Da Folha
Laura Carvalho
A construção de um novo Brasil não pode passar um trator por cima de direitos de trabalhadores e minorias
Gregorio Duvivier resolveu nesta semana entrar pela porta da frente em sua coluna na Folha e esclarecer que nossa fraternidade é seletiva. A agenda que andam propondo para que nossa economia vá além de apagar incêndios, infelizmente, também.
Uma agenda viável, além de ambiciosa, tem de buscar atender as demandas da maioria dos brasileiros. Dos brasileiros de hoje e de amanhã. E deve levar a economia de volta a uma trajetória de crescimento sustentável, que gere empregos e melhore a condição de vida da população.
Uma agenda com essas pretensões, capaz de galvanizar o grosso dos que foram à avenida Paulista no domingo (16) e nesta quinta (20) –o grosso dos que foram a Copacabana, parece, querem simplesmente a volta do autoritarismo sangrento–, não deve partir do pressuposto de que a democracia é um entrave ao desenvolvimento econômico.
A construção de um novo Brasil não pode, portanto, abrir os trabalhos passando um trator por cima de direitos de trabalhadores e minorias; das demandas por serviços públicos universais de qualidade; das instituições democráticas que conquistamos; do nosso ambiente ou de nossas áreas de preservação indígena. Uma boa agenda deve combinar desenvolvimento e democracia.
No plano emergencial, só a retomada do crescimento poderá levar a economia de volta ao equilíbrio fiscal e aliviar os conflitos hoje tão exacerbados sobre as minguantes fatias dos bolos do orçamento e do PIB. Para tanto, o governo não pode continuar só apostando na boa vontade do setor privado, por meio do sistema de concessões ou de uma suposta melhora no ambiente de negócios.
É mais garantido ligar de novo a engrenagem dos investimentos públicos em infraestrutura física (PAC, Minha Casa, Minha Vida) e social (saúde, educação) e, ao mesmo tempo, eliminar subsídios indiscriminados, na forma de desonerações tributárias e crédito de bancos públicos, atrelando-os a contrapartidas de preservação de empregos e realização de investimentos.
No plano estrutural, uma reforma tributária ampla deve reduzir impostos indiretos sobre o consumo e a produção e elevar impostos diretos sobre a renda e o patrimônio.
Uma nova regra fiscal deve acomodar flutuações inesperadas no PIB e nas receitas. Já o regime de metas de inflação deve evitar altas desproporcionais e inócuas dos juros como resposta a choques temporários nos preços administrados e de alimentos. Juros mais baixos aliviariam o custo de serviço da dívida pública, as tendências de apreciação cambial e o aprofundamento das desigualdades.
Uma nova política industrial, por sua vez, deve mirar a estrutura produtiva que queremos ter, e não simplesmente atender a pressões difusas do empresariado de hoje. E, por fim, as políticas de inclusão social devem ser aprofundadas, tanto na forma de renda quanto de melhores serviços públicos.
Itens como esses não terão o lugar merecido em nenhuma agenda construída apenas e tão somente para atender aos financiadores de campanha representados no Congresso, ou aos interesses do mercado financeiro, tão bem representados no Ministério da Fazenda. Numa agenda para todos, todos têm de ser ouvidos.
LAURA CARVALHO, 31, é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC).