Crédito: CUT
As dificuldades para fazer avançar a proposta de reforma política no Congresso Nacional continuam as mesmas de antes da posse dos novos parlamentares e da eleição de Eduardo Cunha para presidente da Câmara. Um caminho possível para romper as resistências é voltar a expor o Congresso, atualmente "blindado" e "fingindo que não é com ele", mostrando suas responsabilidades nos problemas do País, que com a ajuda da mídia, parecem caber só ao governo.
A opinião é de Ana Cláudia Teixeira, autora da tese de doutorado "Para além do voto: uma narrativa sobre a democracia participativa no Brasil (1975-2010)", apresentada no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, no ano passado, e vencedora do Prêmio Capes de Tese em Sociologia.
"Eu acredito na capacidade de articulação da sociedade. Acho que continua possível haver reforma política. Há todo um campo se mobilizando pela reforma", diz a pesquisadora, que em 2004 engajou-se na construção da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política - integrada, entre outras entidades, pela CUT.
"Sei que isso não é um consenso, mas talvez uma tática para o curto prazo com o Congresso Nacional fosse reduzir a pauta. Colocá-los diante de uma agenda mais específica. Por exemplo, insistir no fim do financiamento empresarial de campanha. Algum ponto da ampla agenda da reforma política que chacoalhasse o Congresso, para obrigá-lo a se posicionar", complementa.
Confira trechos da entrevista.
A atual configuração do Congresso, especialmente após as eleições realizadas no último domingo, implode as possibilidades de construir a reforma política?
Está muito complicado. Quando você diz implodir você quer dizer que não há nenhuma possibilidade de reforma? Desde o início, mesmo na outra legislatura, eu não nutria expectativa de que o Congresso ia se autorreformar. Por isso, considerei muito apropriada a estratégia de propor um plebiscito popular. Evidentemente, que com o Eduardo Cunha presidente da Câmara, as possibilidades de reforma diminuem.
Entretanto, eu entendo que as possibilidades e as dificuldades de agora são as mesmas de antes. O que talvez nos desanime um pouco seja a composição do Congresso e de alguma forma a postura do próprio Executivo. Ainda não é possível saber se o Executivo de fato vai priorizar a reforma política, como disse que faria. E, além disso, qual reforma política será feita? O termo é amplo, e qualquer coisa cabe nele. O risco sempre é que tenhamos uma reforma que piore nosso sistema, ao invés de melhorá-lo.
Assim como no mandato anterior, eu continuo botando fé na capacidade de articulação da sociedade. Acho que continua possível. Há todo um campo se mobilizando pela reforma, a CUT, o MST, a OAB, CNBB, todas as entidades do campo da Associação Brasileira de ONGs, entre muitas outras.
Você enxerga algum momento em especial, ou uma manobra, da parte do governo, que tenha precipitado essa relação conflituosa com o Congresso, que já dura meses?
Não sei avaliar bem este ponto. Eu acho que o problema está nesta ideia de que para manter a governabilidade é preciso fazer concessões.
Eu não sei se concordo que o governo provocou conflito. Alguns conflitos são extremamente importantes. Talvez até precisássemos que outros conflitos viessem à tona. E que fossem resolvidos com mais participação e não apenas numa relação estreita entre Executivo e Legislativo. A questão é que esse Congresso é tão conservador que tem dificuldade de entender políticas sociais, além de, ideologicamente, se colocar contra. O Executivo tem feito esse papel de pautar políticas mais progressistas, mas o Congresso é sempre contra. No entanto, não dá para ter menos conflito do que agora.
Em seu diagnóstico, há correlação de forças para avançar?
No curto prazo parece que não. Mas não tenho bola de cristal. Devemos lembrar que nos últimos anos vêm acontecendo mobilizações surpreendentes, como as mobilizações de junho de 2013, e as que vieram posteriormente.
Desde o início das mobilizações, o Congresso tem fingido que os problemas de falta de representação não são dele. Os problemas parecem ser todos do governo federal, do governo do PT, como se deputados e senadores não tivessem nada com isso. E a mídia não ajuda. O Congresso e o Judiciário ficam meio blindados, como se o problema de falta de representação não fosse do conjunto do estado brasileiro.
Mas eu continuo otimista por dois motivos. De um lado, porque a mobilização da sociedade civil mais estruturada em movimentos, associações, sindicatos e ONGs e igrejas progressistas permanece e conseguiu organizar, por exemplo, um plebiscito popular muito bem sucedido. E, de outro lado, porque fomos surpreendidos nos últimos anos por novos atores. Há atores novos surgindo, e essa é uma possibilidade de virada. Inclusive gente que ainda não está organizada em lugar algum, mas que quer se engajar.
Espero que isso respingue no Congresso, para que ele saia de sua zona de conforto.
O jurista Fabio Konder Comparato defende que, diante da inflexibilidade dos poderes, o caminho seria uma guerra jurídica, cujo foco seria a regulamentação do artigo 14 da Constituição. Uma luta jurídica teria mais chances de vitória, segundo ele. Você concorda com essa visão?
Talvez uma tática de curto prazo com o Congresso fosse reduzir a pauta. Colocá-los diante de uma agenda mais específica. Por exemplo, insistir no fim do financiamento público de campanha, ou até este ponto do jurista Comparato, regulamentar o artigo 14. Não tenho certeza, mas parece interessante provocar, chacoalhar o Congresso no curto prazo, para obrigá-lo a se posicionar.
Porém, sabemos que isso não é suficiente. Seria algo só de curto prazo. Existem duas iniciativas mais de médio prazo que são importantes, uma é a campanha por um plebiscito para a escolha de uma assembleia exclusiva da reforma política. E a outra é a iniciativa popular de lei pela reforma política. Ambas são de médio prazo.
Eu entendo que esta proposta do jurista Comparato é por uma mobilização pontual, para alcançar uma vitória simbólica que vá abrindo caminho. E me parece fundamental. Essa é a questão agora: ter alguma vitória pontual no Congresso.
Nos anos recentes, após a eleição de Lula, quais momentos da luta dos movimentos sociais que você destacaria, seja pela intensidade da batalha, seja pela qualidade da conquista?
Não conheço a fundo todas as agendas de todos os movimentos. Foram anos difíceis, mas de conquistas importantes.
Eu destaco o conjunto de propostas que vieram dos movimentos sociais e que foram levados para dentro do Estado. Tenho estudado recentemente o programa Minha Casa, Minha Vida Entidades, que garantiu espaço numa política pública para os movimentos de moradia, que, do contrário, estaria toda nas mãos das construtoras.
Mas há muitas outras, como a Política Nacional de Agroecologia e o Programa de Aquisição de Alimentos no campo da segurança alimentar, ou as políticas de cotas, ou o programa de coleta seletiva pelos catadores, os pontões de cultura, e muitas outras. Ou seja, agendas que se transformaram em políticas públicas, e que vieram desta aproximação dos movimentos com os partidos de esquerda e com governo federal.
Isso não teria acontecido em outro governo. E isso se deu muito mais pela construção histórica dos militantes (que muitas vezes militaram ao mesmo tempo em movimentos e em partidos) do que pela pessoa que está lá na presidência, seja o presidente Lula ou a presidente Dilma. Não houve só derrotas, por isso muitos movimentos e organizações ainda estão mais próximos do PT do que de outros partidos.
Fonte: Isaías Dalle - CUT