Aposentado do Acre relata os 51 dias de bombardeio
Escrito por: Leonardo Severo - CUT
“O que vi os israelenses fazerem em Gaza quando bombardearam durante 51 dias por terra, ar e mar, é de uma barbárie indescritível, não é obra de seres humanos, é um criminoso e covarde terrorismo de Estado”, afirma o administrador de empresas aposentado Yusif Awni El Shawnwa, que esteve de maio a agosto no pequeno território palestino. Nesta entrevista, Yusif lembrou da heroica resistência armada, que barrou caminho às tropas nazi-israelenses e impossibilitou a invasão, destacando o papel da solidariedade internacional para garantir a paz com o reconhecimento da Palestina livre e soberana.
O senhor estava visitando Gaza quando iniciaram os bombardeios israelenses, que se mantiveram por quase dois meses. O que mais lhe marcou nesta experiência?
Atualmente vivo em Rio Branco, no Acre, mas toda a minha família é de Gaza. Eu mesmo nasci lá. O que era para ser uma visita de vida foi marcada pela morte. O que vi os israelenses fazerem em Gaza, quando bombardearam durante 51 dias por terra, ar e mar, é de uma barbárie indescritível, não é obra de seres humanos, se trata de um criminoso e covarde terrorismo de Estado. Imaginem o que é uma escola com dez mil pessoas sendo atendidas, esperando por água em caminhões pipa, aguardando comida. Pude presenciar o que é a luta pela sobrevivência, a dor e o desespero.
Apesar da desproporção de forças, Israel não conseguiu penetrar em território palestino.
Com todo o seu imenso arsenal, com foguetes e bombas, tecnologia de ponta e tudo o mais, Israel não conseguiu invadir o território palestino, que era o seu objetivo. O bombardeio indiscriminado de escolas, universidades, creches, hospitais e mesquitas, a devastação de dezenas de milhares de casas, a destruição da rede de água e de tratamento de esgoto não diminuiu a determinação de defesa nem mesmo com a chacina de idosos, mulheres e crianças.
Seu testemunho é de alguém que viu de perto, até porque Gaza é um território bastante pequeno, de apenas 365 quilômetros quadrados, de 45 quilômetros de comprimento por entre seis e 14 de largura. Relate sobre algo que aconteceu próximo de onde estava.
Vou contar algo que vi a 180 metros da casa da minha mãe. Um avião bombardeou uma loja de óleo lubrificante, sob a alegação de que era uma fábrica de armas do Hamas. A bomba foi lançada numa área residencial e fez muitas casas e edifícios pegarem fogo. Diante da fumaça negra e dos gritos de dor, muita gente se mobilizou para ir ajudar os feridos. Quando a população veio socorrer, o caça retornou e lançou um novo bombardeio. Acabaram mortas mais de 20 pessoas e feridas mais de 200. Gente da Defesa Civil, mas também repórteres e cinegrafistas. Muitas pessoas acabaram mutiladas, ficando sem as pernas. Depois da chacina, Israel tentou acusar o Hamas de esconder armamento no local, o que era mentira. Todos os que ali vivem sabem que a declaração israelense era falsa e nada mais é do que uma tentativa de encobrir seus crimes.
Qual o papel dos drones, os aviões não-tripulados guiados por controle remoto, nestas chacinas?
Esses aparelhos de sofisticada tecnologia lançam milhares de esferas de metais do tamanho de uma bola de gude, tudo como se fosse brincadeira. Por meio de câmeras de televisão, colocados em segurança a quilômetros do local, os soldados israelenses guiam os drones até onde as crianças palestinas estão brincando. Seu único objetivo é matar, matar e matar. Não dá para imaginar algo mais perverso.
Com o comprometimento da infraestrutura, quais as condições de sobrevivência da população?
Conversei recentemente com meus familiares e a situação de precariedade só tem se agravado. A água para beber não existe, vem por caminhão pipa de alguns poços artesianos, muitos deles contaminados. Energia também não existe, são oito horas por dia e nada mais. Além disso, a luz pode vir ou ir a qualquer hora, não há programação exata. O único certo é o racionamento.
E a alimentação?
A produção agrícola mantém as necessidades básicas. Além disso Israel vende as verduras e frutas que lhes sobra. São caminhões que chegam todos os dias. Como os árabes precisam comer e não vão deixar suas famílias passar fome, pagam sem levar em conta de onde vem a comida. Desta forma Israel amplia seus lucros com o cerco a Gaza.
Como se dá a política de assassinatos sob encomenda?
Israel adota uma política de assassinatos sob encomenda, mas também de punição coletiva. Próximo à minha casa morava um jornalista que deixou a família no local e passou a morar em diferentes casas para não ser encontrado. Ele fazia denúncias contra o governo de Israel e era muito reconhecido pela repercussão da sua palavra. Dormindo aqui e ali, ele conseguiu enganar a espionagem israelense. Então, Israel decidiu punir sua família. Desta forma, com cinco minutos de antecedência, seus familiares receberam a notícia de que o apartamento em que moravam, no terceiro andar do prédio, iria ser bombardeado. Como sempre acontece, este é o “prazo” dado, eles tinham cinco minutos para pegar os pertences que pudessem, avisar os vizinhos e descer os andares, apesar de não ter energia elétrica. Avisaram os vizinhos, mas o raio de ação das bombas é de até cem metros, seja pra direita ou pra a esquerda, pra frente ou pra trás. Não bastava que saíssem do prédio, precisavam correr e se afastar ao máximo. Além disso, os caças ficam sobrevoando. E chegam os drones, 10, 15 e até 20 aviões sem piloto para monitorar a área e também lançarem bombas. Quando os drones estão carregados e prontos para o bombardeio acende uma luz vermelha, do contrário é apenas amarela. Na Palestina toda a criança sabe disso. É um horror.
Durma-se com um barulho desses.
Simplesmente foi impossível dormir. Naquelas noites o céu de Gaza ficou permanentemente iluminado pelos bombardeios que vinham da terra, do ar e do mar. Havia uma preocupação permanente: se não é a nossa casa o alvo, pode ser a do vizinho. A paz que encontramos é saber que Deus está cima de tudo e que a nossa resistência vencerá a covardia.