ir ao encontro do que defendeu Michelle Pressend, da AIDC sul-africana: “Precisamos desmistificar as discussões e contar de maneira simples para as pessoas de que forma os blocos comerciais interferem na vida delas”.