O espetáculo ́Tito – É melhor morrer do que perder a vida’ emocionou a plateia do Teatro do Sindicato dos Bancários de Brasília, na terça e quarta (dias 2 e 3/9). A peça, que mostra a trajetória de um dos mártires do regime militar brasileiro, Frei Tito de Alencar, com produção do grupo de Teatro Botokhypariu, tem total relação com a luta dos trabalhadores no Brasil.
“Mostramos a história desse religioso cearense que foi militante ativo pela democracia no país durante a ditadura militar na década de 60”, afirmou o diretor do espetáculo, Djalma de Lima.
Após a apresentação da peça nesta quarta (3), o Sindicato realizou um debate sobre o tema.
Representando a diretoria do Sindicato, o secretário Cultural e Social do Sindicato, Sandro Oliveira, falou do privilégio em poder contribuir para que os bancários e bancárias tenham a oportunidade de conhecer um pouco da história do frade dominicano, responsável pela luta pela redemocratização. “Uma história que todos deveriam conhecer, que retrata o sofrimento de Frei Tito, duramente perseguido pela ditadura”, disse.
Para os atores, participar da peça foi um presente. “Dizem os grandes atores que fazer papel de vilão é sempre muito bom, traz uma carga de dramaticidade grande. Mas esse papel é especial, é difícil na verdade. A gente tem que colocar todo o ódio que o personagem desperta nas pessoas, a ponto de, no final da apresentação, ouvirmos manifestações negativas, mas que na verdade são elogios pela nossa atuação”, comentou o ator e bancário João Cardoso, que interpreta o delegado Sérgio Fleury, do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).
Cardoso, que é funcionário do Sindicato dos Bancários de Guarulhos, e um dos idealizadores da peça, assinala que o delegado Fleury foi um personagem que marcou época, um ícone da tortura, “tanto que virou esse fantasma na cabeça do Tito, perseguindo-o por toda a sua vida”. Ele comenta que o grupo resolveu levar este espetáculo aos palcos para que os jovens conheçam as atrocidades cometidas durante este período sombrio da história recente de nosso país “e não se tornem vítimas de saudosos deste regime”.
O Tito jovem é interpretado pelo ator Ícaro Vinícius Bueno, filho de João Cardoso. Durante toda a peça, o seu personagem sofre muito com as torturas, mas ele esclarece que se preparou bastante para isso.
“É uma entrega total. O ator empresta o seu corpo, mas tivemos um trabalho intenso de preparação para fazer cenas de violência que parecem reais, mas que não chegam a machucar durante o espetáculo”, garantiu, destacando que se sente privilegiado em participar da peça.
Para Humberto Luiz, que representa o Tito na fase da esquizofrenia, quando ele já está num período bastante conturbado, participar deste espetáculo é um grande desafio: “realmente um presente, porque é um fato real que aconteceu e deixou marcas”. Ele considera fundamental retratar essa história nos dias atuais. “Acho importante levar essa missão da arte em favor da sociedade. E acredito que devemos lutar e ir contra a resistência para que essa triste história não se repita nunca mais”.
Almir Marcelino, que vive o Tito mais velho, considera o tema muito forte e conta que vivenciou um “pouquinho” a época da Ditadura. “Via pessoas próximas serem presas. Então, ter essa oportunidade de retratar a história de Frei Tito é uma responsabilidade e um prazer muito grande”. Segundo ele, boa parte do elenco está tendo contato com este tema dramático agora, e fazendo o exercício de mergulhar fundo nesta temática.
Trajetória
O pano de fundo do espetáculo é a ditadura militar e a resistência dos padres dominicanos diante das intempéries daquele obscuro capítulo da história brasileira. Os relatos do religioso sobre as torturas sofridas em 1970 nos porões da Operação Bandeirantes correram o mundo e se tornaram símbolos da luta pelos direitos humanos, embora tenha sido considerado um frade terrorista pela Igreja Católica.
O drama de Frei Tito é contado em livros, biografia, peças de teatro e filmes, como forma de denunciar os chamados porões da ditadura brasileira. Umas das mais conhecidas publicações sobre sua vida, o livro `Batismo de Sangue: os dominicanos e a morte de Carlos Marighella`, de Frei Betto, publicado em 1982, foi vencedor do prêmio Jabuti. A publicação ganhou versão para o francês e o italiano, em 1983 e 1984, respectivamente.
Em agosto de 1974, Frei Tito foi encontrado morto suspenso por uma corda em Lyon, na França, para onde fugiu depois de passar por outros países. O suicídio teria sido causado pelos transtornos psiquiátricos adquiridos depois de ser torturado pelo delegado Sérgio Fleury, do DOPS.
Antes de morrer, o frade teria escrito nas páginas de sua bíblia que ‘é melhor morrer do que perder a vida’.
Boto cor-de-rosa
O nome Bothokhypariu é uma alegoria à lenda do Boto cor-de-rosa que, segundo o folclore, quando uma criança não tem pai conhecido, diz-se que ele é filho do Boto. “Assim nos consideramos, filhos do Boto. Ou seja, não tínhamos papais que nos abonasse”, esclareceu o grupo.
Criado em 1984, pelos atores Almir Marcelino e Renato Wander, o Teatro do Boto – a forma simplificada que eles usam – faz parte da história do teatro em Mairiporã (SP). Sob as direções de Almir Marcelino, Djalma Lima e João Cardoso, o grupo já produziu diversas montagens, algumas, inclusive, premiadas em festivais de teatro.
No ano em que se comemora 30 anos do grupo e “descomemora” 50 anos do golpe militar, o Teatro do Boto assume mais um desafio: “o de mostrar ao público, em especial, à juventude, uma das faces mais perversas da Ditadura Militar civil-miltar brasileira: a tortura”.
Ficha técnica
A peça é de Solange Dias com direção de Djalma Lima e realização da Produtora Dois Pontos, Seeb Guarulhos e Teatro do Botokhypariu. Elenco: Almir Marcelino, João Cardoso, Humberto Luiz, Renato Wander Martin, Ícaro Bueno, Grazieli Almeida, Renan Altavista, Igor Pinheiro, Dandara Luz, Tamires Amaral, Rafael Torres e Victor Vendramini.
Mariluce Fernandes
Do Seeb Brasília