Na data em que o golpe completa 50 anos, depoimentos de presos, perseguidos e torturados pela Ditadura Militar emocionaram público
Escrito por: Vera Paoloni e Laís Côrtes - CUT-PA
“Choveu chumbo sobre a terra...
Isto em plena luz do dia
Cinquenta anos correram
E do medo não corri.
Quantos lutaram e morreram pela vida que vivi?
Quantos foram aprisionados?
Quantos foram torturados pelos sonhos que sonhei?
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Oitenta anos eu tenho
E me sinto uma criança.
O meu retrato desenho
Com a tinta da esperança
E ponho esta frase eloquente
No alto da sua moldura:
Nada existe tão indecente.”
Trechos do poema "Cinquenta anos de sonho depois de um pesadelo", do poeta, escritor, dramaturgo e preso político, Nazareno Tourinho
O professor Nazareno Tourinho, poeta, escritor, dramaturgo e preso político pela ditadura militar emocionou a todos os presentes na manhã desta terça-feira (1), no plenário da OAB-PA, durante o ato de instalação da Comissão da Verdade, Memória e Justiça dos Trabalhadores. O ato foi realizado pela CUT e outras centrais sindicais, com apoio decisivo da OAB e do Dieese.
Além do professor Nazareno Tourinho, falaram rapidamente sobre o confisco de liberdade e da democracia o ex-presidente da CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), o ex-bancário do Banco de Crédito da Amazônia, André Nunes; o ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, Moacir Martins e o ex-presidente do Sindicato dos Petroleiros, Raimundo Gomes Filho.
André Nunes também emocionou ao citar que é impossível ser comunista se não amar a humanidade, não for romântico e não ter amor nas atitudes. E falou que a reparação do período da ditadura tem que abranger as famílias que, de um dia pra outro ficavam sem seus seres amados e provedores do seu sustento, pois os chamados “comunistas” eram todos demitidos, como o foram André, Nazareno Tourinho e tantos outros.
Moacir Martins fez todos os presentes ficarem com uma sensação de tortura na pele e na garganta ao narrar que o então presidente do Sindicato da Construção Civil, Raimundo Gomes, foi levado pela ditadura para um navio, teve a barriga aberta e as iniciais de seu nome -RG – marcadas com maçarico.
Como escrito no manifesto da Comissão, “este ato de instalação no Pará da Comissão da Verdade e Memória dos Trabalhadores, objetiva resgatar a história dos que foram vítimas do regime ditatorial e manter viva na memória da classe trabalhadora e das novas gerações os crimes e injustiças cometidos, bem como fortalecer a nossa consciência de cidadãos para que nunca mais o Brasil possa viver a trágica experiência de uma ditadura.
No período da ditadura, sindicatos foram invadidos, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), a única central sindical da época, foi destroçada e suas lideranças perseguidas, presas e afastadas de seus empregos. Na área rural, o controle sobre a organização sindical foi feroz. As Ligas Camponesas foram destruídas. Os sindicatos de trabalhadores rurais como os da área urbana enfrentaram uma estrutura verticalizada e draconiana.
Por todo canto tinha espião do Serviço Nacional de Informação (SNI). Ninguém podia se reunir em locais públicos. As manifestações eram proibidas. O clima de delação era estimulado. E as pessoas vivam com medo de serem tachadas de subversivos e terroristas.
Mas inúmeros valorosos companheiros perderam o medo e foram se juntando, no início, clandestinamente. Muitos perderam a vida na luta pela democracia. Outra frente foi por dentro das instituições consentidas. E o sentimento de resistência foi se alastrando, tomando conta do País. Derrotas eleitorais foram impostas à ditadura; os trabalhadores romperam a camisa de força e denunciaram o arrocho salarial, o aumento do custo de vida. A organização pela base colocou empresários e o governo militar na defensiva.
A organização foi aumentando. Os estudantes foram às ruas. Os trabalhadores fizeram greve, que era proibido pelo regime. Surgiu a imprensa alternativa, que denunciou os crimes do governo e as gritantes desigualdades sociais. A pressão foi crescendo e os militares perdendo apoio. As conquistas se ampliando, até desaguar na campanha das タワDiretas, já!”, em 1984 e na convocação da Assembleia Nacional Constituinte, em 1986. Foi a organização do povo brasileiro que levou a país a normalidade democrática e o fim da ditadura militar.
Para Osvaldo Coelho, representante da OAB-PA, a Comissão da Verdade dos Trabalhadores é algo de suma importância, pois terá o papel de buscar informações, documentos, pesquisas, dados, evidências e fontes que comprovam quem sofreu e quem foi responsável pelas perseguições sofridas pelos trabalhadores no período da ditadura. Assim como ele – que presidia o Sindicato dos Trabalhadores do Fumo e teve o sindicato fechado- muitos trabalhadores, dirigentes sindicais da época tiveram seus mandatos interrompidos pela ditadura.
Martinho Souza, presidente da CUT-Pará ressaltou: “não podemos nos calar, não podemos permitir que o período da ditadura seja esquecido, não podemos deixar que a memória daqueles que se foram sejam apenas lembranças, temos que procurar os registros e responsabilizar os culpados pelos crimes da ditadura. Não podemos esquecer que hoje vivemos em uma democracia, que já foi governada por um operário e hoje é governada por uma mulher forte, que lutou e sofreu a ditadura na pele, que foi presa e torturada, mas que nunca deixou o sonho da democracia morrerタン.
Nacionalmente existem 10 centrais sindicais que fazem parte da Comissão da Verdade, e no Pará são 8. Para Neto, representante do Grupo de Trabalho da Comissão Nacional da Verdade, o que o Pará está realizando hoje, é o primeiro passo em busca do resgate da verdade sobre o alcance da ditadura no estado.
Para que se produza um relatório dos trabalhadores em relação este período no estado, é preciso buscar os documentos, as testemunhas. Ou seja, tem aí um período de quatro a cinco meses de muito trabalho. E apontou como o mais importante nessa busca do resgate à verdade: “Sigam o dinheiro. Onde está o dinheiro está a opressão. Onde está o empresariado e o crescimento desenfreado de fortunas, estão os responsáveis pela ditadura”, finalizou, sob intensos aplausos.
Coleta de assinaturas: por uma comunicação democrática
A ditadura também perseguiu muitos trabalhadores e trabalhadoras da área da comunicação e cultura em diversos setores. Estudantes, atores, diretores de teatro, músicos, compositores, jornalistas, escritores, cineastas, poetas, foram censurados por lutarem por liberdade de expressão, de pensamento.
Mesmo vivendo numa sociedade democrática, num país “laico”, vivemos uma ditadura imposta pelos barões dos meios de comunicação.
Nada mais oportuno então, que durante a instalação da Comissão da Verdade e Memória dos Trabalhadores, a realização de mais uma coleta de assinaturas pela Lei de Mídia Democrática. Assim o fizemos.