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8 de Julho de 2015 às 09:00

08/07/2015 - “Terceirização aumentará miséria no nosso País”, afirma o procurador-chefe do MP/MT


Cuiabá MT - O procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso, Fabrício Gonçalves de Oliveira, em entrevista exclusiva para o Jornal dos Bancári@s (publicação do SEEB/MT), analisa o Projeto de Lei 4.330/2004, mais conhecido como a Lei da Terceirização, aprovado me urgência, pela Câmara Federal e segue agora tramita no Senado com o número PLC 30/2015.

Para o procurador o projeto é, na verdade, um instrumento de precarização dos direitos dos trabalhadores e que, sem dúvida, aumentará a miséria do nosso País.

Confira a entrevista na íntegra

 

  1. Qual a opinião do Senhor sobre o projeto de lei de terceirização que tramita no Congresso Nacional?

O Projeto de Lei – P.L -  4.338/2012 (atualmente com o número PLC 30/2015, em trâmite no Senado) trata-se, na verdade, de um instrumento de precarização dos direitos dos trabalhadores e que, sem dúvida, aumentará a miséria do nosso País.

Em suma, tal projeto permite que qualquer atividade da empresa, fim ou meio, possa ser terceirizada, o que coloca em grave risco a manutenção dos empregos de qualquer trabalhador que esteja diretamente empregado, incluindo aqueles do próprio setor bancário.

Inclusive, alguns dos supostos benefícios alegados pelos defensores do projeto não correspondem à realidade, visto que, a título de exemplo, a responsabilidade subsidiária da tomadora já ser aplicada, na prática, aos trabalhadores terceirizados. Igualmente, já se aplica a responsabilidade solidária da empresa contratante em casos de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, a qual tem previsão expressa até em Convenções Internacionais do qual o Brasil é signatário e em Normas Regulamentares, bem como no próprio Código Civil.

Na verdade, o objetivo maior da aprovação do projeto é de apenas permitir a terceirização para qualquer atividade, aumentando a margem de lucro para as empresas contratantes dos serviços terceirizados, e socializando os prejuízos, os quais ficarão com os trabalhadores e a população brasileira.

Em outras palavras, o Projeto representa um dos maiores retrocessos para o trabalhador na história do Brasil, ferindo completamente os objetivos e o sistema definidos da CLT, bem como os Princípios Constitucionais básicos, como a Dignidade da Pessoa Humana, o Valor Social do Trabalho, e aqueles demais referentes à garantia da Justiça Social.

2 - Os empresários reclamam do custo do trabalho e defendem que o projeto de terceirização permitirá a criação de novos postos de trabalho. O senhor considera alto o custo de um trabalhador registrado, com todos os direitos? Realmente o projeto de terceirização cria novas vagas?

Entendo ser falacioso que a mão de obra no País é cara. Na verdade, a legislação constitucional e trabalhista visa a atender o nosso Princípio Maior da Dignidade da Pessoa Humana, sendo imprescindível a concretização dos chamados direitos fundamentais sociais, bem como do valor social do trabalho.

 Apesar disso, infelizmente, no Brasil, há, ainda, muito a se caminhar no que concerne à proteção trabalhista. E mesmo assim, vários direitos trabalhistas seguem sendo desrespeitados. Essa é a realidade do nosso País.

Além disso, um questionamento que deve ser feito de forma mais adequada: a mão de obra é mais cara comparando com qual País? Essa é uma pergunta interessante, sendo que há certos “modelos” de comparação que devem ser, de plano, descartados.

O que se constata é a comparação com Países que sequer possuem a garantia mínima de direitos, como, a título de exemplo, férias, pagamento de horas extras e limites ao seu exercício, salário mínimo, e obrigações de investimentos em condições básicas de saúde e segurança do trabalho.

Aliado ao que foi descrito, constatando-se, na prática, o longo caminho que deve ser percorrido para o aperfeiçoamento da proteção trabalhista, percebe-se, de plano, que a mão de obra brasileira não é cara. Do mesmo modo, não se pode falar em preços e valores monetários quando o que está em jogo é a dignidade humana da sociedade brasileira (afinal, a maioria dos brasileiros trabalham ou querem trabalhar).

