Jamil Chade, correspondente
O Estado de S. Paulo
O segundo maior banco do mundo, o HSBC, entregava malas de dinheiro a clientes estrangeiros que iam a Genebra para consultar suas contas secretas e criou uma indústria de lavagem de dinheiro em sua filial, atraindo mais de 100 mil correntistas. O pacote incluía a criação de empresas offshore e fundações para escapar do controle de seus países de origem.
As revelações estão causando um profundo mal-estar na Suíça e sacudindo o mundo financeiro. Nos Estados Unidos, Reino Unido e Bélgica, autoridades exigem respostas do banco e ameaçam até com mandados de prisão.
Os dados foram revelados pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo com base em documentos tirados do banco por um ex-funcionário, Hervé Falciani. Se as autoridades de pelo menos cinco países já se utilizaram desse banco de dados para recolher US$ 500 milhões em impostos desde 2007, os detalhes e a lista não eram conhecidos do público.
Foi a primeira vez na história do segredo bancário suíço que uma lista desse tamanho foi vazada para a imprensa. Personalidades do esporte, música, nobreza, políticos e mais de 8 mil contas relacionadas a brasileiros fazem parte dos documentos, envolvendo pelo menos 5,5 mil clientes e US$ 7 bilhões.
Os documentos apontam mais de 170 nacionalidades e celebridades como Fernando Alonso, Michael Schumacher, Valentino Rossi e o tenista Marat Safin. Cerca de 95% das contas não eram declaradas. Para permitir que os clientes tivessem acesso ao dinheiro sem ser questionados por seus Fiscos, o banco agia como caixa automático para valores milionários.
Segundo documentos revelados pelo jornal The Guardian, em 2005 o banco entregava pacotes de dinheiro sem questionar os motivos. Se oficialmente o limite para retirada era de 8 mil francos suíços, clientes de todas as partes do mundo diariamente saíam do banco com malas. O banco sempre entregava o dinheiro em moedas que não eram suíças, o que indicava que seria gasto fora do país.
Uma das pessoas que mantinham essa prática era Arlette Ricci, da Nina Ricci Perfumes. Com mais de US$ 18 milhões em sua conta, ela recebeu em 2005 dez pacotes durante o ano. Num outro documento, o banco aceitou o argumento do magnata Beny Steinmetz, que retirou em apenas um dia mais de US$ 100 mil, alegando que usaria o dinheiro numa viagem para a África do Sul e Rússia.
Manobras
Os cuidados com o sigilo dos nomes dos clientes eram totais. Em um documento, os gerentes das contas alertam que um certo espanhol era "paranoico" e não aceitava que o banco lhe contatasse. "É apenas ele quem nos contata."
Até a profissão dos donos das contas era mascarada. Na lista de 100 mil nomes, a atividade mais frequente é "dona de casa". São mais de 7 mil mulheres com contas secretas registradas dessa forma.
O que os documentos revelam é um esquema para atrair clientes, garantindo que o dinheiro ficaria seguro e imune ao controle dos Fiscos e da Justiça de outros países. Os próprios gerentes de contas eram incentivados a seguir essa estratégia e o banco chegou a oferecer barras de ouro aos funcionários que atingissem uma meta de atração desse tipo de cliente.
Mas os documentos revelam que os gerentes do banco não abriam contas apenas de pessoas que não queriam pagar impostos. Segundo a investigação, as listas incluem fundações e doadores que financiaram Osama Bin Laden, além de traficantes de armas e de drogas.
Na Suíça, a publicação da lista e das revelações causou um terremoto político. Antes mesmo de sair na imprensa os nomes dos correntistas, o CEO do banco, Franco Morra, enviou no dia 29 de janeiro uma carta a cada um dos clientes alertando para o fato e pedindo "desculpas".
Ao público, a versão do banco foi diferente. Em um comunicado, Morra garantiu que o banco passou por uma "transformação radical" para "evitar que seja usado para evasão fiscal ou lavagem de dinheiro".
A Associação Suíça de Bancos tentou colocar a culpa nos gerentes, alertando que essas práticas eram individuais e não se tratava de uma política das instituições. "Os banqueiros que não respeitam a lei precisam assumir as responsabilidades."
Fonte: O Estado de S.Paulo