Juliano Basile
Valor Econômico - Brasília
Depois de mais de dez anos de disputas com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Banco Central ficou com a competência exclusiva para julgar fusões e aquisições bancárias. A decisão foi tomada pelo ministro José Antonio Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que negou um recurso proposto pelo Cade.
A decisão de Toffoli foi tomada na noite de sexta-feira. O ministro é o relator desse processo e entendeu que a questão é infraconstitucional e, portanto, não deve ser apreciada pelo Supremo. "Nego seguimento ao recurso extraordinário interposto pelo Cade", escreveu Toffoli em seu despacho.
O Cade ainda pode tentar recorrer aos demais ministros do STF, mas a decisão de Toffoli indica que o caso sequer deve ser julgado pela Corte. Para o ministro, o debate sobre quem deve julgar as fusões bancárias se encerrou no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em agosto de 2010, decidiu que a tarefa cabe ao BC.
A decisão do ministro terá implicações diretas no sistema financeiro. Com base nela, bancos que fizerem fusões e aquisições não precisam se submeter ao crivo do Cade. Em tese, o órgão antitruste poderia impor condições a esses negócios sempre que entendesse que a competição em qualquer segmento de serviços bancários estivesse ameaçada.
Mas a decisão de Toffoli enterra essa possibilidade. Na prática, é como se a atribuição do Cade como xerife da concorrência não tivesse validade para fusões e aquisições no setor financeiro. Esse setor passa a ser o único com essa exceção, já que o órgão antitruste julga negócios em todos os segmentos da economia brasileira.
Com a decisão de Toffoli, o Cade pode apenas analisar eventuais práticas anticompetitivas no setor financeiro, como acusações de cartel ou supostos acordos para burlar a competição. Já as fusões e aquisições bancárias ficam exclusivamente a cargo do BC.
Por outro lado, o fato de o Cade não julgar os negócios no setor não faz com que ganhem isenção por parte do governo. Os bancos terão que submeter suas fusões e aquisições ao BC, que poderá impor condições, se achar necessário. De acordo com a argumentação do procurador-geral do BC, Isaac Sidney, ao Supremo, "a Constituição não atribui a um órgão específico a competência para funcionar como autoridade antitruste". Ou seja, o BC passa a exercer essa função de zelar pela competição no setor financeiro.
Toffoli acolheu o parecer feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que vai no mesmo sentido. Janot concluiu que o caso diz respeito a leis infraconstitucionais - a Lei Antitruste (12.529, de 2011) e a Lei do Sistema Financeiro (4.595, de 1964) - e, por isso, não deve ser apreciado pelo Supremo. Prevalece, segundo o procurador-geral, a posição do STJ que foi favorável ao BC.
A disputa entre o BC e o Cade teve início em abril de 2001, quando Gilmar Mendes, então advogado-geral da União, assinou parecer determinando que o BC era o órgão competente para aprovar fusões e aquisições bancárias. Na época, o Cade estava começando a julgar processos no setor e, com receio de que eventuais notícias sobre reprovações de fusões bancárias pudessem causar risco sistêmico, o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso fechou posição a favor da competência do BC nessa matéria.
Mesmo assim, o órgão antitruste continuou a julgar fusões e aquisições no setor, o que provocou desconforto com o BC.
Em setembro de 2009, um mês antes de se tornar ministro do Supremo, Toffoli, ocupando, na ocasião, o mesmo cargo de comando da AGU que foi de Mendes, concluiu parecer que também deu razão ao BC na disputa com o Cade.
Depois, em agosto de 2010, o BC ganhou a causa por um voto no STJ. O Cade recorreu ao STF e, agora, como ministro daquela Corte, Toffoli concluiu que o pedido sequer deve ser julgado. De acordo com o ministro, o caso envolve leis ordinárias e não a Constituição.
Fonte: Valor Econômico