A presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Juvandia Moreira, que moderou os debates da terceira mesa do Seminário “Reforma Tributária para um Brasil socialmente justo: desenvolvimento, políticas sociais, emprego decente e distribuição de renda”, realizado nesta quinta-feira (28), em São Paulo, ressaltou a importância do tema da mesa “Os Super-Ricos no Imposto de Renda: limites e desafios”.
“Um dos papéis deste debate é fazer com que a militância e a população compreenda o que estamos falando. Precisamos traduzir este tema complexo, para mostrar o que está em jogo”, disse. “Precisamos mobilizar os trabalhadores, mas eles somente vão se mobilizar se entenderem o quanto este tema é importante para suas vidas. É preciso entender que a arrecadação é necessária e que, para o trabalhador pagar menos, é necessário cobrar dos super-ricos, que não pagam nada”, completou Juvandia, que também é vice-presidenta da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
O economista Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp, avaliou que o momento para discutir o tema é perfeito. “O movimento sindical precisa se apropriar deste conteúdo e dialogar com a população sobre a necessidade de fazermos uma reforma tributária que seja revolucionária e mude a estrutura social”, disse.
Para Rossi, o grande problema brasileiro é o desnível da tributação entre capital e trabalho. “O ponto central da reforma é a renda. Essa é a grande questão que precisa estar na reforma. Hoje o capital é beneficiado e o trabalho paga uma grande carga tributária”, avaliou.
Rossi ressalta, porém, que não adianta ter progressividade apenas na taxação da renda do trabalho. “É preciso ter progressividade também para os rendimentos obtidos sobre o capital”, disse. “O imposto de renda é a melhor forma para se fazer isso, pois a gente identifica a renda e pode tributar mais quem ganha mais”, ao completar que precisamos pensar os impostos como uma obrigação cidadã para contribuir com o desenvolvimento do país.
Para o economista, Francisco Lopreato, também professor do Instituto de Economia da Unicamp, a reforma tributária pode ser revolucionária se for feita com a participação de todos ao mesmo tempo em que combate a desigualdade.
“A desigualdade é a grande questão que temos que combater, porque está presente em todos os lugares, seja na comparação regional, estadual ou municipal. Nem é preciso dizer que essa desigualdade se repete na distribuição de renda, tornando o Brasil um dos países mais desiguais do mundo”, ressaltou.
Para Lopreato, o sistema tributário brasileiro é parte responsável pela desigualdade social. “O sistema fiscal brasileiro hoje alimenta a desigualdade. Por isso, se combatermos a desigualdade desse sistema, vamos combater combatendo a desigualdade na sociedade”, avaliou. “Mas a dificuldade para isso é muito grande, pois temos que combater a estrutura de poder”, completou.
Por isso, Lopreato avalia que buscar um sistema ideal ainda é uma utopia. “Não vamos conseguir fazer uma revolução tão grande para alcançar um sistema progressivo e acabar com a desigualdade. Temos que atacar, pelo menos, alguns pontos que podem contribuir para reduzir o problema”, disse. “É preciso taxar o capital dos super-ricos e bater diariamente na necessidade de se acabar com a desigualdade”, completou.
O professor apontou três grandes pontos que precisam ser enfrentados no embate sobre a reforma tributária: composição da carga tributária, que hoje tem grande parcela na arrecadação baseada em impostos sobre consumo; a tributação da propriedade rural, que é baixa e seletiva; e o fim da isenção de Imposto de Renda sobre lucros e dividendos, gerador de desigualdade.
“Se conseguirmos cortar as distorções mais agudas, conseguiremos dar um grande passo, por isso até o presidente do Banco Central defendeu isso”, disse. “Tributar os ricos e super-ricos não apenas eleva a arrecadação, mas causa um grande efeito ao acabar com as distorções do sistema tributário e possibilitar o avanço para uma sociedade mais justa e menos desigual”, disse.
O auditor fiscal federal, Paulo Gil Holck Introíni, diretor de Assuntos Institucionais do Instituto Justiça Fiscal (IJF), disse que o objetivo principal do debate deve ser responder à questão feita na abertura da mesa pela presidenta da Contraf-CUT, Juvandia Moreira: “O que a tributação tem a ver com nossa vida?”
“Os estudiosos da tributação sabem que existe um conflito de classes embutidos na tributação, que tem sido um sistema de concentração de renda, riqueza e poder”, disse Paulo Gil. “E, ao fim e ao cabo, todos esses tributos que estamos falando recaem sobre uma pessoa de carne e osso”, completou.
Paulo Gil observou que a tributação sobre a renda do trabalho é maior do que a tributação sobre a renda do capital. “Essa renda do capital não é a dos acionistas, pessoas físicas, é das pessoas jurídicas”, disse.
O diretor do IJF ressaltou que existem injustiças históricas do sistema tributário brasileiro, seja devido a isenções concedidas a grupos específicos, seja pela limitação de alíquotas da tabela do imposto de renda, com taxação de um grande número de pessoas com rendas relativamente baixas e redução dos valores pagos por pessoas com altas rendas e riquezas.
Um exemplo foi a isenção concedida a acionistas de empresas que recebem dividendos e a permissão para que empresas deduzam os valores pagos sobre Juros de Capital Próprio (JCP) aos acionistas. “Quando FHC (Fernando Henrique Cardoso) concedeu esses benefícios, gerou uma ‘fratura exposta’ no sistema tributário brasileiro que levou ao aumento da desigualdade social no país”, lembrou Gil, que também é cientista contábil e auditor fiscal da Receita Federal.
Uma das propostas para se evitar a continuidade desta injustiça é acabar com a isenção dos dividendos e as deduções sobre as remunerações de JCP, além de isentar rendas de até R$ 5 mil reais e criar alíquotas maiores para altas rendas.
A auditora fiscal Clair Hickmann, diretora técnica do IJF, falou sobre ferramentas utilizadas pela elite financeira dominante para escapar do pagamento de tributos, como o uso de paraísos fiscais, a transferência de lucros para o exterior, com subfaturamento de exportações e superfaturamento de importações, despesas com serviços de empréstimos intragrupos para reduzir o lucro tributável, como as conhecidas deduções sobre juros de capital próprio, e planejamentos tributários abusivos, como as fusões de bancos.
Como exemplo, Clair citou a venda subfaturada de minério de ferro brasileiro para a Suíça, tendo a China como destino final da mercadoria. “O Brasil fatura o minério para a Suíça, um paraíso fiscal, com impostos reduzidos. Mas, o produto vai direto para a China. Depois, esses recursos entram no Brasil, vindo da Suíça, como sendo investimento estrangeiro no setor produtivo e, por isso, são remunerados como JCP, sem a incidência de impostos”, explicou.
Segundo Clair, entre 2009 e 2015, a exportação de ferro brasileiro gerou uma perda de US$ 12,407 bilhões em recursos tributários para o Brasil. “Isso representa uma perda média de US$ 1,770 bilhão a cada ano. São R$ 6 bilhões por ano”, disse.
Para ela, além de mudanças na legislação, é preciso garantir estrutura para que haja uma administração tributária capaz de implementar a legislação e dar efetividades ao sistema tributário e sua progressividade, com troca de informações entre fiscos de todos os países. Também faz parte disso a revisão da estrutura do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Fonte: Contraf-CUT