Outros pontos que devem ser levados em conta é, no caso de aprovação do projeto, o inegável aumento de gastos públicos com INSS e SUS, diante do já esperado incremento do número de acidentes e doenças do trabalho.

Constata-se, então, que a a finalidade é a diminuição do rol de direitos ao trabalhador, barateando indevidamente a mão de obra, deixando os prejuízos para a sociedade.

O projeto de terceirização, na forma como está, não cria maior número de vagas no mercado de trabalho. Tendo em vista a previsão de terceirização de atividade-fim, o que ocorrerá, na verdade, é a substituição de trabalhadores contratados diretamente por terceirizados, os quais certamente terão salários menores e rol inferior de direitos.

3 – Quais os problemas relacionados à terceirização? Como funciona isso na prática? Para aprovar o projeto os deputados alegaram que o objetivo era regularizar a situação dos 12 milhões de terceirizados, na prática isso irá acontecer?

A terceirização, em suma, é o ato de a empresa transferir, para terceiros, atividades que inicialmente seriam por ela desempenhadas, inserindo trabalhadores terceirizados no seu processo produtivo, os quais, contudo, não possuem vínculo trabalhista direto com a referida empresa contratante (também chamada de tomadora de serviços).

Desse modo, temos, de um lado, a empresa contratante (tomadora dos serviços), de outro, a prestadora de serviços terceirizados (empresa contratada), e, além disso, o trabalhador terceirizado.

Hoje, a terceirização no País é admitida apenas em algumas hipóteses, na forma da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, destacando-se as atividades de vigilância e limpeza, bem como outras de atividades-meio, desde que não haja fraude. Para a atividade-fim, há a previsão referente ao trabalho temporário, na forma da Lei n.º 6.019/74.

Esse entendimento tem como objetivo claro restringir a terceirização, estabelecendo que as empresas contratem diretamente os empregados para exercer as atividades para as quais foram criadas. Desse modo, respeita-se o sistema estabelecido pela Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT.

Ao longo do tempo, percebeu-se que o sistema da terceirização traz sérios malefícios ao trabalhador. Primeiramente, constatou o prevalecimento do objetivo financeiro de contratar outra empresa, buscando a redução custos; caso assim não fosse, a empresa contrataria diretamente o empregado.

A redução de gastos tem íntima ligação com o fato de os trabalhadores terceirizados receberem salários baixos, além de não perceberem os direitos previstos na norma coletiva da categoria da empresa contratante, que geralmente traz mais benefícios.

Soma-se a isso que a cada 10 trabalhadores acidentados no Brasil, 08 são terceirizados. Justifica-se tal número elevado diante do principal fato de que as empresas terceirizadas são menores, trabalhando com margens de lucro reduzidas em um mercado altamente competitivo. Com poucos recursos, há claro negligenciamento na área de proteção ao trabalhador. E, do mesmo modo, a empresa contratante, na prática, nega-se a assumir eventual responsabilidade pela saúde dos trabalhadores terceirizados, ocorrendo a responsabilização apenas após a atuação efetiva dos órgãos de fiscalização, como Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho, ou mediante decisões judiciais da Justiça do Trabalho.

Atualmente, já existe legislação que demonstra a necessidade das empresas contratantes investir em saúde e segurança tanto dos trabalhadores diretos quanto terceirizados, mas grande parte delas simplesmente não cumprem.

Ademais, verifica-se uma dificuldade de organização dos trabalhadores. É muito mais fácil para os empregados se organizarem quando vivem no mesmo local de trabalho, o que não ocorre necessariamente com os terceirizados, que se encontram espalhados em vários estabelecimentos empresariais, vivendo realidades completamente distintas.

Inclusive, há terceirizados que acabam prestando serviços em vários estabelecimentos distintos, não criando vínculos com o cotidiano do local de trabalho.

Outrossim, a rotatividade dos empregados terceirizados, no emprego, é muito superior ao do trabalhador contratado diretamente. Isso se dá em razão do fato de que grande parte das contratações daqueles trabalhadores só se justificam se a empresa terceirizada tiver um contrato em vigor com a empresa contratante. Se essa rompe o contrato, por qualquer motivo, ou ele chegue ao seu término, acabam todos os terceirizados sendo dispensados. Situação muito volátil, que confere maior insegurança à manutenção do emprego.

Em decorrência disso, surge outro problema: o empregado terceirizado dificilmente consegue progredir dentro da empresa, justamente em razão da alta rotatividade já mencionada.

Para se ter ideia, esse fato prejudica o gozo até de férias, pois o trabalhador acaba não conseguindo completar o tempo para adquirir o direito ou até mesmo usufruí-lo.

Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), os terceirizados recebem 24% (vinte e quatro por cento) a menos que o trabalhador comum, sendo que no setor bancário a diferença se eleva para um terço (!). Acrescenta-se ser comum terceirizados terem jornada superior aos dos trabalhadores.

 Logo, terceirizado trabalha mais para ganhar menos. É isso.

Insta também registrar que vários e vários casos de trabalho em condição análoga a de escravo, conhecido como “trabalho escravo”, e a discriminação de trabalhadores, tem ocorrido em empresas terceirizadas, quarteirizadas, quinterizadas etc.

Enfim, a terceirização, na forma atual, já traz uma série de problemas, imaginem estendê-la para todos os trabalhadores que se encontram na atividade-fim?!

E aqui, já se imagina outra consequência negativa: a Justiça do Trabalho, na atualidade, é povoada de inúmeros processos relativos a direitos básicos dos terceirizados, não cumpridos. Caso o P.L. seja aprovado, sem dúvida aumentará substancialmente a demanda judicial, o que dificultará a prestação de uma jurisdição rápida.

Ademais, destaca-se também que o consumidor sofrerá muito, visto que há queda de qualidade quando os serviços passam a ser terceirizados.

De outro lado, existe, no projeto de lei, alguns pontos de regulamentação quanto à terceirização, contudo, sob um preço muito caro para a sociedade brasileira. O “preço, na prática, é a extensão da terceirização para qualquer atividade da empresa, sendo esse verdadeiro objetivo da iniciativa legislativa.

O Congresso, no mínimo, deveria ter formulado projeto legal que regulamentasse apenas no sentido de aumentar o rol protetivo, prevendo maiores garantias aos terceirizados já existentes (atividade-meio), como a equiparação total em direitos aos trabalhadores da contratante, inclusive para fins de enquadramento na mesma categoria profissional e, por conseguinte, permitindo igual representação sindical.

Além disso, deveria buscar restringir a terceirização, e não estende-la indiscriminadamente, principalmente se considerarmos a conjectura social e econômica vivenciada, em que a população sofre com as medidas governamentais de arrecadação e elevação dos tributos.

4 – Fala-se em quarteirização, quinteirização. Há mesmo essa possibilidade? O que seria isso? Quais seriam os prejuízos para o trabalhador?

Quarteirização, quinteirização etc. são hipóteses de subcontratação, em que a empresa contratada (terceirizada) contrata outras empresas para realizar a mesma atividade ou parte dela. Quanto mais repassa o serviço, mas precarizante vai ficando a situação do trabalhador. Tanto é que há vários casos de trabalho em condição análoga a de escravo na última contratada.

Percebe-se, em várias situações, que a empresa contratante tenta se desvincular de eventual responsabilização, buscando, ainda, obter um produto mais barato, a custas de mão de obra barata ou até mesmo escrava, inclusive de imigrantes.

Em outras palavras, o empregador contratante visa ter um produto mais barato no mercado, aumentando significativamente a margem de lucro, através da exploração dessa cadeia produtiva.

A lei traz a previsão de possibilidade da subcontratação, criando a necessidade de que se refira apenas a serviços técnicos especializados, e desde que haja previsão no contrato original, contudo, não veda, de todo, tal prática, o que mantém os problemas já enfrentados.

5 – Existem muitas reclamações dos trabalhadores terceirizados? Quais as principais reclamações, hoje? A tendência é reduzir ou aumentar essas reclamações?

O trabalhador terceirizado enfrenta muitas dificuldades. Dentre elas, os constantes atrasos de salários e não pagamento de outros direitos, ausência de continuidade no emprego e principalmente falta de investimentos básicos em saúde e segurança do trabalho. Soma-se a isso, o rotineiro “desaparecimento” dessas empresas, abandonando os seus trabalhadores, sem qualquer pagamento do devido, incluindo as verbas rescisórias.

Mesmo quando acionada na Justiça do Trabalho, e apesar dos esforços desta para satisfazer o crédito do trabalhador, há dificuldades de prosseguimento na execução dos valores, já que tais, em várias situações, empresas deixaram de existir e os respectivos proprietários não são encontrados, ficando impunes.

6 – Na sua opinião, qual deve ser o papel dos sindicatos?

Os sindicatos dos trabalhadores, como legítimos representantes da categoria profissional, devem atuar, tal como no caso, no sentido de proteger os direitos trabalhistas e garantir uma condição digna para os empregados, utilizando-se dos meios permitidos por lei para tanto.

É também curial que haja a articulação sindical entre os sindicatos, Federações e Confederações, e com os Órgãos Públicos de combate às irregularidades trabalhistas, bem como perante o Congresso Nacional, a respeito dos pontos negativos do projeto.

Da mesma forma, os sindicatos devem fielmente exercer o dever de informação perante os trabalhadores, e buscar esclarecer a própria população, expondo os pontos do projeto de lei em trâmite no Congresso e, principalmente, as consequências decorrentes de eventual aprovação.

7 – Alguma observação sobre o Projeto de Terceirização ou recomendação à categoria ou de modo geral aos trabalhadores? 

A categoria dos bancários será crucialmente atingida com a aprovação do PLC 30/2015. O Ministério Público do Trabalho, há tempos, vem combatendo a terceirização ilícita no setor financeiro, sendo vários os casos de fraudes trabalhistas. Sem dúvida, se estendermos para qualquer atividade, é esperado que a atividade de bancário, como um todo, seja terceirizada, trazendo todas as consequências negativas já descritas para esses trabalhadores.

Espera-se também o aumento dos casos de assédio moral, já tão comuns no setor bancário, visto que o trabalhador terceirizado fica mais vulnerável no emprego, e geralmente são obrigados a laborar mais, além de sofrerem com a discriminação.

Já é conhecido do setor bancário a figura do inadmissível straining, em que o empregado é levado ao esgotamento das suas forças físicas, psíquicas e emocionais, para alcançar maior produtividade, e acarretando doenças do trabalho. Com o aumento da exigência desproporcional e realização de mais horas extras, é esperado o maior adoecimento da categoria.

Insta salientar que, apesar de o PLC 30/2015 (antigo P.L 4.330/2012) prever que a empresa terceirizada deve ser especializada e ter objeto único, ela absurdamente abre uma exceção a essa regra para as instituições financeiras, permitindo a terceirização para os chamados “correspondentes bancários”, abrindo, ainda, uma brecha para que qualquer tipo de atividade bancária ou financeira seja realizada por tais entidades.

Logo, o que se conclui que a categoria dos trabalhadores bancários e financeiros será uma das principais atingidas, de forma negativa, com a aprovação do projeto legal.

Várias entidades empresariais, incluindo as bancárias e financeiras, apoiam o projeto. Eles estão bem organizados. O Ministério Público do Trabalho, bem como outras entidades públicas, tem se posicionado expressamente contra o Projeto de Lei, expondo para a população os malefícios da aprovação. Entretanto, cabe também ao trabalhador, o principal prejudicado neste projeto, buscar a informação para a compreensão do projeto, e se organizar efetivamente na defesa dos seus direitos trabalhistas, possuindo as entidades sindicais papel fundamental para tanto.

Fonte: SEEB/Mato Grosso 


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