A pandemia de covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, segue seu rastro letal. O Brasil se aproxima de 100 mil mortos e 3 milhões de casos, sem contar com a ampla subnotificação. Enquanto isso, muitos integrantes do poder público assistem à tragédia sem agir. Esse cenário de adoecimento e morte pela covid-19 é especialmente trágico para os indígenas.
“O agronegócio não dá tréguas. Os invasores não fazem home office e o governo federal segue omisso diante do avanço da pandemia entre os povos indígenas”, afirma o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Gilberto Vieira dos Santos. “Ao mesmo tempo, vêm efetivando a política de ‘abrir a porteira’. O mapa de contaminação da covid-19 não deixa dúvidas. O avanço da doença está relacionado com a usurpação dos direitos indígenas.”
Gilberto mediou o debate Ameaças aos povos e territórios indígenas durante a pandemia, realizado na tarde desta quinta-feira (6). Além de indígenas e ativistas, o encontro virtual contou com a participação de integrantes do Ministério Público Federal (MPF).
As invasões em terras indígenas têm avançado durante o governo de Jair Bolsonaro. O presidente da República apoia abertamente mineradores, agro-empresários e outros interessados na exploração e usurpação desses territórios. Com a pandemia, a situação ganha tons ainda mais sangrentos, já que as ações desses forasteiros levam a covid-19 às aldeias indígenas.
“Todos enfrentam uma pandemia. Apesar do isolamento social, as invasões estão acontecendo. Essa situação é de vulnerabilidade (…) Infelizmente, existe a má vontade e uma política que vem se mostrando insistentemente genocida em relação aos povos indígenas. Flexibilizam regras ambientais, não demarcam terras indígenas. Tudo isso se soma à pandemia”, resumiu a deputada federal Joênia Wapichana (Rede), da etnia Wapixana.
Para a liderança da Aty Guasu – a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá –, Eliseu Lopes, de Mato Grosso do Sul, a pandemia é um “pesadelo”. “O coronavírus já levou a óbito gente dos povos guarani e kaiowá. Nós resistimos mais de 500 anos e continuamos a resistir.”
A questão territorial também foi tema da participação do líder indígena na live. “O que assegura a nossa vida, nossa cultura, nossa língua é o território. Nós defendemos as florestas. Temos direitos garantidos pela Constituição. Nossa situação aqui no estado é de covid-19 entrando nas aldeias. Estamos fazendo, (com outras) várias lideranças, as barreiras. Já estamos sendo atacados, mas acompanhamos os impedimentos”, disse.
“Somos atacados há anos”, acrescentou. “Mas agora, com o governo atual, somos mais atacados do que antes. Já fomos mortos. Nosso sangue rega a soja, a cana. Mas nós resistimos e vamos continuar. Matam nossas lideranças, acabam com nossa floresta e com nossos rios. Mas não vão calar nossa voz. Enquanto estivermos vivos, vamos denunciar o genocídio.”
A secretária-geral do Movimento das Mulheres Indígenas do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Maria Betânia de Jesus, do povo Macuxi, é sobrevivente da covid-19. E chama a atenção para a fragilidade dos indígenas diante do vírus e de um governo que atua contra os povos originários. “São mais de 520 anos de muita resistência e luta. Hoje, novamente, estamos na linha de frente, defendendo nossos direitos”, disse.
“Que nossos territórios sejam respeitados para nossa base e nossa estrutura. Temos garantias conquistadas com muita luta. Existimos hoje por tanta resistência, depois de muito sangue, muita morte e muita sequela (…) Estamos muito preocupados com as invasões, os garimpos. Dizem que vão legalizar a mineração nos nossos territórios. Não queremos abertura para isso, vai acabar com a vida que temos”, completou.
Betânia cobrou um plano emergencial eficaz de assistência a esses povos. Na última quarta (5) , o Supremo Tribunal Federal (STF) ratificou decisão do ministro Luís Roberto Barroso, que cobra ações do governo Bolsonaro, que se omite quanto à proteção dos indígenas diante da ameaça da covid-19. “Precisamos de um plano para nos atender e nos dar apoio com relação a essa doença que não estávamos esperando”, afirmou.
“Com a decisão, começamos a criar barreiras sanitárias nos entornos e dentro dos nossos territórios para cuidarmos, monitorarmos e fiscalizarmos essa doença. Isso contribuiu muito, mesmo com críticas e ameaças às nossas lideranças. Isso ajuda a essa doença não se alastrar. Perdemos muitas lideranças, muitos anciãos. Precisamos fortalecer e buscar apoio”, completou a secretária-geral do CIR.
Assista à íntegra do debate
Fonte: Rede Brasil Atual