RBA
São Paulo – O mercado financeiro não tem empatia com o povo negro. É o que avalia o dirigente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Júlio César Silva Santos. Ao comentar o caso da declaração de racismo da sócia brasileira do banco digital Nubank, Cristina Junqueira, em entrevista no programa Roda Viva, na TV Cultura, na semana passada, Santos diz que essa manifestação não é novidade.
“Esse caso é fruto de um racismo institucional que acontece de forma perene no segmento bancário”, avalia Santos, que é também membro da comissão de Direito Sindical na Ordem dos Advogados (OAB), seção São Paulo; doutorando e mestre em Direito Político e econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie; e diretor do Instituto Luiz Gama.
Do total de 450 mil bancários distribuídos no Brasil, apenas 24% da categoria é formada por trabalhadores negros. É o que aponta o Mapa da Diversidade da Categoria Bancária, censo realizado em 2014 pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Atendendo uma reivindicação do movimento sindical, a entidade levantou que 21% dos trabalhadores se declaravam à época pardos. E somente 3% pretos, embora, somados, os negros sejam a maioria da população no país – 56,10%.
O levantamento também aponta que, entre esse percentual, apenas um terço é composto por mulheres negras. O que para dirigente evidencia a falta de empatia com o povo negro, como destacou em entrevista à jornalista Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual.
A declaração da sócia do Nubank é mais um sintoma da situação refratária do mercado financeiro aos negros. Indagada na semana passada sobre a dificuldade em contratar pessoas negras para cargos chaves na instituição, a cofundadora afirmou que “já faz algum tempo que estamos buscando candidatos para várias posições. Tem uma posição de vice-presidente da Marketing para trabalhar comigo que já estou há bastante tempo procurando e é difícil. Eu acho que recrutar no Nubank sempre foi difícil, o maior desafio do Nubank é gente. Não dá para nivelar por baixo”.
Sobre uma possível implantação de políticas afirmativas, Cristina ainda acrescentou que “não adianta a gente colocar alguém para dentro que não vai ter condição de trabalhar com as equipes que a gente tem, de se desenvolver, avançar na carreira, depois não vai ser bem avaliado. Aí a gente não está resolvendo o problema, está criando outro”. A fala causou reação e revolta nas redes sociais.
Depois das avaliações negativas, a cofundadora do Nubank pediu desculpas e alegou não ter se “expressado da melhor maneira. É super importante a gente ter uma comunicação clara, queria agradecer todo o feedback que está vindo, a repercussão que está tendo, porque todo mundo tem o que aprender”.
Neste domingo (25), o Nubank divulgou uma carta assinada pelos três cofundadores, reconhecendo o erro racista. Na carta, a direção também se compromete “a ouvir mais e agir mais”. “Vamos usar essa característica para recomeçar uma jornada de inclusão racial”, prometeu.
À Rádio Brasil Atual, a advogada, professora e doutoranda em Direito Político e Econômico pelo Mackenzie, Waleska Miguel Batista, adverte, contudo, que a fala da cofundadora reproduz um tipo de “discriminação indireta” comum no mercado de trabalho. “Ela deduz que não há negros capacitados no mercado para assumirem essas vagas. Sendo que há muitos negros capacitados no mercado, não tem essa diferença. O que ela precisa observar é quais são os requisitos para essa vaga porque dentro do quadro da população negra formada, graduada e pós-graduada há muitas pessoas competentes para ocuparem essa gestão”.
Waleska ressalta que as pessoas negras já estão capacitadas. “E nada impede que a empresa use mecanismos para capacitá-los ainda mais depois do seu ingresso no mercado”, explica.
Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima