Brasília - Em uma ação judicial de abrangência nacional, o Santander foi condenado pelo juiz Gustavo Carvalho Chehab, da 3ª Vara do Trabalho de Brasília, pela prática de assédio moral contra seus empregados, por impor metas abusivas e cobrá-las de maneira a provocar adoecimento mental dos trabalhadores.
A ação foi ajuizada em 2017 pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), contando com a atuação do Sindicato como assistente.
Os dados estatísticos de adoecimento mental no Santander impressionam e se inserem no contexto maior da atividade bancária no país, pois os bancos respondem por 15,31% dos benefícios concedidos pelo INSS por transtornos psiquiátricos decorrentes do trabalho.
> Veja também: Em outra ação tendo o Sindicato como assistente, Santander é condenado por assédio moral coletivo
No processo, ficou provado que o Santander não cumpre a exigência legal de exercer efetivo controle sobre o adoecimento de seus empregados – ou omitiu deliberadamente essa fiscalização -, uma vez que não apresentou documentos exigidos por lei.
Dois empregados afastados por dia
No ano de 2014, por exemplo, a cada dia, dois empregados do Santander se afastaram do trabalho por doença mental reconhecida pelo INSS como decorrente do trabalho, o que levou o juiz a concluir que o transtorno era ocupacional e tornou-se uma epidemia no banco.
A fiscalização do trabalho comprovou assédio moral por metas abusivas, afixação de ranking de desempenho dos funcionários nas paredes dos locais de trabalho e cobranças intensas, feitas pessoalmente, por email, whatsapp, SMS e telefonemas.
Foram descritos em parecer psicológico intenso sofrimento e estresse ocasionados pelas práticas patronais de impor metas excessivas, majorá-las constantemente e fazer cobranças para seu cumprimento, sob constante ameaça de demissão.
“As metas de produtividade do réu, na forma como são concebidas e, mais intensamente,9 na forma como são cobradas e/ou buscadas pelos trabalhadores do réu são diretamente responsáveis pelo aparecimento de doenças mentais ocupacionais, em especial estresse, depressão, ansiedade e, em menores níveis, ideação suicida”, diz trecho da sentença.
Na decisão, o juiz diz ainda que “a forma em que as metas são estruturadas, os indicadores (produtos) sobre os quais recaem, e os parâmetros que a compõe criam, na prática, incentivos para a prática de assédio pelos seus gestores, inclusive de seu incremento mediante a distribuição entre os diversos subordinados”.
Examinando a estatística de afastamentos por doença mental no Santander, o juiz reconhece expressamente “que as metas de produção geram impacto diferenciado, não intencional, em mulheres e trabalhadores na faixa etária de 30 a 39 anos, a ensejar discriminação indireta”, pois as mulheres dessa faixa etária respondem por 70% dos afastamentos.
A sentença diz em outro trecho que foi constatada, no processo, a existência de mais de 2.000 casos de transtornos mentais relacionados ao trabalho em 22 unidades da federação entre 2010 e 2015 e que, aparentemente, são desconhecidos, ignorados ou não foram apresentados pelo réu à Justiça e, portanto, não foram notificados à autoridade de saúde, violando o artigo 7º, II, da Lei 6.259/1975.
O juiz determina que a Advocacia-Geral da União (AGU) seja oficiada para que tome providências quanto ao ressarcimento dos gastos públicos com as enfermidades mentais ocasionadas, considerando-se que é perfeitamente possível mensurar o dispêndio com os benefícios concedidos por doença ocupacional.
A sentença ainda proíbe a submissão dos empregados a metas abusivas, estabelecendo parâmetros para configuração da abusividade e, em tutela antecipada, determina que o Santander implante a partir de 1º de janeiro de 2020 um novo sistema de metas, determinando que o prazo e a duração delas sejam estabelecidos por negociação coletiva com as entidades sindicais.
A chamada “meta negativa”, que o Santander praticava, através da qual o empregado perdia pontos quando o cliente fazia saques ou resgatava aplicações, foi expressamente banida pelo juiz.
Multa milionária
Foram estabelecidas multas em valores variáveis pelo descumprimento de cada uma das determinações judiciais, em importes que vão de R$ 20.000 a R$ 600.000, conforme especificações contidas na sentença.
Pela lesão à saúde dos empregados, o Santander também foi condenado a pagar indenização por danos morais coletivos, no valor de R$ 274.441.432,82, em até 5 parcelas anuais de igual valor.
Quanto à destinação da indenização, a sentença estabelece: “Em se tratando de recursos volumosos do réu, deve-se permitir que ele, caso tenha interesse, utilize parte da indenização em benefício da sociedade, dos trabalhadores e do interesse público. Nesse contexto, AUTORIZO o réu, caso tenha interesse, utilizar/aplicar até 80% da indenização por dano moral coletiva na criação de Fundação privada que tenha entre seus objetivos: i) creches destinadas ao atendimento de filhos de mães de baixa renda e/ou filhos de suas empregadas; ii) unidades de saúde para atendimento de doentes mentais de baixa renda e/ou de empregados ou ex-empregados do réu; iii) instituições de ensino profissionalizante de pessoas de baixa renda, em situações de vulnerabilidade e/ou de seus empregados ou ex-empregados; iv) casas de abrigo de mulheres (e filhos) vítimas de violência doméstica, de imigração forçada, de idosos e/ou de órfãos.”
Além disso, determina o juiz, “pelo menos 5% dos recursos da condenação devem ser aplicados na pesquisa e no ensino prioritariamente nas áreas médicas, psicológicas e de saúde pública e excepcionalmente nas áreas de direito, administração solidária, gestão de pessoas ou áreas afins.”
“Além dos recursos acima, pelo menos 10% da condenação pecuniária deve ser revertida em bens, equipamentos, automóveis e utilidades para as seguintes entidades pública de Estados e/ou Distrito Federal: Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerests), Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Centros de Convivência, Ambulatórios de Saúde Mental e Hospitais Gerais”, continuou.
Por fim, sentencia o magistrado que “pelo menos 5% do valor da condenação deve ser destinado a fundo destinado a satisfação de execuções trabalhistas de processos arquivados nesta 3ª Vara e sem perspectiva de satisfação integral ou parcial da execução”.
Cabe recurso para o Tribunal Regional do Trabalho (TRT).
Fonte: SEEB/Brasília - Da Redação