(Brasília) - Aspectos fundamentais para a viabilização, de fato, de uma democracia racial no Brasil foram discutidos durante a primeira edição de 2014 do Brasília Debate, realizado pelo Sindicato em sua sede na noite de terça-feira (25). Com ampla participação de especialistas, ativistas, sindicalistas e trabalhadores, o evento celebrou o 21 de março, Dia Internacional contra a Discriminação Racial.
Foram convidadas personalidades importantes que conhecem a fundo o assunto e lutam pela causa do negro. César Araújo, primeiro debatedor da noite, é mestre em Globalização e Trabalho pela Universidade de Kassel na Alemanha. Para fazer a sua tese, César esteve na África do Sul para pesquisar as mudanças ocorridas no movimento sindical sul-africano a partir da era Mandela.
Em sua explanação, César afirmou que, mesmo os negros sendo maioria dos sul-africanos, ainda são a parcela da sociedade que menos concentra poder econômico. “Na África do Sul, os brancos representam apenas 10% da população, mas detêm 50% da renda do país. A riqueza e o poder econômico permanecem nas mãos da elite branca”, destacou.
De acordo com César, que já foi consultor da Contraf-CUT para assuntos internacionais, o movimento sindical sempre teve um papel importante no enfrentamento às práticas discriminatórias, tanto no Brasil quanto na África do Sul, conforme constatou em sua tese.
Educação
Sobre o ensino obrigatório de história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica, proposto na Lei Federal 10.639/2003, a conclusão é triste. De acordo com o professor das disciplinas de Políticas Públicas e Identidade Étnico-Racial da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Gomes da Costa Neto, a aplicação da lei ainda não é uma realidade da educação brasileira.
Costa Neto apresentou resultados de pesquisas que comprovam a ausência de indicadores acerca do ensino relativo à África no Brasil. O professor revelou ainda que 46 mil professor não possuem formação adequada para ministrar essas aulas. Desde que a lei foi promulgada, em 9 de janeiro de 2003, não há sequer um relatório de avaliação.
“É necessário transparência e efetividade dessa lei. A inexistência de dados é mais um sinal do racismo institucional presente no país”, frisou Costa Neto.
Estatuto
Criado para assegurar o acesso da população negra a serviços básicos, como saúde, educação e cultura, o Estatuto da Igualdade Racial, assim como a lei que obriga o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, não é aplicado em sua totalidade.
Para falar sobre o assunto, o Sindicato convidou o advogado e mestre em Direito, Humberto Adami, que iniciou sua fala parabenizando a entidade pela iniciativa de promover um debate sobre discriminação racial.
Na área da saúde, por exemplo, Adami destaca que não há monitoramento na implementação das políticas públicas, como consta nos termos do Estatuto. À título do que ocorre em relação ao atendimento à mulher negra, o sistema de saúde permanece precário, contrariando o que rege a legislação.
“A luta pelo combate à discriminação racial passa por buscar os tempos da reparação da escravidão e, principalmente, a implementação do Estatuto”, conclui Adami.
Quilombolas
“Crescemos aprendendo que um guerreiro não foge à luta”. Foi com essa frase que o membro do quilombo Ventura iniciou sua exposição. José Ventura é militante da causa do negro e do quilombola, um guerreiro na defesa das terras de seus ancestrais.
Em relação ao Programa Brasil Quilombola (PBQ), lançado em 2004 pelo governo federal, Ventura disse que não há repasse de verba às comunidades. Segundo ele, a falta de instrumentos para que o quilombola mantenha suas terras e as dificuldades impostas aos descendentes dos escravos também são formas de racismo.
A coordenação geral do PBQ é de responsabilidade da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, que atua conjuntamente com 11 ministérios, compondo, assim, o Comitê Gestor.
Apesar da estrutura do programa, que agrupa quatro eixos principais de atuação - acesso a terra, infraestrutura e qualidade de vida, inclusão produtiva e desenvolvimento local, direitos e cidadania -, os quilombolas ainda necessitam da efetividade dos programas sociais.
Discriminação
O Estatuto da Igualdade Racial define como discriminação racial ‘toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica’. A definição é de Elzimar Domingues, coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos do Centro Municipal de Estudos de Projetos Educacionais Julieta Diniz, em Uberlândia (MG).
Em sua fala, Elzimar esclareceu que há uma espécie de ligação entre as formas de discriminação. O preconceito é o ato de rotular alguém antes de conhecer. Já o racismo e a discriminação racial são aliados e causam danos à toda a sociedade.
A busca pela equidade, de acordo a mestre em Educação, é umas das maneiras de superar os séculos de subjugação por meio da educação, tendo em vista que a população negra tem altas taxas de abandono escolar.
Elzimar trouxe ao debate informações sobre a rede de ensino de Uberlândia durante a gestão do primeiro prefeito negro do município. De acordo com a mestre, o compromisso da administração pública em promover uma educação de qualidade tem mudado o futuro de muitas crianças e jovens. “Todos têm direito a ensinar e aprender, independente de cor”, concluiu.
Cotas
Fechando a rodada de intervenção dos debatedores, professor Neivaldo contribuiu com o tema ‘Cotas no Serviço Público’. Logo inᆳcio de sua fala, Neivaldo destacou que as cotas não são a fase final do processo de reparação. “As cotas são o meio do processo, já que possuem tempo determinado de validade”, explicou.
O número de negros é superior a 50% da população no Brasil. No entanto, apenas 30% os concursados do executivo federal se declaram negros. Se considerarmos o gênero, as diferenças são ainda maiores. De acordo com pesquisa realizada no serviço público federal, 21% são homens brancos e apenas 7,5% são mulheres negras.
“As cotas servem para equiparar negros e brancos, corrigindo assim as distorções e disparidades de anos. É também uma forma de reconhecer o papel do negro na sociedade brasileira”, reiterou Neivaldo.
O Projeto de Lei nº 6.738, que prevê a reserva de 20% das vagas em concursos públicos federais foi aprovada pela Câmara dos Deputados na quarta-feira (26). Com 314 votos a favor, 36 contra e 6 abstenções, o texto segue para tramitação no Senado Federal. Alguns estados e municípios já contam com legislação que prevê a reserva.
Amplo debate
Após a intervenção dos debatedores, o público fez perguntas e considerações sobre os assuntos em destaque. Colaboraram o secretário de Formação da CUT Brasília, Rodrigo Rodrigues; o integrante do Fórum Afrobrasileiro (Foafro), Ogan Luiz Alves; e a ouvidora da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Sepir-DF), Jacira da Silva.
Secretário da Sepir-DF, Viridiano Custódio de Brito também esteve presente no Brasília Debate. Em declaração à TV Bancários, o secretário parabenizou a iniciativa da entidade em promover debate sobre o assunto, no momento em que o Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial completa 54 anos. “É fundamental que a sociedade se aprofunde no tema, principalmente se considerarmos que, apesar de passados 400 anos do fim da escravidão, ainda há casos de racismo no nosso país”, conclui Viridiano.
Para o presidente do Sindicato, Eduardo Araújo, o debate foi rico, uma vez que foram abordados pontos diferentes. Dentro das iniciativas adotadas pelo Sindicato a partir do Brasília Debate, o presidente destacou o II Censo da Diversidade, que teve início em 17 de março. “Contamos com a participação dos bancários de Brasília no censo, já que os resultados irão mapear a categoria e, com isso, teremos dados para negociar com os patrões”, afirmou Araújo.
Joanna Alves
Do Seeb Brasília